O Professor Alceu Maurício, doutorando de direito do "Programa de Pós-Graduação em Direito" da Puc-Rio traz a importante contribuição de sintetizar o pensamento de J. Waldron crítico as insuficiências do "Judicial Review". Tal contribuição é importante para entender a leitura da obra recente de Rosanvallon.
Uma contrapartida às teorias que tentam
colocar os tribunais como elementos de uma complexa democracia constitucional é
exposta por Jeremy Waldron, que faz uma reconstrução da idéia de desacordo no
Direito. Waldron expõe que não existe um acordo sobre as questões de justiça
social ou de políticas públicas. Não existe acordo sobre o que seja um direito
entre os acadêmicos ou entre o povo. As pessoas discordam radicalmente sobre
que direitos possuímos. Mas, mesmo se houvesse um consenso sobre esses
direitos, com base em declarações contidas nas constituições, continuaria a
existir um feroz desacordo sobre a extensão de sua aplicação. Por exemplo, o
direito à privacidade, contido no Bill of
Rights da Constituição norte-americana, permite que sejam derrubadas leis
que restringem o aborto? Daí a crítica a alguns filósofos e juristas que tratam
os direitos como se eles estivessem além do desacordo. Neste ponto, Waldron se
refere especificamente a Dworkin e a sua teoria de “direitos como trunfos” em
relação às maiorias legislativas. [1]
Waldron argumenta que o judicial review é antidemocrático, pois
a exigência de direitos constitucionais através da jurisdição é inconsistente
como o direito dos cidadãos de participar, em bases iguais, no processo público
de tomada de decisões. Ele nega que deva existir uma necessária correlação
entre ter um direito moral e ser titular de um direito jurídico, pois o máximo
que se pode extrair de um direito moral é a demanda pelo reconhecimento legal
desse direito, mas não um direito jurídico propriamente dito.[2] Mas, prossegue
Waldron,
mesmo considerando que sua premissa anterior estivesse errada, conferindo-se
exigibilidade jurídica a direitos morais, estes direitos deveriam ser de
natureza constitucional? A resposta que ele apresenta é negativa, pois
entrincheirar constitucionalmente esses direitos equivaleria a instituir uma
imunidade, e, consequentemente, uma incompetência em relação aos demais
cidadãos.[3]
É importante observar, contudo, que
Waldron não opõe os direitos individuais aos ideais de democracia (“the idea of
democracy is not incompatible
wtih the idea of individual rights”); ao contrário, não pode haver
democracia sem que os indivíduos possuam e regularmente exercitem o que ele
chama de “o direito dos direitos” (“the
right of the rights”), que é o direito de participação. Para Waldron, o
atrativo da participação democrática consiste no fato de que ela é uma solução
baseada em direitos (“rights based”)
ao problema do desacordo sobre os direitos. Assim, Waldron afirma que teóricos
como Dworkin estão corretos quando dizem que não estamos habilitados a apelar
para qualquer fundamental oposição entre a idéia de democracia e a de direitos
individuais para criticar a prática da jurisdição constitucional. Se existe uma
objeção democrática à jurisdição constitucional, ela também deve ser uma
objeção baseada em direitos.[4]
Como em quase todas as teorias que vimos
até então, Waldron aponta duas categorias de direitos relacionados à democracia:
a) direitos constitutivos do processo democrático, e b) direitos que, embora
não constitutivos, são condições necessárias à democracia.[5] Portanto, como o
próprio
Waldron admite, ele concorda com Dworkin em pelo menos três pontos: 1) existe
uma importante conexão entre direitos e democracia; 2) alguns direitos
individuais precisam ser vistos como condições para a legitimação da decisão
majoritária; e 3) se as pessoas discordam sobre as condições da democracia, um
apelo à legitimação da decisão majoritária para resolver esse desacordo pode
ser uma argumento circular. Entretanto, Waldron pondera que: o apelo à
legitimidade da jurisdição para resolver esses desacordos também é circular, e
não somos obrigados a escolher um procedimento de decisão de acordo com um
teste orientado pelo resultado. Waldron conclui que sempre haverá uma perda
para a democracia quando as condições democráticas são impostas por uma
instituição não-democrática; que não existe razão para pensar que a jurisdição
constitucional promove o debate político participatório na sociedade; e que é
uma questão aberta se a jurisdição constitucional tornou alguma sociedade mais
justa do que seria caso não tivesse adotado essa prática.[6]
Por fim, Waldron argumenta que também os
tribunais decidem por maioria; dessa forma, não podemos dizer que os direitos
não estão sendo levados a sério porque sua definição está entregue à maioria.[7]
As críticas de Waldron à democracia
constitucional de Dworkin merecem considerável atenção. Seus argumentos expõem
com franqueza que o controle jurisdicional de constitucionalidade não é a
instituição que, por natureza, deve proteger a democracia. Confiar às maiorias
o estabelecimento das condições democráticas significa conferir-lhes o poder de
delimitar seu próprio poder; porém, o mesmo ocorre quando se confia esse poder
a um tribunal, pois neste caso a extensão das condições democráticas traça as
fronteiras da competência jurisdicional.
Mas não se pode esquecer que Waldron vê
jurisdição constitucional sob a perspectiva britânica, mesmo quando tem em mira
a prática constitucional norte-americana, daí sua confiança no parlamento, que
por séculos tem garantido a democracia na Inglaterra. Os autores
norte-americanos que defendem o judicial
review , por sua vez, confiam na prática (também centenária), de seu país,
de atribuir a uma Corte Suprema a tarefa de principal fonte institucional sobre
a interpretação da Constituição.
________________________________
[1] WALDRON, Jeremy. Law and disagreement. Oxford:
Oxford University Press, 1999, p. 11-13.
[2] Ibidem, p. 217-219.
[3] Ibidem, p.
219-223.
[4] Ibidem, p. 252
e 282.
[5] Ibidem, p.
283-285.
[6] Ibidem, p. 302.
[7] Ibidem, p. 306.
No mesmo sentido, ao criticar a teoria de Eisgruber, vide WALDRON, Jeremy.
Eisgruber´s house of lords. University of San Francisco Law Review,
San Francisco, vol. 37, n. 1, p. 89-114, Fall 2002.
domingo, 19 de outubro de 2008
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