Postamos as duas respostas da questão proposta pelo jornal "A Folha de São Paulo" em 18 de outubro de 2008 a respeito de: "A vida privada de pessoas públicas deve ser objeto de debate polítco". A questão formulada foi discutida em duas obras com a nossa participação uma da Editora Renvoar (organizada por Fernanda Duarte) e a outra publicada pela Editora Juruá em 2008 (organizada por José Ribas Vieira). Ao ler as respostas, sublinhamos, não deixem de ler as duas publicações citadas.SIMInteresses privados e bem comum
LEONARDO AVRITZERA MODERNIDADE política se desenvolveu a partir da idéia de uma forte separação entre o público e o privado. Essa separação, partilhada tanto por liberais quanto por republicanos, é justificada de diferentes maneiras.Para os liberais, o elemento central da política deve ser a defesa da inviolabilidade do privado baseada na tolerância à pluralidade. Para os liberais, ambas as dimensões não estão relacionadas à política e, nesse sentido, não devem aparecer na esfera pública. Para os republicanos, o elemento central da política é o público estritamente concebido, e nada do que é privado deve influenciá-lo. Assim, nada mais lógico do que uma estrita separação entre as duas esferas.No entanto, a grande mudança trazida pela modernidade tardia é um processo que denominamos "societalização do público". Ele torna ficção a idéia de que a política trabalha só com as questões do bem comum, uma vez que ela se transforma cada vez mais em uma interseção entre os interesses privados e os valores plurais que buscam uma expressão pública.Por outro lado, a forte intervenção do Estado no que é social por meio de políticas que expressam concepções morais, seja na área da educação, seja na área do bem-estar social como um todo, torna muito mais tênue as fronteiras entre o público e o privado na política.É nesse novo contexto que aparece a questão: o que a política deve processar ou publicizar sobre a vida privada dos indivíduos? A resposta a essa questão deve separar duas dimensões do privado. Em primeiro lugar, aquilo que denominamos interesses econômicos privados e, em segundo lugar, aquilo que chamamos de íntimo e que inclui um conjunto de escolhas valorativas que os indivíduos realizam privadamente. Como entender a relação entre essas escolhas e a política?No que diz respeito aos interesses privados, não resta a menor dúvida de que o seu conhecimento desempenha papel positivo no sistema político.Entender as relações privadas estabelecidas pelos políticos, quem os financia e quais são os interesses econômicos que eles representam constitui um dos desafios da política contemporânea. A revelação desses interesses qualifica a esfera pública e rompe uma suposta inocência, de acordo com a qual cada indivíduo representaria apenas o bem comum e tudo o que a política envolve são diferentes elaborações acerca do que é o bem comum. Nada mais falso.O papel da esfera pública é revelar quais são os interesses privados por trás da defesa do bem comum. Nesse sentido, vale a pena ressaltar a importância da legalização dos lobbies no Brasil. O sistema político brasileiro opera a partir do suposto de que ninguém faz lobby, já que ninguém admite que o faz e os políticos não admitem que mantêm contatos com lobistas. Não existe a menor dúvida de que a pior maneira de realizar o lobby é realizá-lo privada e/ou secretamente.Quando passamos da esfera pública para a esfera íntima, a questão sobre quais são os limites da política adquire uma tonalidade diferente.O que separa a esfera privada da íntima é a percepção de que há uma dimensão da esfera privada que não diz respeito a interesses materiais, e sim a valores e modos de vida.Essa esfera que chamamos de íntima pode eventualmente influenciar o sistema político. Por exemplo, discussões sobre o aborto ou sobre os direitos de minorias culturais podem ser influenciadas pelas concepções religiosas de um político ou pela maneira como ele abordou tais questões na sua própria família.O caso da gravidez não interrompida da filha adolescente de Sarah Palin é um bom exemplo. Sua revelação diminuiu o apoio do candidato republicano à Presidência entre o eleitorado feminino. Nesse sentido, a revelação da intimidade de um candidato pode esclarecer o eleitorado.De todo modo, o limite da publicização de fatos da vida privada dos indivíduos deve existir. A publicização deve excluir casos nos quais reforça preconceitos e ataca a pluralidade dos modos de vida, que deve ser o objetivo maior da política democrática.
sábado, 18 de outubro de 2008
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