sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O STJ e sua filtragem

A "Folha de São Paulo" de 31 de outubro de 2008 publica a seguinte matéria sobre o STJ.


"Filtro" do STJ elimina 41% dos processos no tribunal
Lei dos Recursos Repetitivos permite o julgamento em série de milhares de açõesEm números absolutos, a queda no volume de ações enviadas ao STJ foi de 9.454 causas, em agosto deste ano, para 5.590 até ontem. Nos três primeiros meses de aplicação da Lei dos Recursos Repetitivos, que criou um "filtro de recursos" no STJ (Superior Tribunal de Justiça), houve uma redução de 41% no número de processos submetidos ao tribunal. Em números absolutos, a queda no volume de ações enviadas ao STJ foi de 9.454 causas, em agosto deste ano, para 5.590 até ontem.O texto legal (lei nº 11.672), em vigor desde 8 de agosto deste ano, criou um mecanismo semelhante ao do instituto conhecido como repercussão geral, que está sendo aplicado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) desde 2007. O "filtro" do STF também provocou uma diminuição de cerca de 40% no número de recursos remetidos ao tribunal, na comparação entre os registros dos nove primeiros meses do ano passado e os do mesmo período de 2008.A Lei dos Recursos Repetitivos permite que STJ identifique temas jurídicos que se repetem em um grande número de processos e realize apenas um ou dois julgamentos sobre cada um dos assuntos (veja quadro ao lado).Até anteontem o STJ já havia selecionado 54 casos-modelo. Deste total, nove recursos já foram julgados. Segundo o presidente do STJ Cesar Asfor Rocha, a causa mais importante já decidida pelo tribunal teve como tema a fixação de critérios para definição das situações nas quais taxas de juros podem ser consideradas abusivas, em contratos bancários.Rocha afirmou que até quarta-feira havia 8.561 recursos suspensos no STJ até a definição dos casos-modelo. O presidente do STJ estimou que nos tribunais de segunda instância do país (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça) há mais 120 mil processos na mesma situação. "A celeridade na solução das causas é um componente essencial da garantia da segurança jurídica. Os processos de massa também devem ter tratamento de massa", disse Rocha.Já o STF aplicou o instituto da repercussão geral em relação a 95 temas constitucionais desde 2007. Dezessete desses assuntos já foram apreciados em julgamentos, e seis geraram a criação de súmulas vinculantes (enunciados do STF que devem ser seguidos na decisão das causas). Uma destas súmulas foi a que proíbe a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas.Participação da sociedadeO texto da nova lei possibilita a participação de entidades interessadas nas questões no decorrer dos julgamentos, por meio de audiências públicas ou manifestações por escrito.Para Marco Lorencini, pesquisador do Cebepej (Centro Brasileiro de Pesquisas e Estudos Judiciais), "é necessário que a sociedade acompanhe tanto a escolha dos processos que se tornarão modelo como os julgamentos das causas, pois a repercussão das decisões será muito significativa".O presidente do STJ afirmou que "a apreciação dos casos abrangidos pela nova lei deve ser democrática, e por isso a participação da sociedade é muito importante".Sob análise da OABO Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ainda não tem uma posição definida em relação à nova lei. Vladimir Rossi Lourenço, vice-presidente em exercício da entidade, diz que o texto legal tem o aspecto positivo de diminuir a morosidade no Poder Judiciário, mas é preciso verificar se o novo texto legal contém dispositivos inconstitucionais."A lei pode estar criando mecanismos semelhantes aos da súmula vinculante, que foi criada pela Constituição para o STF. O assunto está sendo estudado e em seguida vamos deliberar se há inconstitucionalidades passíveis de serem objeto de uma ação direita de inconstitucionalidade", disse.

I.Berlin e a liberdade negativa

O bolsista de monitoria Renan Cardoso da disciplina Teorias do Estado da UFF envia-nos a seguinte matéria a respeito do pensamento de I.Berlin importante para compreender o debate contemporâneo da Teoria Política e a contraposição entre a liberdade de caráter liberal e a do republicanismo (liberdade positiva). O texto é de Ademar Cruz publicado no jornal O Valor de 31 de outubro de 2008.

Neste 31 de outubro, cumpre 50 anos uma das mais célebres e influentes
conferências da teoria política de todos os tempos, "Dois conceitos de
liberdade", de Isaiah Berlin, proferida na inauguração de cátedra que criara
em Oxford, em 1958. Trata-se da ocasião em que Berlin cunhou a expressão
"liberdade negativa" para designar um espaço mínimo de fronteiras não
discerníveis em que o exercício da autonomia individual não pode ser
restringido ou coagido por qualquer instituição social ou política. Diversos
comentaristas consideram a conferência de 1958 como uma das maiores
contribuições de todos os tempos para o pensamento liberal e para a
definição de liberdade.

Talhado na pura tradição da filosofia analítica, Berlin - nascido em Riga,
na atual Letônia, e radicado praticamente toda a vida em Oxford - foi
pioneiro em distinguir o conceito de liberdade de outros assemelhados, de
corte liberal e republicano, como justiça e fraternidade. Seu conceito de
liberdade negativa terá sido ainda mais preciso (e radical) ao dissociar-se
de automatismos que vinculavam liberdade com regimes de governo, como a
democracia. Com esta a liberdade negativa manteria relação de afinidade, mas
não de necessidade. Segundo Berlin, a pergunta "o que eu posso ser ou
fazer?" é logicamente distinta de "por quem sou governado, ou quem tem o
direito de me governar?". Berlin sustenta que, em certos períodos de
despotismo do Século XIX, vivia-se com mais liberdade que em muitas
democracias do Século XX.

Conceito-espelho de liberdade negativa é o de "surgimento do indivíduo",
entendido a partir de um movimento que segue da plena constituição social da
pessoa até chegar ao "eu" liberal desenraizado, independentemente de seus
vínculos e lealdades sociais. Com base nesse conceito, Berlin trata a
liberdade de modo bastante diverso de outro epígono do liberalismo, Benjamin
Constant, que numa também célebre conferência ("Da liberdade dos antigos
comparada à dos modernos") sustenta que nos regimes e sistemas políticos da
antigüidade o conceito de liberdade individual carecia de sentido
político-social. Para o filósofo suíço, a possibilidade de participação nos
negócios da polis ou o princípio rousseauniano da legitimidade bastariam
(numa acepção "positiva", republicana) para assegurar o exercício das
liberdades individuais.

Berlin refuta a proposta de Constant de equiparar a liberdade positiva à
negativa, ao rejeitar o utilitarismo e o comunitarismo como bases para a
promoção das liberdades individuais: "Se minha liberdade, de minha classe ou
país, dependesse da miséria de outros seres humanos, então o sistema que
promove essa liberdade é injusto e imoral". Estava também consciente de que,
na prática, sua noção de liberdade negativa não constituía uma virtude
suprema a que a grande maioria da humanidade desejaria aspirar. Valores como
segurança, status, poder, recompensas na próxima vida, entre outros,
incompatíveis com a maximização das liberdades individuais, apelariam mais à
consciência dos povos. A elevação da liberdade na escala dos valores humanos
depende da formação da autoconsciência, que requer, por sua vez, a
universalização do acesso à educação, num movimento semelhante ao
preconizado por pensadores como Hegel, Marx e Paulo Freire ("Entender o
mundo é libertar-se"; "o ato de compreender já corresponde à ação").

A primazia da educação como requisito para a liberdade faz com que Isaiah
Berlin acompanhe Kant ao considerar o paternalismo como "o maior despotismo
imaginável", uma vez que gera a concepção falaciosa de que as pessoas são
incapazes de formular seus próprios projetos de vida, ou de que tais
projetos devem ser submetidos a uma determinada interpretação da verdade.
Uma das mais memoráveis passagens de "Dois conceitos" é quando Berlin
identifica na não-interferência o caminho para a dignidade individual, para
o reconhecimento e a construção da personalidade. O paternalismo, o
arbítrio, o desrespeito à impessoalidade do direito e a (des)caracterização
da pessoa como meio constituem práticas abomináveis porque lhe rouba a
autonomia e a identidade.

Do mesmo modo que Berlin denunciava o assalto à autonomia de parte de
regimes demagógicos e populistas, rejeitava o livre mercado -
diferentemente, portanto, de Constant e da tradição liberal - como uma forma
"brutal" e "inescrupulosa" de atentar contra os direitos dos menos aptos e
afortunados: "Liberdade para os lobos representa quase sempre a morte para
as ovelhas". Mais além, protesta que "os malefícios do laissez-faire
irrestrito (...) acarretaram violações inaceitáveis da liberdade negativa e
dos direitos básicos".

Longe, no entanto, de bandear-se para as fileiras do socialismo ou do
comunitarismo, Berlin lançou, em "Dois conceitos", as bases para uma
profunda revisão do liberalismo, que culminaria anos depois com a obra de
John Rawls. Percebe-se claramente na conferência de 1958 princípios da ética
deontológica; surgem os fundamentos do "consenso superposto" e do "fato do
pluralismo"; enunciam-se protovisões dos "valores justos da liberdade"; e
notam-se profundas marcas da liberdade negativa nos princípios de justiça
depreendidos do contratualismo de Rawls.

Um dos aspectos mais marcantes do liberalismo berliniano é o de que não se
presta a justificar nenhuma doutrina com pretensão ao universalismo nem
qualquer visão abrangente de mundo. O baluarte que quer defender é o da
ampliação da margem de liberdade de todo indivíduo, de poder dirigir sua
vida e não ser dirigido (tal como proclama o brasão de São Paulo, non dvcor,
dvco). O contrato social consiste basicamente em atribuir a um poder maior a
tarefa de impedir, contra qualquer pretexto ou circunstância, a afronta às
liberdades: seja de parte mercado anárquico, da onipresença do Estado ou dos
valores associados à própria democracia. "Dois conceitos de liberdade" é
mais que um breviário liberal, pois consiste numa das grandes formulações
analíticas da teoria política de todos os tempos. Expressa um momento de
autoconsciência do homem e um dos pontos culminantes da civilização.

Ademar Seabra da Cruz, diplomata, doutor em Sociologia (USP) e membro do
CEDEC-SP. Publicou "Justiça como Eqüidade" (Lumen Juris).

STF proíbe Estados de interrogar por vídeoconferência

Enfim, temos o desfecho de caso já muito debatido neste espaço:

fonte: http://www.estadao.com.br/geral/not_ger270122,0.htm

SÃO PAULO -
Por 9 votos a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam na quinta-feira, 30, inconstitucional uma lei do Estado de São Paulo que autorizava a realização de interrogatórios por videoconferência. A medida era usada para ouvir presos considerados perigosos . "Nada contra a videoconferência", afirmou a ministra Cármen Lúcia. "Mas estamos tratando de um caso específico, com base em uma legislação estadual", acrescentou. Segundo a Constituição, só a União pode legislar sobre processo penal.


Alguns ministros foram além e, durante o julgamento, opinaram que os acusados têm o direito de prestar depoimento pessoalmente ao juiz e não por meio de um equipamento de videoconferência. O ministro Ricardo Lewandowski observou que o interrogatório é talvez a primeira e última vez que um acusado tem a possibilidade de se defrontar com o juiz.

O decano do Supremo, Celso de Mello, observou que o interrogatório é um ato de defesa.A decisão foi tomada em julgamento de um pedido de habeas corpus de Danilo Ricardo Torczynnowski, que foi condenado por roubo e prestou depoimento por videoconferência.

Os ministros do STF declararam nulo o processo e determinaram a soltura do preso. De acordo com os ministros do Supremo, há outros Estados que editaram leis sobre videoconferência e, se contestadas, essas regras serão declaradas inconstitucionais. O STF deverá comunicar o Senado sobre o resultado do julgamento para suspensão da lei paulista.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Os votos do caso do Coronel Cordero

Eis os votos contidos no resumo do "site" do STF em 11 de setembro de 2008 do pedido de extradição do coronel uruguaio Cordero
Pedido de vista suspende julgamento de extradição do coronel Manuel Cordero
Pedido de vista do ministro Cezar Peluso interrompeu, na tarde desta quinta-feira (11), o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de dois pedidos de extradição do major uruguaio Manuel Juan Cordeiro Piacentini. O militar é acusado de ter participado da Operação Condor, que teria se formado nos anos 70 para reprimir a oposição aos regimes militares que estavam no poder em vários países da América do Sul.
Tanto a Argentina, na Extradição (EXT) 974, quanto o Uruguai, por meio da Extradição 1079, argumentam que Piacentini teria participado, entre outros delitos, do “desaparecimento forçado” do cidadão argentino Adalberto Valdemar Soba Fernandes, acontecido em 1976.
Preferência
O relator dos processos, ministro Marco Aurélio, declarou prejudicado o pedido do Uruguai, lembrando que o artigo 79 da Lei 6.815/80 determina que, quando dois países pedem a extradição de uma mesma pessoa pelos mesmos fatos, “terá preferência o pedido daquele em cujo território a infração foi cometida”.
Formação de quadrilha
O ministro passou a analisar então, o pedido da Argentina. Marco Aurélio ressaltou inicialmente que o crime de formação de quadrilha imputado ao militar por um crime cometido há mais de 32 anos, cuja pena no Brasil pode atingir até 6 anos e na Argentina 10, já estaria prescrito, tanto na legislação penal brasileira (em 12 anos) quanto argentina (em 15 anos).
Homicídio
Quanto ao desaparecimento de Adalberto Fernandes, o relator disse entender que não pode se considerar o fato como um crime de seqüestro. Entende-se por desaparecimento forçado, explicou o ministro, quando o crime é praticado por grupos que atuem com autorização ou consentimento do Estado, que deixa de informar o paradeiro da pessoa. Embora o Brasil ainda não tenha assinado a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado, disse o ministro, no caso em questão pode-se dizer que não se trata de seqüestro, e sim de homicídio.
A Lei 9.140/95 – conhecida como a Lei da Anistia, prosseguiu o relator, reconheceu como “presumidamente” mortas as pessoas desaparecidas que participaram de atividades políticas entre setembro de 1961 e outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Da mesma forma, disse o ministro, a legislação argentina (Lei 14.394/54) diz que a ausência da pessoa sem que dela se tenha notícia, por três anos, causa a presunção de seu falecimento.
Dessa forma, considerando que com relação ao crime de homicídio a prescrição na Argentina acontece em 15 anos, e no Brasil em 20, o ministro Marco Aurélio votou pelo indeferimento do pedido de extradição.
Anistia
O ministro concluiu dizendo entender que o caso alcança o tema da anistia. Se aprovasse a extradição, revelou o ministro, o STF poderia estar causar o esvaziamento da lei de anistia. Feridas poderão vir a ser abertas, disse o relator. “Isso não interessa ao coletivo, não interessa à sociedade”, concluiu, revelando que a anistia deve ser entendida como uma virada de página, uma busca do convívio pacífico entre os cidadãos.
Os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Eros Grau acompanharam o relator, pelo indeferimento do pedido, sem contudo se comprometerem com os argumentos do ministro Marco Aurélio no tocante à Lei de Anistia.
Divergência
Já o ministro Ricardo Lewandowski divergiu do relator, votando pelo deferimento parcial do pedido de extradição, apenas quanto ao suposto seqüestro imputado ao militar, lembrando que o crime é de caráter permanente, e portanto não pode ser considerado prescrito. O ministro deu como exemplo o caso de bebês que foram tirados de suas mães, naquela época, e até hoje se encontram em poder de outras famílias.
Outra alegação da defesa do major, de que o acusado teria recebido indulto do governo, por meio do Decreto 1.003/89, foi rebatida por Lewandowki. O ministro afirmou que esse decreto foi julgado inconstitucional. Assim, considerando estarem presentes os pressupostos pela concessão da extradição, o ministro votou pela concessão, em parte, da extradição.
Ao pedir vista dos autos, o ministro Cezar Peluso afirmou ter dificuldade em admitir a existência de um crime de homicídio sem a existência de um corpo.

O Coronel Cordero e a internaciolização no STF

Eis o resumo do julgamento ainda em andamento da extradição do Coronel urugaio Cordero envolvido na Operação Condor postado no "site" do STF de 30 de outubro de 2008.
Pedido de vista adia julgamento de extradição de militar uruguaio envolvido na Operação Condor
Pedido de vista do ministro Eros Grau interrompeu, nesta quinta-feira (30), pela segunda vez, o julgamento do pedido de Extradição (EXT 974) do major uruguaio Manuel Juan Cordero Piacentini, formulado pelo governo da Argentina. O militar é acusado do desaparecimento de dez pessoas, além do seqüestro do menor Aníbal Armando Parodi, durante a Operação Condor, que teria sido levada a efeito nos anos 70 com o objetivo de reprimir a oposição aos regimes militares que estavam, então, no poder em vários países da América do Sul.
Além da Argentina, também o Uruguai pediu a extradição do major Piacentini (EXT 1079). Este pedido, entretanto, foi considerado prejudicado, uma vez que os crimes foram cometidos na Argentina.
O pedido de vista foi formulado quando o relator, ministro Marco Aurélio, havia votado pelo indeferimento da extradição, alegando que estariam prescritos tanto o crime de subtração de menor quanto o desaparecimento. Além disso, Piacentini teria sido beneficiado por decreto de indulto editado pelo governo argentino.
Este foi, a propósito, um dos argumentos da defesa ao pedir o indeferimento do pedido. Os advogados alegavam, também, tratar-se de crime político e que, portanto, o militar seria insuscetível de extradição. Além disso, ele teria sido indultado pelo Decreto 1.003/89.
Divergências
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio sustentou que o crime de subtração do menor está prescrito pois, na legislação brasileira, é punido com pena de dois meses a dois anos de reclusão. O menor foi seqüestrado com 20 dias de idade, em 14 de junho de 1976, em Buenos Aires, e entregue a uma família de militares, tendo vivido desde então com o nome que lhe foi dado por esta família. E, somente em 2002, ele pôde conhecer a sua verdadeira identidade, quando passou a ser chamado por seu nome atual (Aníbal Armando Parodi).
Quanto ao desaparecimento das outras dez pessoas de que Piacentini é acusado, o ministro Marco Aurélio considerou a ocorrência de morte presumida, tendo em vista que nenhuma delas retornou ao convívio social, mesmo com o fim das operações. Como o crime de homicídio prescreve em 15 anos pela legislação argentina e em 20, pela brasileira e, como foi cometido há mais de 30 anos, ele o considerou prescrito.
Com o relator haviam votado, em setembro, os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Eros Grau (que hoje decidiu pedir vista) e Cármen Lúcia, que, no entanto, fizeram ressalvas quanto ao entendimento do ministro Marco Aurélio sobre anistia. Cármen Lúcia mudou hoje seu voto para acompanhar a divergência, aberta em 11 de setembro – quando foi iniciado o julgamento – pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Divergiram também, votando pelo deferimento parcial do pedido de extradição – e reenquadrando o crime de subtração de menor como crime continuado de seqüestro, só cessado em 2002 – os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto.
Voto vista
Quando o julgamento do processo foi iniciado, em setembro de 2008, o ministro Cezar Peluso pediu vista do processo. Hoje, ele trouxe o caso de volta a julgamento e apresentou seu voto-vista, divergindo do relator. Considerou que não se poderia presumir a morte dos desaparecidos, porquanto não há provas materiais nem individualização da ação que o major supostamente teria tido na morte de cada um deles.
Além disso, segundo Peluso, para que haja morte presumida é necessário que, de acordo com o artigo 7º do Código Civil Brasileiro, haja uma sentença judicial que, entre outros, estabeleça uma data provável do falecimento.
O ministro esclareceu que, embora não defenda a imprescritibilidade do crime, não poderia votar pelo acolhimento do pedido de extradição por este crime, pelos motivos por ele apontados.
Já quanto ao crime de subtração de menor, ele o enquadrou como crime de seqüestro. E observou que ele só cessou em 2002, quando o menor seqüestrado tomou ciência de sua verdadeira identidade. Por isso, considera que este crime ainda não prescreveu e, portanto, o prazo de prescrição começou a correr apenas em 2002.
Em relação à anistia, ele disse que a lei de anistia dos militares envolvidos em crimes durante o regime militar argentino foi revogada, após ser considerada inconstitucional.
Vista
O ministro Eros Grau, que anteriormente havia votado pelo indeferimento do pedido, acabou pedindo vista do processo. Ocorre que ele é relator da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contesta a Lei de Anistia. E explicou que quer examinar o pedido de extradição do militar argentino juntamente com o teor dessa ADPF

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Roberto DaMatta, "O eleitor e os eleitos".

Interessante o texto do antropólogo e prof. Roberto DaMatta publicado esta quarta-feira (29/10) no jornal "O Globo" para que, passada a fasede tensão eleitoral, reflitamos sobre o estágio político que vivemos.

-->material retirado do site: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081029/not_imp268575,0.php

Em muitas capitais e outras cidades importantes, temos uma nova leva de prefeitos legitimamente eleitos, após uma competição na qual eleitores e eleitos se manifestaram livremente na busca de apoio e na apresentação de suas propostas. O liberalismo também obrigou a mostrá-los em debates e acusações, como manda o figurino (que está longe de ser perfeito, mas é o menos pior) da democracia moderna.

O resultado agregado do processo como um todo promoverá um novo mapa eleitoral que será avaliado e estudado pelos especialistas. Índices, coeficientes, porcentuais, gráficos e outros códigos de entendimento desse nosso modo de escolher e legitimar administradores públicos serão os indicadores de novos (e velhos) debates, tendências e revelações. Como sempre, a realidade vai promover suas surpresas e introduzir novidades nesse rito eleitoral que transforma milhões de microescolhas individuais num resultado visível que confirma ou infirma velhas expectativas e doutrinas; que coroa um candidato, colocando o seu adversário num segundo lugar que, nesta etapa do ritual, significa simplesmente a pêra sempre dura de engolir.

Antigamente, o governante era um escolhido de Deus porque sua legitimidade era dada por descendência divina. As antigas realezas haviam nascido no outro mundo e os reis eram um dos mediadores mais importantes entre deuses e homens. Em muitos casos, eram uma prova cabal de que, afinal de contas, nós - seres nutridos também e sobretudo a sofrimento e morte - não havíamos sido totalmente abandonados pela divindade que nos concedeu a graça de termos uma linhagem e governantes abençoados nos céus.

Hoje, essa legitimidade é feita pela soma de escolhas individuais dos cidadãos que votam individual e, supomos, autonomamente, e não em grupo ou família. Numa ponta há um laço intransferível, porque pessoal, entre o eleitor e o seu eleito (o candidato); num outro pólo, há o agregado produzido pela reunião de todos os votos individuais que elegem ou não o postulante. A química divina dos antigos é hoje a famosa e não menos misteriosa passagem da quantidade para e qualidade. Receber mais votos qualifica e, mais que isso, consagra o eleito. No processo, a tal campanha eleitoral que em todo lugar tem o feitio de uma peregrinação do famoso (e no Brasil, do superior, chamado de "homem") em busca do pequeno (chamado coletivamente de "povo"), demarca-se um campo de disputa. Um jogo que, dependendo da experiência e do modo pelo qual a sociedade demarca a competição, pode surgir como algo claro e cordial, como uma briga de faca ou, pior que isso, como um concurso de cinismo e de hipocrisia.

No meu humilde entender, o que tipifica o processo eleitoral no Brasil é a sua imagem como uma luta na qual os disputantes podem e devem vencer a todo custo. O que não pode ocorrer é a derrota, ainda lida como algo vergonhoso porque, segundo a nossa cabeça fechada por muitas camadas de aristocratismo mal criticado e recalcado, só se entra numa disputa eleitoral (entendida como luta pelo poder - palavra forte no nosso pobre vocabulário político), para ganhar! Ora, se o treco é competitivo, tem uma marca do imponderável, desenha-se como uma disputa com regras claras, acordadas pelos competidores, se o apelo é individual e a decisão é livre, como pode ser vergonhoso perder, a menos que se tenha uma mente fascista?

Quando eu, ainda jovem, escrevi - movido pela indignação e pelo sentimento de justiça - uma carta aberta contra um conhecido político e intelectual que atacava a instituição na qual eu trabalhava e dava todas as minhas forças para tornar um centro de estudos digno desse nome; e vi essa carta ser usada contra mim, ouvi de muitas pessoas um conselho estarrecedor. Ora - diziam -, o uso de sua carta contra você faz parte da "política". E em política e no jogo do poder, acrescentavam, vale tudo!

O realismo contido nessa experiência me deu uma medida exata da má consciência com a qual ainda hoje lemos o campo do poder e a área da política. Ela sempre surge como um ator onipresente nas disputas eleitorais, revelando a nossa dificuldade em ver o outro como um concorrente e não como um inimigo. Mostrando como acreditamos piamente que o tal poder não pode ser entregue a qualquer um, pois só nós - "eleitos" - somos dignos dele e temos o direito de utilizá-lo. Ora, se isso não é uma mostra de uma total segregação entre os chamados "homens", os poderosos (que um dia foram eleitos) e que, hoje, nos governam e nós; então eu quero ver minha avó andar de bicicleta! Se isso não é o pior dos fascismos, esse último reduto dos que ainda pensam que podem governar porque fizeram (ou são) algo que lhes deu um equivalente ao "direito divino", então eu quero ser mico de circo!

Que os perdedores recebam minha simpatia e os eleitos os meus parabéns. Desejo que o Rio de Janeiro e minha querida Niterói tenham o melhor. Espero que todos cobrem não apenas as promessas e os programas, mas sustentem, como novidade, o laço. O elo sagrado de uma confiança entre o eleito e o eleitor, sem o qual não há democracia.

A crise econômica e o STF

O "Valor Economico" de 29 de outubro de 2008 traz o diagnóstico do Presidente do STF Ministro Gilmar Ferreira Mendes das possíveis novas demandas judiciais decorrentes da crise econômicaCrise deve criar demandas judiciais, afirma Mendes O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, acredita que a crise econômica internacional deve criar um novo ciclo de demandas no Judiciário. "Certamente, virão embates que conhecemos muito bem", afirmou, referindo-se a ações que devem ser propostas por empresas, bancos e pessoas físicas que possuíam contratos atrelados ao dólarO presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes: "Realmente, podemos estar diante de um novo ciclo de demandas para a Justiça"Mendes lembrou que, em janeiro de 1999, quando houve o fim da paridade entre o dólar e o real, o Judiciário passou por um novo fluxo de ações. Quem tinha contratos corrigidos pelo dólar procurou transferir esse prejuízo através de ações no Judiciário."Esses problemas com contratos são muito comuns. As pessoas alegam que surgiu um fato imprevisível e recorrem à Justiça. Realmente, podemos estar diante de um novo ciclo de demandas para a Justiça", disse o ministro em conversa por telefone com o Valor de Nova York, onde proferiu palestra sobre a reforma do Judiciário no Brasil e a sua conseqüência para os investimentos no país. Ele esteve na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) e nas universidades de Harvard e Columbia.Mendes relatou na ONU que os mecanismos aprovados pelo Congresso, em dezembro de 2004, na reforma do Judiciário, tiveram o objetivo de dar maior segurança jurídica aos negócios realizados no país."O mercado é uma instituição jurídica", definiu. Ele citou três mecanismos específicos. Primeiro, a criação do Conselho Nacional de Justiça que tem a missão de formular a estratégia do Judiciário no sentido de fiscalizar os juízes e evitar a procrastinação dos processos. Em seguida, Mendes defendeu a súmula vinculante, que faz com que decisões do STF sejam seguidas pelos demais tribunais do país. Para ele, a súmula levou a uma estabilização de expectativas já que as decisões passaram a ser iguais para todo o país. Nesse ponto, a súmula reduziu o grau de incerteza das empresas quanto aos seus negócios. O ministro disse, ainda, que a repercussão geral acelerou a tomada de decisões no Supremo Tribunal Federal.A repercussão permite que o STF reúna vários processos num único julgamento. Com isso, as decisões são tomadas mais rapidamente e os empresários sabem o cenário em que vão atuar."Esses mecanismos serão importantes para enfrentar eventuais ações envolvendo a crise, pois as demandas de massa podem ser atendidas pela súmula vinculante e pela repercussão geral", afirmou Mendes.A expectativa é que as empresas que fizeram operações com derivativos cambiais e perderam dinheiro nas últimas semanas sejam as primeiras a recorrer ao Judiciário. Pelo menos três grandes levas de ações são esperadas, segundo a avaliação de Ivo Teixeira Gico Júnior, do escritório Dino, Siqueira e Gico. Uma deverá ser a de ações de empresas que compraram produtos financeiros sem "disclosure" (informações adequadas sobre o risco das operações). Neste caso, as ações devem envolver de um lado as empresas, de outro, os bancos.Outro foco das ações deverá surgir de processos de acionistas minoritários contra os dirigentes de companhias que nos derivativos. E, por fim, ações contestando eventuais aquisições de bancos e empresas realizadas por meio dos planos de ajuda que o governo federal anunciou na semana passada, em particular pela Medida Provisória 443, que permitiu ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal comprarem bancos menores.Gico Júnior acredita que essas ações devem ter valores maiores que as propostas em 1999. Naquele ano, os consumidores que possuíam contratos de leasing - atrelados ao dólar - lotaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com ações em que pediram o pagamento de suas parcelas futuras pelo real. O STJ foi favorável aos consumidores e, por isso, hoje, não existem mais financiamentos de carros importados atrelados ao dólar. Por causa dessas decisões, a maioria das empresas e dos bancos pararam de fazer contratos atrelados ao câmbio com os consumidores. Mas continuaram essa prática entre si.Por isso, as ações sobre o câmbio - que, em 1999, envolviam populares - serão mais empresariais a partir de agora. "Os envolvidos serão bancos e empresas e os valores das ações certamente serão muito mais altos", previu Gico Júnior.

As comissões de conciliação prévia e o STF

O Valor Economico de 29 de outubro de 2008 traz a notícia do possivelmente julgamento por partedo STF a respeito das comissões de conciliação prévia.


STF pode julgar hoje comissões de conciliação prévia
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode decidir hoje se é obrigatório que os trabalhadores submetam suas reivindicações a comissões de conciliação prévia antes de ingressarem com ações na Justiça do Trabalho. Estão na pauta de julgamento da corte duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) - uma movida por três partidos políticos e outra pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio - que questionam a exigência feita pela Lei nº 9.958, de 2000, que instituiu as comissões. Embora a lei obrigue que qualquer demanda trabalhista seja submetida à comissão de conciliação prévia, a menos que não exista uma na localidade da controvérsia, o entendimento varia nos tribunais trabalhistas.
As comissões de conciliação prévia, que podem ser criadas no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria, surgiram com o objetivo de desafogar o Judiciário de processos e agilizar a resolução dos conflitos, tendo em vista que o prazo máximo para a tentativa de acordo é de dez dias. Segundo dados do Ministério do Trabalho e do Emprego, até hoje foram criadas 1.233 delas em todo o país. Desde o seu nascimento, as comissões começaram a ser contestadas - as Adins que tramitam no Supremo, por exemplo, datam de 2000.
O principal ponto de argumentação nas duas ações é que a exigência de tentar um acordo extrajudicial antes de pleitear uma demanda em uma vara trabalhista configuraria uma ameaça ao direito de acesso ao Judiciário do trabalhador, garantido pela Constituição Federal. "É inconstitucional obrigar o trabalhador a passar por essa etapa administrativa", diz o advogado Alberto Moreira, que representa o Partido dos Trabalhadores (PT). Para a advogada Ana Maria Ribas Magno, que defende a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio, a exigência da lei é completamente díspare, pois, ao contrário do trabalhador, o empregador não precisa provar que tentou o acordo na comissão ao se defender na Justiça. "A lei não pode estabelecer uma restrição com pesos e medidas diferentes", diz Ana.
A decisão do Supremo deve uniformizar o entendimento na Justiça do trabalho. No Tribunal Superior do Trabalho (TST) há decisões divergentes quanto à obrigatoriedade das comissões de conciliação prévia e, na primeira instância trabalhista, por vezes os processos cujas demandas não foram submetidas às comissões são extintos sem julgamento de mérito. Os tribunais regionais do trabalho (TRTs) de São Paulo e do Rio Grande do Sul se adiantaram à questão e editaram súmulas determinando que a conciliação prévia é facultativa. Segundo o desembargador Nelson Nazar, vice presidente do TRT paulista - que movimenta 25% dos processos trabalhistas de todo o país -, o objetivo de reduzir o número de processos na Justiça por meio da conciliação, na prática, não funcionou. Para Nazar, um dos motivos é que as partes não têm confiança suficiente no instituto por causa de seu histórico de mau uso.
A tentativa de combater o uso abusivo da conciliação prévia pode ser vista em diversas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho nos últimos anos - por vezes, o órgão consegue fechar as comissões. De acordo com o procurador-geral do trabalho Otávio Brito Lopes, as principais denúncias a respeito se referem a comissões que cobram pelo procedimento, que impedem que o trabalhador esteja acompanhado de seu advogado ou mesmo que realizam homologações de rescisões contratuais, quando isso só pode se feito nos sindicatos - segundo Lopes, não houve ainda redução nas denúncias. "Já passou da hora de criar uma legislação mais rígida para as comissões", diz Lopes

O olhar da nova presidência do STJ sobre esta corte

O "Valor Econômico" de 29 de outubro de 2008 traz a seguinte entrevista do Min. Cesar Asfora novo Presidente do STF

Julgamento de casos repetitivos já reduz número de ações no STJ

A seis meses de completar 20 anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passa pelo que se pode chamar de sua primeira grande reforma desde que foi criado pela Constituição Federal de 1988. Com 360 mil processos no aguardo de julgamento, 100 vezes mais do que o número de ações recebidas no seu primeiro ano de vida, a corte foi tomada, ao longo da década de 90, por ações consideradas "de massa" - disputas corriqueiras e sem relevância jurídica que surgiram com o aumento do acesso da população à Justiça. Na tentativa de voltar a exercer a função para a qual foi criado - a de uniformizar a jurisprudência brasileira em temas que não envolvem a Constituição - o STJ tenta hoje livrar-se da condição de "terceira instância" da Justiça para concentrar-se em temas considerados relevantes para a sociedade brasileira. A principal aposta para alcançar esse objetivo é a Lei nº 11.672, em vigor desde agosto deste ano e que permite que ações consideradas repetitivas pelos ministros possam ter sua tramitação suspensa no Poder Judiciário até que o STJ dê seu entendimento definitivo a respeito do tema. E a aplicação da chamada "lei dos recursos repetitivos" já surte efeitos - garante Francisco Cesar Asfor Rocha, presidente do STJ desde setembro. Aos 60 anos de idade, 37 deles dedicados ao direito, o ministro se deu a meta de tentar devolver ao STJ sua função original. Ele calcula que a escolha e julgamento de apenas dez temas repetitivos pode significar a eliminação de 120 mil recursos que tramitam no tribunal. Otimista, Asfor Rocha, em entrevista ao Valor, afirmou que o novo mecanismo pode, a longo prazo, resultar no que chama de "número ideal de processos por ministro": algo em torno de 100 a serem julgados ao ano.
Valor: Qual a importância da lei de recursos repetitivos para o STJ?
Asfor Rocha: No primeiro ano de vida o STJ recebeu cerca de 3,5 mil processos. Com o tempo passou a merecer a confiança da classe jurídica pelas atitudes que tomou ao longo do tempo - prestigiou o Código de Defesa do Consumidor, teve uma maior ponderação em relação à quantificação do dano moral, analisou questões relativas a contratos bancários e imobiliários. E com isso passou a receber processos em progressão geométrica. Ao mesmo tempo a Constituição trouxe novos direitos para a cidadania que antes não eram reconhecidos, e os que existiam não eram percebidos pelos cidadãos: o contribuinte deixou de ter medo de brigar com o fisco, o devedor com o credor, o trabalhador com o empregador. Isso fez com que o STJ fosse cada vez mais procurado, ao ponto de hoje termos 360 mil processos a serem julgados e uma imperiosa necessidade de criarmos mecanismos para dar vazão sobretudo aos recursos repetitivos. São processos de massa, só mudam o nome do autor, tudo mais é igual. Para esse processo de massa deveríamos encontrar fórmula para também dar decisões de massa. Seria impossível dar aos processos de massa decisões manufaturadas. Aí veio a lei dos recursos repetitivos: com o julgamento de dez temas, vamos eliminar cerca de 120 mil processos no STJ. E aí iremos atrás de outras dez teses.
Valor: Isso institui uma divisão de trabalho para que a disputa de massa fique na primeira instância?
Asfor Rocha: Eu sou partidário de que certos temas devem ficar na primeira instância. Mas não é essa a questão que coloco agora. Os processos chegam aqui porque é o STJ que efetivamente vai estabelecer a tese sobre o tema, que, uma vez estabelecida, deverá ser obedecida pelos tribunais.
Valor: Mas a lei dos recursos repetitivos não prevê a obrigatoriedade de as instâncias inferiores seguirem o mesmo entendimento dado pelo STJ aos casos. Ainda assim o sr. acha que ela vai evitar que os processos cheguem ao tribunal?
Asfor Rocha: Evita por várias razões. Há uma grande tendência de os tribunais de segunda instância seguirem o STJ. Pode até ter algum renitente, mas em princípio esses processos não chegarão à corte e, se chegarem, serão decididos sumariamente pela presidência do STJ. Não precisam sequer ser distribuídos para o relator se o tema já tiver um entendimento firmado.
Valor: O sr. acredita que essa lei, somada à repercussão geral - mecanismo semelhante do Supremo Tribunal Federal (STF) -, dará fim à prática dos advogados de recorrerem aos dois tribunais ao mesmo tempo, com argumentos constitucionais e infraconstitucionais?
Asfor Rocha: No caso de processos cujas teses iniciarem-se hoje não. Isso continuará a acontecer porque esses processos poderão ser os formadores das teses. Mas no caso dos processos cujas teses estão estabelecidas isto é um ato meramente inócuo, porque já se sabe previamente a decisão que o tribunal dará.
Valor: Advogados criticam justamente o fato de que, mesmo que as teses sejam iguais, os processos podem ter peculiaridades...
Asfor Rocha: Sim, mas quando se questiona um determinado dispositivo de uma lei, ele pode ser visto de várias formas. É por isso que em um mesmo colegiado, um mesmo dispositivo legal pode ter diferentes interpretações. É como se fosse um caleidoscópio: de cada ângulo que você vê, há algo diferente. O dispositivo é o mesmo, mas o argumento usado é diferente. Mas a lei dos recursos repetitivos permite o amplo debate. O tribunal, quando vai decidir um recurso repetitivo, auscuta todas as instituições necessárias. Em tese, esgota todos os argumentos que se pode ter, contra e a favor. Por isso o recurso repetitivo tem um rito processual específico. Nem todos os segmentos têm interesse em uma solução como essa. Pode o poder público querer postegar a solução de determinado tema, enquanto podem não querer o mesmo alguns segmentos da advocacia.
Valor: A lei vai apenas reduzir o número de ações ou também fortalecer a palavra do STJ?
Asfor Rocha: O que se busca hoje em todos os países do mundo é segurança jurídica. Com a globalização da economia, não existem mais empresas absolutamente nacionais. A segurança jurídica é necessária. E os dois elementos formadores da segurança jurídica são a celeridade e a previsibilidade. Os investidores precisam saber como o Judiciário de um país decide sobre determinado tema.
Valor: O sr. está falando em segurança jurídica, mas o STJ é extremamente criticado por ser um tribunal que não promove segurança jurídica. Como o sr. avalia essas críticas?
Asfor Rocha: O STJ passou por esses instantes, mas agora sua orientação está mais pacificada. Alguns anos atrás víamos advogados que levavam à tribuna precedentes recentes com orientações diferentes, às vezes até do mesmo relator. Por quê isso ocorreu? É o volume de serviço que é muito grande. Hoje não temos como nos preparar com todo o tempo que precisaríamos dispor para refletir, discutir mais alguns temas. Com isso, às vezes se toma alguma decisão que posteriormente, com novos argumentos, se perceba que se cometeu algum equívoco. E isso não é difícil de acontecer. Vamos admitir que algum tema extremamente relevante seja trazido para o tribunal e as partes não apresentem memorial. Esse é um processo a mais dentre os muitos que julgamos. Quando é espalhada essa decisão, aí se percebe que é um tema de relevância, de repercussão política, social e econômica muito grande. Aí nós somos alimentados por um mundo de informações que não tínhamos antes. Nós desconhecíamos a extensão daquela nossa decisão e, com isso, podemos modificá-la. O STJ está consciente que isso ocorreu e que somos um tribunal da pacificação da jurisprudência. Não podemos abrir mão disso. Essas vacilações geram insegurança jurídica, descredenciam muito o tribunal.
Valor: O que pode ser feito para que isso não ocorra?
Asfor Rocha: O novo instrumento dos recursos repetitivos vai servir para as questões de massa e para as ações recorrentes e pacificar o entendimento nesses casos. Há também uma consciência cada vez maior de que nós cometemos esses equívocos. Além disso, o STJ está entrando em uma fase de estabilização de sua composição, e isso vai contribuir muito. Houve um período em que o STJ mudou muita gente ao mesmo tempo.
Valor: Hoje os gabinetes dos ministros funcionam como unidades de produção em série de decisões. A médio prazo, eles mudarão também o método de trabalho?
Asfor Rocha: Os ministros vão decidir menos em termos de quantidade e mais em termos de qualidade e importância de julgamento, pois só vão ficar as questões onde há necessidade de estabelecimento de teses, de elaboração de um voto mais jurídico, com reflexões mais demoradas. É isso que nos empolga. Eu já tive orgulho de dizer que o STJ julgava 100 mil processos. Hoje tenho vergonha de dizer que julga 360 mil. Até porque não julga. Decide 360 mil processos por ano. Mas julgar não julga. É evidente, é humanamente impossível. Nós temos que priorizar o seguinte: ou julgamos refletidamente, por exemplo, três mil processos por ano, ou julgamos com o risco de sofrer críticas pela qualidade de julgamento desses 360 mil processos. É um questionamento terrível, temos que optar entre a segurança jurídica e a celeridade, dois princípios antagônicos que não se misturam. Água e azeite. Quanto mais se prestigia a segurança jurídica, mais se sacrifica a celeridade, e quanto mais se dá celeridade, mais se sacrifica a segurança jurídica.
Valor: Mas esse foi um critério que os próprios ministros adotavam para avaliar a produtividade: o volume de processos nos gabinetes...
Asfor Rocha: Por várias razões. Primeiro por uma cobrança externa, porque evidentemente nós seremos muito mais criticados se dissermos que durante o ano julgamos 35 processos, mas que cada processo refere-se a um tema relevante, do que se dissermos que julgamos seis mil processos. Qual é o ministro que tem a coragem de chegar ao fim do ano com 35 processos julgados, ainda que fossem temas relevantes? Ele iria ser massacrado, a começar pelos próprios colegas do tribunal.
Valor: O STJ voltará a ter o perfil para o qual foi criado?
Asfor Rocha: Sem dúvida. É o meu grande objetivo como presidente do STJ. Claro que não terei condições de fazer isso em dois anos, mas seguramente algumas medidas serão tomadas para que o STJ seja o tribunal meramente uniformizador da jurisprudência.
Valor: Qual é o número razoável de julgamentos por ministro?
Asfor Rocha: Seria extremamente razoável se cada ministro julgasse 100 processos relevantes por ano.
Valor: Há estimativa de quanto tempo deve levar para que haja uma redução de processos no STJ?
Asfor Rocha: A distribuição de processos do mês de setembro já foi 10% menor do que a do mês de agosto. Os processos chegaram aqui, mas como já estão escolhidos temas repetitivos, sobrestei o andamento dos recursos relacionados ao tema.
Valor: O sr. ficou pouco mais de um ano à frente da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como foi essa experiência?
Asfor Rocha: Fiquei absolutamente convencido de que foi auspiciosa a criação do CNJ. Eu mesmo tinha dúvidas quanto à necessidade de sua criação, se seria bom para a magistratura, se poderia haver interferência na atividade jurisdicional - o que seria drástico. Em um primeiro momento, o CNJ teve dois viéses de atuação: um disciplinar e outro de gestão. A primeira composição do CNJ atuou somente na questão disciplinar: acabou com o nepotismo - e acabou mesmo -, com certos exageros de penduricalhos nos vencimentos dos magistrados, alguns abusivos, que ganhavam mais do que os ministros do Supremo, deu mais racionalidade para os gastos do Judiciário com obras suntuosas e desperdícios. Já a segunda composição começou a preocupar-se mais com gestão, com a uniformização na informatização dos tribunais. Fizemos um diagnóstico sobre a Justiça estadual, pois não sabíamos com exatidão quantos processos havia em andamento no Brasil.
Valor: O que o sr. acha da Justiça brasileira após passar pelo CNJ?
Asfor Rocha: O Poder Judiciário brasileiro é um dos melhores do mundo

Estado de exceção econômico

O Prof. Farlei Martins envia o seguinte texto de Ulrich em circulação em 29 de outubro de 2009 circulando numa fonte denominada de "Tribuna". É uma versão do texto de globalização do risco postado do Le Monde neste blog.
Estado de excepción económico
¿Qué hay de bueno en esta crisis? Que el egoísmo del Estado nación tiene que
abrirse al espacio cosmopolita. Los líderes políticos nacionales compiten
ahora por ver quién ofrece el mejor plan de salvación mundial

De la noche a la mañana, el principio misionero de Occidente, el mercado
libre, que ha justificado la aversión hacia el comunismo y la distancia
filosófica respecto del actual sistema chino, se ha convertido en una
ficción. Los banqueros (banksters en el imaginario popular) reclaman con el
fanatismo del converso la estatalización de sus pérdidas. ¿Está empezando a
aplicarse la fórmula china de dirigismo estatal de la economía de mercado,
hasta ahora tan demonizada y temida en los centros anglosajones regidos por
el "todo vale"? ¿Cómo se explica el potencial destructivo de los riesgos
financieros globales?
Hay una respuesta a esta última pregunta basada en una distinción
fundamental: riesgo no significa catástrofe, sino su anticipación en el
presente. En relación con los riesgos globales, la anticipación de un estado
de excepción será gestionada sin fronteras. Este estado de excepción ya no
rige en el ámbito nacional, sino en el ámbito cosmopolita; lleva además a la
destrucción de edificios intelectuales supuestamente eternos, y crea nuevos
lazos comunes.
Aquí hay que distinguir entre dos variantes que tienen un sentido clave para
entender la teoría política de la sociedad del riesgo mundial. Por un lado,
las catástrofes cuyos efectos secundarios no son intencionados (cambio
climático, crisis financiera mundial). Por otro, las catástrofes
intencionadas, las que defiende el terrorismo suicida, operativo a nivel
transnacional. Podríamos decir que Carl Schmitt fue el primero en
reflexionar sobre el potencial político que posee el estado de excepción
cuando éste es inducido por los riesgos globales. Sin embargo, en su teoría
sobre la soberanía Schmitt vincula el estado de excepción exclusivamente al
Estado nacional. Pero el signo distintivo más destacado de los riesgos
globales (economía mundial, cambio climático, terrorismo) quizá sea que, al
disolver las fronteras, el estado de excepción sustituye la delimitación
propia del Estado nación.
Las fronteras del estado de excepción se disuelven al iniciarse un nuevo
capítulo de la política interior mundial. Esto podemos apreciarlo en la
carrera que ahora están disputando los Gobiernos por ofrecer el mejor plan
de salvación mundial, a cuyo vencedor le espera la resurrección política a
la manera del fénix renacido de sus cenizas (tomemos el ejemplo del primer
ministro británico Gordon Brown) tanto en el ámbito nacional como
internacional.
Se inicia en las aparentemente sólidas reglas de la política internacional
un juego de fuerzas cambiante, asentado en algún lugar a medio camino entre
la política de casino y la ruleta rusa, y en el que las competencias y las
fronteras serán gestionadas de otro modo. Y no sólo aquellas que separan las
esferas nacionales de las internacionales, sino también aquellas que separan
la economía global de las de los Estados, así como también las de las
potencias económicas emergentes como China, Suramérica y la India, por un
lado, y Estados Unidos y la Unión Europea, por el otro.
Ningún jugador o adversario puede ganar en solitario, ya que todo depende de
las alianzas. De la misma manera que un Gobierno no puede combatir él solo
ni el terrorismo global ni el cambio climático, tampoco puede arreglárselas
él solo con las consecuencias de la catástrofe financiera que nos amenaza. Y
al revés, el político de ámbito nacional (por ejemplo Glos, el ministro de
Economía alemán) que busca una explicación al colapso económico que nos
amenaza dentro del perímetro vallado de la nación, actúa como un borracho
que en una noche oscura pretende encontrar su billetera perdida con la luz
de una farola. A la pregunta de si realmente ha perdido su billetera en
aquel lugar, él responde que no, pero que al menos puede buscarla con la luz
de la farola.
El estado de excepción ha disuelto sus fronteras espaciales porque las
consecuencias que acarrean los riesgos financieros en el mundo
interdependiente de hoy se han hecho imposibles de calcular y tampoco pueden
compensarse. El espacio de seguridad del Estado nación de la primera
modernidad no excluía los perjuicios. Pero éstos eran compensados, ya que
sus efectos destructivos podían anularse con dinero, y otros medios. Ahora
bien, una vez que se ha quebrado el sistema financiero mundial, que el clima
ha cambiado irremisiblemente y que grupos terroristas poseen armas de
destrucción masiva, ya es demasiado tarde. Ante este salto cualitativo en la
amenaza a la humanidad, la lógica de la compensación pierde su validez y es
sustituida (como lo argumenta François Ewald) por el principio de la
previsión mediante la prevención.
La imposibilidad de calcular los riesgos financieros es producto de una
destacada incapacidad de conocer. Pero al mismo tiempo, el conocimiento, el
control y la seguridad que el Estado reclama tienen que ser renovados,
profundizados y ampliados. De ahí que sea una ironía (para decirlo
suavemente) que se controle algo que nadie puede saber qué es y cómo se
desarrolla, o qué efectos realmente manifestará la terapia millonaria que ha
recetado la política ante el vértigo de los ceros. ¿Pero por qué allí donde
fracasa una economía equilibrada el Estado tiene que convertirse en
decisivo, como es el caso? Hay una respuesta concluyente de tipo
sociológico: porque la promesa de seguridad es el primado del Estado
moderno, que con la ignorancia no es neutralizado, sino al contrario,
activado.
La disolución de las fronteras temporales del estado de excepción se define
también por la imposibilidad de calcular su peligro. Todos tenemos la
esperanza de que con la reacción en cadena que podemos apreciar ahora, la
espiral haya tocado fondo... si es que no sigue empeorando. Visto así, los
créditos tóxicos del sistema financiero mundial causan un efecto parecido al
del peligro de avalancha cuando nieva sin cesar: sabemos que existe el
peligro, pero no sabemos exactamente cuándo y dónde se producirá el
hundimiento.
El peligro percibido que amenaza con precipitarnos a todos en el abismo
genera a la vez una dinámica de aceleración del efecto neutralizador y, con
ello, una presión por llegar al consenso que puede cortocircuitar el abismo
entre el consenso obligado y la toma de decisiones políticas. Con la
consecuencia de que lo que es del todo impensable en el espacio político
nacional se hará realizable justamente en el de la política interior
mundial. A pesar de que los intereses de todos los Estados chocan
dramáticamente como es sabido, pueden aplicarse buenas decisiones
político-financieras bajo el dictado de una especie de urgencia por crear un
gran impacto. ¿Por qué? Precisamente por la anticipación de la catástrofe en
el presente, eso es, mediante la globalidad de la percepción del riesgo,
alimentada e ilustrada por los medios de comunicación de masas. El poder
histórico de la percepción de los peligros globales se paga, sin embargo, a
un precio elevado, ya que actúa a corto plazo. Puesto que todo depende de su
percepción mediática, la fuerza legitimadora de la acción política mundial
ante los peligros globales sólo alcanza hasta allí donde los medios de
comunicación fijan su atención.
Lo que supone un choque antropológico para los nativos de la sociedad del
riesgo mundial no es ya la indigencia metafísica de un Beckett, ni la
ausencia de Godot, ni la horrible visión de la vigilancia de un Foucault, ni
tampoco el mudo despotismo de la racionalidad que alarmaba a Max Weber. Lo
que angustia al ser humano contemporáneo es el presentimiento de que el
tejido de nuestras necesidades materiales y nuestras obligaciones morales
pueda rasgarse y de que se hunda el sensible sistema operativo de la
sociedad del riesgo mundial. Así que todo está dentro de nuestra cabeza. Lo
que para Weber, Adorno y Foucault era el horror (la racionalidad perfecta
controlando el mundo administrado) es una promesa para las víctimas
potenciales de los riesgos financieros (en realidad, todo el mundo). Ojalá
que la racionalidad controladora pudiera realmente controlar.
¿Qué hay de bueno en lo peor? Que por su propio bien el egoísmo del Estado
nación tiene que abrirse al espacio cosmopolita. Pero ésta es una de las
muchas posibilidades que supone el estudio de la anticipación de catástrofes
paradigmáticas. Otra posibilidad es que éstas no ocurran.

Eleições americanas e a Suprema Corte


O resultado das eleições norte-americanas pode influenciar o equilíbrio da Suprema Corte. Reportagem do jornal O Globo de 29.10.2008 aponta que se Barack Obama for o vencedor a Suprema Corte se tornará mais progressista e diversificada. Na lista de Obama destaca-se o nome de Cass Sustein, um dos principais conselheiros da campanha. Se o eleito for John McCain, o perfil da Corte será mais conservador com juízes de direita refratários à mutação constitucional.


Em jogo, o equilíbrio da Suprema Corte Eleições devem mudar a composição de forças no órgão, hoje dividido entre democratas e republicanos

José Meirelles Passos
Correspondente

WASHINGTON. A primeira alteração a ser feita pelo presidente que for eleito na próxima terça-feira poderá mudar, para um lado ou para o outro, o equilíbrio de forças na Suprema Corte dos EUA. Cinco de seus nove juízes, cujos cargos são vitalícios, têm 70 anos ou mais. E a perspectiva, segundo analistas, é a de que sejam abertas três vagas — por problemas de saúde ou pedido de aposentadoria — ao longo do primeiro mandato do novo presidente.

A primeira troca poderá fazer a Suprema Corte mudar de inclinação porque quatro dos atuais juízes são da ala conservadora (dois deles nomeados pelo presidente George W. Bush), e os outros quatro são da progressista.

O fiel da balança tem sido Anthony Kennedy, 72 anos.

Apontado por Ronald Regan, em 1988, ele é conservador, mas, às vezes, forma maioria com os progressistas, como recentemente, quando o tribunal permitiu que estrangeiros detidos na base de Guantánamo apresentassem recursos a tribunais federais.

Se as urnas confirmarem o que vêm mostrando ultimamente as pesquisas de opinião sobre intenções de voto, Barack Obama será o vencedor. E, com ele na Casa Branca, a Suprema Corte seguramente se tornará mais progressista.

Além disso, ela deverá se tornar mais diversificada. Obama já antecipou que adotaria isso como um dos critérios principais quando chegar a hora de apontar novos juízes. Segundo assessores dele, a tendência mais fote seria a de nomear uma mulher, ou mais que uma, para que a composição da Corte seja mais proporcional à parcela feminina da população americana.

Hoje, apenas um dos nove juízes é mulher: Ruth Bader Ginsburd, de 75 anos, nomeada pelo presidente Bill Clinton em 1993. Obama tem uma lista de cinco candidatos às vagas que surgirem, três mulheres.

Tanto Obama quanto Joe Biden, vice na chapa presidencial, pretendem participar diretamente da escolha de novos juízes para a Suprema Corte. Obama, que é advogado, lecionou Direito durante 12 anos na Universidade de Chicago.

Biden, também advogado, há oito anos faz parte do Comitê Judiciário do Senado, que sabatina os nomeados.

— Obama é um especialista em lei constitucional. E há muito tempo não vemos alguém na Casa Branca com um conhecimento tão profundo de leis quanto ele — disse Cass Sunstein, de Harvard, um dos principais conselheiros da campanha de Obama e que está na lista de candidatos à Suprema Corte.

Por sua vez, John McCain já garantiu à ala conservadora do Partido Republicano que, se eleito, vai indicar juízes de direita “imunes à bajulação e a teorias da moda”. Trata-se de uma clara referência à posição de Obama, para quem a Suprema Corte deveria ter uma leitura mais moderna da Constituição.

Em seu livro “The Audacity of Hope” (A Audácia da Esperança, de 2006) ele dedicou um capítulo todo à Constituição. Nele, Obama diz que a Constituição “não é um documento estático, mas vivo”.

— McCain está muito comprometido com a noção de que os juízes têm que interpretar a Constituição e não tentar reescrevêla. Isso seria algo fora da lei — afirmou Theodore Olson, ex-procurador geral da República (2001 a 2004), e presidente da equipe de advogados da campanha republicana.

O próprio McCain tem dito que, eleito, escolheria juízes “que sabem a diferença entre o que está em sua própria cabeça e o que está na lei”. Sua lista tem seis nomes, todos conservadores, sendo três mulheres.

— Quero juízes que interpretem a lei, e não que fiquem legislando desde a tribuna — diz.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A OAB e a repercussão geral

O jornal Valor Econõmico de 27 de outubro de 2008 estampa a informação sobre a movimentação do Conselho Federal da OAB para que se estabeleçam critérios claros sobre o instituto da repercussão geral.
Desde a semana passada, uma comissão formada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - com representantes de aproximadamente 40 escritórios de advocacia - e representantes do Supremo Tribunal Federal (STF) trabalha para estabelecer uma regulamentação para a repercussão geral. A idéia é elaborar uma espécie de manual de procedimentos para o mecanismo, que funciona como um filtro aos recursos extraordinários encaminhados à corte

Criada pela Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu a reforma do Judiciário em 2004, e regulamentada pela Lei nº 11.418, de 2006, a repercussão geral permitiu que o Supremo só julgue os recursos que os ministros considerem ter relevância econômica, política, social ou jurídica, e não apenas o recurso que apresente argumentos constitucionais.

Uma das principais reclamações da OAB é justamente quanto aos critérios que definem quais temas terão repercussão. Para a entidade, eles seriam muito vagos. De acordo com o advogado, Luis Alberto Bettiol, da banca Advocacia Bettiol e membro da comissão, um dos pontos a ser esclarecido no "manual de procedimentos" é como os tribunais irão informar aos advogados quais temas estão suspensos em razão de recursos encaminhados ao Supremo. "Não há uma legislação que entre nesses pormenores", afirma Bettiol.

Nos últimos meses, as bancas têm questionado a negativa pelo Supremo a alguns recursos que, segundo advogados, deveriam ser considerados de grande relevância. Em setembro, por exemplo, a corte decidiu não julgar a disputa contra a cobrança de contribuição ao Incra, incidente em 0,2% sobre a folha de pagamento das empresas urbanas. De acordo com o conselheiro federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, outros temas que não tiveram a repercussão considerada pelo Supremo foram a aplicação de multa por descumprimento de ordem judicial, a prescrição para o trabalhador rural pleitear direitos trabalhistas e a estipulação de um valor para indenizações por danos morais.

Já o advogado Luiz Eduardo de Castilho Girotto, do escritório Velloza Girotto e Lindenbojm Advogados Associados, afirma que teve um recurso negado no Supremo - no caso, o alargamento da base de cálculo da Cofins - somente porque não explicitou que a repercussão já havia sido dada a essa matéria.

O Brasil e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Folha de São Paulo de 27 de outubro traz a seguinte noticia a respeito da Comissão Intermericana de Direitos Humanos em relação ao Brasil como o primeiro passa para a resposabilização do nosso Estado.




Brasil dá explicações sobre sua Lei de Anistia à OEA
Órgão pede que país elucide como interpreta a lei O governo brasileiro vai explicar hoje na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington, a Lei de Anistia, considerada um marco quando instituída em 1979, mas que atualmente se transformou em causa de discórdia entre diferentes setores da administração federal.O Brasil foi notificado a dar explicações sobre a lei, seus reflexos e conseqüências, no final do mês passado. O país vai mostrar ainda a situação dos processos em trâmite na Justiça brasileira e apresentar o trabalho da Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça.O pedido foi motivado pela organização não-governamental Cejil (sigla em inglês para Centro pela Justiça e o Direito Internacional), que afirma que o Brasil interpreta "equivocadamente" a lei, pois permitiu a anistia de quem torturou durante o regime militar (1964-1985). Para a Cejil, isso fere a jurisprudência de cortes internacionais, além de a tortura ser considerada um crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível.Mas o que deve prejudicar o país em sua defesa, segundo a comitiva brasileira, é o recente parecer da AGU (Advocacia Geral da União) que considera perdoados os crimes de tortura.O órgão que defende a União entendeu que, como a Lei de Anistia é anterior à Constituição, os efeitos do artigo constitucional que veda anistia a torturadores não valeria para crimes cometidos no período.O parecer da AGU foi anexado ao processo aberto na Justiça de São Paulo, a pedido do Ministério Público, que pede a responsabilização dos militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel por desaparecimento, morte e tortura de 64 pessoas. Eles comandaram o DOI-Codi, em São Paulo, na década de 1970. Há ainda o pedido para dar publicidade a documentos do período, o que também foi considerado "improcedente".A audiência de hoje na sede da OEA não resultará em condenação do Brasil -mas pode ser um primeiro passo para isso. O país é signatário de convenção que reconhece a corte como uma instância para a resolução de conflitos com poder de influenciar até no ordenamento jurídico -só com essa mudança seria juridicamente viável a responsabilização de quem cometeu delitos durante a ditadura.

domingo, 26 de outubro de 2008

O perfil do juiz Balthazar Garzón

O perfil do juiz Baltazar Garzón está publicado no jornal El Pais de 25 de outubro de 2008. É importante a sua leitura em razão da reação do seu despacho a favor de sua competência de julgar os crimes contra os direitos humanos praticados pela ditudura franquista (1939-1975).

http://www.elpais.com/articulo/reportajes/Historia/juez/descansa/elpepusocdmg/20081026elpdmgrep_4/Tes

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Globalização dos riscos

Prof. Farlei Martins, doutorando de direito do Programa de Pós-Graduação em direito da Puc-rio, e o monitor da disciplina de Teorias do Estado da Univ. Federal Fluminense(UFF) enviam-nos o seguinte texto elaborado por Ulrich Beck publicado pelo Le Monde em 24 de outubro de 2008 sobre a globalização dos riscos, abordando o estado de exceção de Carl Schmitt, a prevalência de estados francos e o perfil da crise financeira

Le Monde Opinion: Penser la société du risque global
par Ulrich Beck
Du jour au lendemain, l'économie de marché, principe dont l'Occident s'est
fait le missionnaire, et qui a entraîné une aversion pour le communisme,
ainsi qu'une mise à distance critique du système chinois actuel, est devenue
fiction. C'est avec le zèle des néophytes que les banquiers (devenus des
"banksters" dans l'opinion publique) exigent la nationalisation de leurs
pertes. Le modèle chinois d'économie socialiste de marché, jusqu'ici raillé,
diabolisé mais aussi redouté, est-il en train de faire irruption dans les
cercles anglo-saxons du "laisser-faire" ? Comment la globalisation des
risques financiers peut-elle provoquer un tel bouleversement de la politique
mondiale ?
La distinction suivante, fondamentale, nous livre une réponse à cette
question : le risque ne signifie pas catastrophe, mais perception de la
catastrophe future dans le présent. La généralisation des risques
(variations climatiques, crise financière, terrorisme) instaure un état
d'urgence illimité, qui transcende la sphère nationale pour devenir
universel.
Au premier abord, l'on pourrait penser que le philosophe Carl Schmitt
(1888-1985) avait prévu le potentiel politique que recèle l'état d'urgence
instauré par la globalisation des risques. Or, dans sa théorie de la
souveraineté, Carl Schmitt pense l'état d'urgence dans les limites de l'Etat
nation. Le signe le plus visible de la globalisation des risques est
peut-être l'instauration d'une situation exceptionnelle qui abolit les
frontières entre les Etats nations, et brouille les repères sociaux,
spatiaux et temporels. Sur le plan de la socialisation, l'état d'urgence
transcende les frontières, dans la mesure où le nouveau chapitre financier
qui s'ouvre relève de la "politique intérieure mondiale". On le voit dans la
bataille que se livrent les gouvernements pour trouver le meilleur plan de
sauvetage (voir l'exemple du premier ministre Gordon Brown). Un jeu de
pouvoir, relevant à la fois du coup de poker et de la roulette russe, vient
transformer les règles d'une politique internationale apparemment révolue.
Aucun joueur isolé ne peut sortir son épingle du jeu, car tout repose sur
les alliances qu'il contracte. A lui seul, un gouvernement ne peut combattre
ni le terrorisme global, ni le dérèglement climatique, ni parer la menace
d'une catastrophe financière. Lorsqu'il cherche une réponse à l'effondrement
programmé de l'économie mondiale dans les limites étriquées de l'espace
national, un politicien comme Michael Glos (ministre allemand de l'économie)
ressemble à un ivrogne, qui, en pleine nuit, tente de retrouver son
porte-monnaie à la lumière d'une lanterne. Quand on lui demande : "Est-ce
vraiment ici que vous avez perdu votre porte-monnaie ?", ce dernier répond :
"Non, mais la lumière de cette lanterne me permet au moins de continuer à
chercher !"
En d'autres termes : la globalisation des risques financiers pourrait aussi
engendrer des "Etats faibles" - même dans les pays occidentaux. La structure
étatique qui émergerait de ce contexte aurait pour caractéristiques
l'impuissance et l'autoritarisme postdémocratique.
L'état d'urgence abolit les zones de protection, car l'impact des risques
financiers dans un monde d'extrême interdépendance est devenu imprévisible
et impossible à compenser. L'espace sécurisé des premiers Etats nations de
l'ère moderne n'était pas à l'abri des dommages. Toutefois, ceux-ci étaient
réparables : les dégâts qu'ils causaient étaient indemnisables. Une fois que
le système financier mondial s'est effondré, que le climat s'est déréglé de
manière définitive, que les groupes terroristes disposent déjà d'armes de
destruction massive, alors il est trop tard. Au regard de cette nouvelle
forme de menace pour l'humanité, la logique de réparation n'est plus
valable. Dans ce contexte, tout jugement rationnel et fondé sur l'expérience
est banni !
Le caractère imprévisible des risques financiers est le corollaire de
l'absence de savoir. Dans un même temps, les exigences de l'Etat en matière
de connaissance, de contrôle et de sécurité doivent pourtant être
renouvelées, approfondies et étendues. De là résulte toute l'ironie (pour
employer un euphémisme) de la situation : l'on prétend contrôler quelque
chose, dont personne ne peut connaître ni la nature, ni l'évolution, et l'on
ignore quels seront les effets bénéfiques ou secondaires des milliards
prescrits en guise de thérapie par les politiques, dans l'ivresse des
chiffres. Pourquoi est-ce à l'Etat d'intervenir, lorsque l'économie refuse
de fonctionner ? A cela il y a une réponse-clé, d'ordre sociologique : c'est
sur la promesse de sécurité que l'Etat moderne assoit sa suprématie.
Que se passe-t-il lorsque cette promesse démesurée n'est pas tenue ? La
réponse est réaliste et cynique à la fois : l'impuissance de l'action
politique accroît le danger, et par là la détresse. Avec une conséquence
paradoxale : la détresse blanchit les erreurs politiques en même temps
qu'elle crée les conditions de leur apparition. Plus les fautes accentuent
la détresse des gens, plus elles sont pardonnées.
Le caractère imprévisible du danger crée un état d'urgence qui n'est plus
limité dans le temps. De ce point de vue, les crédits "toxiques" du système
financier mondial ressemblent un peu au danger d'avalanche lorsque la neige
ne cesse de tomber : on sait que le risque existe, mais on ne sait pas avec
exactitude quand et où se produira l'effondrement.
En même temps, la perception de ce danger qui menace de nous entraîner tous
au fond du gouffre crée une dynamique, une accélération de l'action, et par
là une nécessité consensuelle qui vient court-circuiter la prise de décision
politique. La conséquence : ce qui paraît impensable au sein de l'espace
politique national devient possible, précisément, à l'échelle mondiale. Des
engagements d'ordre financier et politique parviennent à être pris au niveau
mondial, dans une précipitation proche de l'électrochoc.
Pourquoi ? Parce que la catastrophe est anticipée, et le risque universel
amplifié par les images véhiculées par les médias. Le pouvoir sans précédent
de la perception du danger universel est toutefois cher payé, car il n'est
que de courte durée : la légitimité de l'action "cosmopolitique" face aux
risques globaux dépend des médias, et ne se maintient que par l'attention
qu'ils portent à ces dangers.
Dans la société du risque global, ni l'errance métaphysique du Godot de
Beckett, ni la vision horrifiée des mécanismes de contrôle de Foucault, ni
même la tyrannie silencieuse du processus de rationalisation qui terrifiait
Weber, ne suscitent un choc anthropologique. Ce qui nous effraie, c'est
l'idée que la toile de nos dépendances matérielles et de nos devoirs moraux
pourrait se déchirer, et que le système sensible de la société mondiale du
risque pourrait s'effondrer. C'est le monde à l'envers. Ce qui était un
tableau effroyable pour Weber, Adorno et Foucault (la perfection du contrôle
rationnel qui régissait le monde) est pour la victime potentielle des
risques financiers (c'est-à-dire pour tout le monde) une promesse : ah !, si
le contrôle rationnel régnait en maître ! Si nos pires maux étaient la
consommation et l'humanisme ! Si le système pouvait venir lui-même à bout de
ses dérèglements, ! Comme ce serait merveilleux !
Quel est l'effet positif de ces effets pervers ? Que les Etats nations
égoïstes doivent s'ouvrir d'eux-mêmes au monde. Il s'agit toutefois d'une
possibilité parmi bien d'autres, qui implique d'avoir tiré des leçons de
l'anticipation de catastrophes. Une autre possibilité serait qu'elles
n'aient pas lieu.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A privacidade genética e a sociedade de risco

A "Folha de São Paulo" de 22 de outubro de 2008 traz essa importante notícia para compreender a sociedade de risco. Os Estados Unidos já têm uma legislação protegendo a privacidade genética. Vejam no blog www.supremoemdebate.blogspot.com a aula de Delmas Marty do que é "desumano" no século XXI.

Harvard publica genoma pessoal de pesquisadores
Nove cientistas terão seus DNAs abertos na internet DA ASSOCIATED PRESS
Um grupo de pesquisadores voluntários de um estudo sobre genômica afirmou anteontem que vai publicar na internet os seus históricos médicos e as seqüências de alguns dos seus genes -tudo em nome da ciência.Nove dos dez cientistas que forneceram seus dados ao geneticista George Church, da Escola Médica de Harvard, de Boston (EUA), disseram que tornarão seus dados públicos para ajudar a pesquisa médica. Entre eles estão Steven Pinker, professor de psicologia de Harvard, e John Halamka, chefe de comunicações da universidade. Até agora, apenas cerca de 20% do DNA dos voluntários foi seqüenciado, mas a idéia é fazer o trabalho por completo.A iniciativa é a primeira fase do Projeto Genoma Pessoal, que busca tornar o seqüenciamento de DNAs individuais mais barato e acessível. O objetivo do programa é criar recursos para pesquisadores que investigam a base genética de doenças e de características do organismo. Church já tem permissão do comitê de bioética de Harvard para seqüenciar e publicar os genes e registros médicos de 100 mil voluntários.Anteontem, os primeiros participantes receberam seus dados. Após lerem suas informações com a ajuda de médicos, eles optaram por publicá-los no site do projeto (www.personalgenomes.org).Halamka diz que seu DNA indica propensão a contrair várias doenças, incluindo câncer de próstata e um transtorno neurológico que causa fraqueza e dormência nas pernas. Segundo ele, a consciência do risco pode ajudar ele e seus familiares a se prevenirem."Há grande vantagem para cada um em saber qual é sua seqüência, mas também é inconcebível para mim que uma privacidade genética absoluta seja mantida", diz Stanley Lapidus, diretor da empresa de biotecnologia Helicos. Ele é um dos voluntários de Church, que também abriu seus dados.A privacidade genética já é uma preocupação pública nos EUA, onde o legislativo aprovou em maio uma lei que torna crime a discriminação de pessoas com base em seu DNA.Além dos voluntários do projeto de Harvard, dois outros cientistas já publicaram suas informações genéticas: James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA, e Craig Venter, ex-presidente da empresa de biotecnologia Celera.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos aciona o Brasil

O "site" do Conselho Federal da OAB dispõe a seguinte informação sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos:
http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=14951

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O STF como legislador positivo

A publicação eletrônica "Consultor Jurídico" de 21 de outubro de 2008 traz o seguinte resumo do debate sobre a súmula vinculante.
Súmula Vinculante pode tornar STF um legislador positivo
“O Congresso Nacional deu um cheque em branco ao Supremo Tribunal Federal quando aprovou a Lei de Súmulas Vinculantes”, de acordo com o advogado constitucionalista Alexandre de Moraes. Segundo ele, a Súmula Vinculante é um dos últimos instrumentos necessários para concentrar o controle de constitucionalidade no Supremo. “A corte pode suspender a vigência da lei e torná-la nula, sem qualquer interferência de outro poder”, alertou, ao explicar que o STF pode editar súmula logo depois de decisões em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Durante o Seminário Internacional de Direito Constitucional, organizado pelo Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), o advogado disse que é preciso tomar cuidado com exageros, já que todo o Judiciário e também a administração pública terão de seguir o entendimento firmado pela corte. Caso contrário, a Súmula Vinculante será fator de insegurança jurídica e pode fazer com que o Supremo passe do patamar de legislador negativo para legislador positivo.
Alterar um enunciado aprovado, diz Alexandre de Moraes, é complicado porque apenas os próprios ministros do Supremo têm poder para isso. Além do que, são necessários oito votos dos 11 integrantes. O advogado, ex-secretário de Justiça de São paulo e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça que hoje ocupa a Secretaria de Transporte do município de São Paulo, sustenta que o STF não pode, em hipótese nenhuma, deixar de observar precedentes na hora de editar os verbetes e se certificar de que ele seja exeqüível.
Ele critica o que entende como “textos muito genéricos” e que alguns foram editados sem que haja precedentes que tratem exatamente do mesmo tema tratado na súmula. “Vamos canalizar energias para que a edição de Súmulas Vinculantes seja razoável. Ou então teremos um legislador sem controle”, declarou.
Controle concentrado
A Constituição de 1988 fez uma clara opção pelo controle concentrado da constitucionalidade ao ampliar o leque a legitimidade para proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, na análise do constitucionalista. Em 1999, reforçou essa escolha ao dar eficácia contra todos (erga omnes) e estabelecer efeito vinculante nas decisões em ADIs e ADCs em relação aos órgãos do Judiciário e à administração pública.
O controle difuso de constitucionalidade mostrou que não é eficaz, segundo ele, por não ser vinculante e, por enquanto, só valer para as partes envolvidas no processo analisado. O advogado entende que esse sistema é desigual “na distribuição dos direitos constitucionais”. Alexandre de Moraes afirma que, hoje, apenas 20% das pessoas têm acesso ao Judiciário. Destas, 2% chegam ao Supremo. E quando o fator acesso se liga ao fator lentidão o problema cresce.
Está em discussão no Supremo se o controle difuso, por exemplo em Habeas Corpus, tem validade para todos os casos ou só para as partes. O Plenário vai decidir a validade do inciso X do artigo 52 da Constituição Federal, que confere ao Senado o poder exclusivo de suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo. Até o pedido de vista apresentado pelo ministro Ricardo Lewandowski, em abril de 2007, quatro ministros haviam votado e o placar estava empatado.
Os ministros Gilmar Mendes e Eros Grau entendem que vale para todos, independentemente de manifestação do Senado. O Senado não pode “restringir ou ampliar a extensão do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal”, disse Gilmar Mendes. “A decisão do Senado é ato secundário ao do Supremo”, complementou Eros Grau.
Sepúlveda Pertence (aposentado) e Joaquim Barbosa concluíram que só as partes podem se beneficiar da declaração difusa de inconstitucionalidade. Para ter eficácia geral, depende de resolução do Senado. Segundo Pertence, não pode ser reduzida a uma “posição subalterna de órgão de publicidade de decisões do STF” uma prerrogativa à qual o Congresso Nacional se reservou. Durante a sessão, argumentou que o ideal seria o Supremo usar Súmula Vinculante para fazer a sua decisão ter eficácia geral.
ADI em Portugal
O advogado Carlos Bianco de Morais, assessor para assuntos constitucionais da presidência de Portugal, também participou do seminário onde disse que as Súmulas Vinculantes poderiam fazer o sistema de controle de constitucionalidade português funcionar melhor.
Lá, as decisões da Suprema Corte só valem para o caso concreto. Quando há mais de três decisões iguais, o Ministério Público deve entrar com uma ADI para que o tribunal pacifique a questão. No entanto, segundo o advogado, o MP não tem cumprido o seu papel e a administração pública continua aplicando a lei ou o dispositivo considerado inconstitucional.
Se o MP estivesse requerendo a unificação do entendimento, a decisão valeria para todos os órgãos do Judiciário e para a administração pública. No entanto, como o efeito não é vinculante, as decisões continuam a ser descumpridas.
“O sistema português é conservador. O tribunal emite a decisão final para unificar a jurisprudência, mas que soam apenas como recomendação, porque não são vinculantes.”
Para ele, a Súmula Vinculante é um poderoso instrumento de unificação de entendimento, o que permite, minimamente, que o cidadão saiba o desfecho de seu processo. “Garantir a segurança jurídica é pensar nas pessoas”, disse

As dificuldades da justiça retributiva na Espanha

A Folha de São Paulo de 21 de outubro de 2008 traz a seguinte notícia a respeito da justiça retributiva na Espanha:
Procuradoria espanhola contesta Garzón
Procuradores afirmam que os crimes da ditadura de Franco prescreveram em 1977, com a Lei da Anistia
A Procuradoria espanhola entrou ontem na Corte Suprema para bloquear as investigações sobre a responsabilidade criminal do franquismo na morte ou desaparecimento de 114 mil civis, entre 1936 e 1975.Argumenta que os crimes prescreveram com a Lei da Anistia, votada em 1977 para superar as feridas abertas pela Guerra Civil (1936-1939).Na última quinta, o juiz Baltazar Garzón declarou-se competente para investigar e indiciar sobreviventes da rebelião franquista, em 1936, contra o regime republicano.O jornal "El País", apesar de próximo da esquerda, qualifica a decisão da Procuradoria de "um duro golpe" contra Garzón e cita o procurador Javier Zaragoza, que acusa o juiz de ter criado "uma espécie de inquisição incompatível com os princípios do Estado de Direito".A BBC qualifica Garzón de "uma genuína estrela política". Ele já processou o ETA, grupo separatista basco, a Al Qaeda e sobretudo o ditador chileno Augusto Pinochet.Para o juiz, o ditador Francisco Franco (1892-1975) e 34 adjuntos colocaram em prática um plano que até 1951 exterminou lideranças esquerdistas, em operação que qualificou de imprescritível "genocídio".No entanto, diz ainda a BBC, durante a Guerra Civil atos de atrocidades foram cometidos pelos dois lados. Cita o historiador britânico Paul Preston, para quem 55 mil civis partidários de Franco foram exterminados pelos republicanos.A Corte Suprema espanhola tem dois meses para decidir se acata ou rejeita o argumento da Procuradoria. Enquanto isso, Garzón poderá prosseguir.Ele tinha de início dois objetivos menos controvertidos: saber o número exato de vítimas do franquismo e localizar ossadas em valas comuns. Para tanto, argumentam especialistas, bastaria evocar a Lei da Memória Histórica, votada no ano passado pelo Parlamento.Para recriminalizar os desaparecimentos, o juiz argumenta que os franquistas praticaram "a detenção ilegal, sem informar o destino" das vítimas.Um ex-ministro da ditadura, Manuel Fraga, disse que Garzón "não tem a capacidade moral ou mental de julgar quem quer que seja".

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Chile e a justiça retributiva

A Folha de São Paulo de 16 de outubro de 2008 publica a seguinte notícia sobre a justiça retributiva no Chile.
Chile condena oficiais da "Caravana da Morte"A Corte Suprema do Chile condenou nesta quarta-feira (15) cinco oficiais das ForçasArmadas a penas de quatro a cinco anos de prisão por terem participado da chamada"Caravana da Morte", que executou sumariamente em 1973, em diferentes pontos dopaís, cerca de 120 opositores à ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).O principal sentenciado foi o general Sérgio Arellano Stark, que comandou o grupo deseis militares que percorreu o Chile num helicóptero Puma. A aeronave aterrissavapara a execução de dissidentes que acabavam de ser presos.A operação, destinada a aterrorizar os partidários do deposto presidente socialistaSalvador Allende, consistia em matar os prisioneiros com armas brancas ou armas defogo de baixo calibre, enterrando-os em valas comuns que não eram a seguiridentificadas.O mais bárbaro episódio ocorreu em Calama, ao norte do Chile, onde 26 prisioneirosforam retirados de uma prisão ao acaso. Depois de mortos, foram sepultados nasareias do deserto próximo.O caso foi investigado judicialmente nos anos 90 pelo juiz chileno Guzmán Tapia, queem 1999 determinou a prisão dos oficiais ontem julgados em última instância.Prisão de PinochetFoi em razão da "Caravana da Morte" que o ditador Pinochet, morto em 2006, foicondenado à prisão domiciliar, em seu único processo por violação dos direitoshumanos. A sentença foi em seguida suspensa pela Corte Suprema, em razão do estadode saúde do militar. A ditadura matou ao todo cerca de 3.000 dissidentes e torturououtros 28 mil.O advogado do general Stark qualificou a sentença "de profundamente injusta para comum homem de 88 anos". Familiares das vítimas, no entanto, qualificaram a decisãojudicial de "uma boa notícia" em memória dos prisioneiros mortos.

OAB, ADPF e anistia

Dr. Marcelo Torelly, Assessor da Presidência da Comissão de Anistia do Ministerío da Justiça, envia para a nossa reflexão o que se segue:
OAB entrará no STF contra crimes de tortura praticados na ditadura
Brasília, 19/10/2008 - Uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
inédita preparada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai forçar o Supremo
Tribunal Federal (STF) a decidir se crimes comuns praticados por militares e
policiais durante a ditadura estão cobertos pela lei de anistia. O presidente da
entidade, Cezar Britto, sustenta que a lei de 1979 não isenta militares envolvidos
em crimes e deixa em aberto a possibilidade de nova interpretação que permita ao
Brasil rever ações praticadas por agentes do Estado. Não podemos ficar com medo -
diz o presidente nacional da OAB.
Ele acha que a verdade histórica não pode ser substituída pelas indenizações a
familiares e cobra do Estado o esclarecimento do que houve nos anos de chumbo. No
início da semana Britto vai protocolar uma ADPF, transferindo ao STF a
responsabilidade pela decisão. Anistia não é amnésia. O STF terá de dar uma resposta
- diz.
Para contestar a alegação de que esses delitos estão prescritos - pela lei
brasileira o tempo máximo é de 30 anos - a OAB vai invocar os tratados
internacionais assinados pelo Brasil, que consideram a tortura um crime de lesa
humanidade e, portanto, imprescritível. Britto diz que a anistia foi elaborada sobre
"base falsa" para permitir a impunidade a quem torturou. Segundo ele se o período
militar não for passado a limpo, os erros cometidos podem se repetir: É preciso
abrir os arquivos e contar nas escolas a verdade - diz.

domingo, 19 de outubro de 2008

Contribuindo para o dialógo com Rosanvallon: o pensamento de Eisgruber

Neste espaço eletrônico, estamos postando os estudiosos com os quais Rosanvallon dialoga. O Prof. Alceu Maurício Jr., doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Puc-rio, traz, mais uma vez, uma contribuição nesse sentido.
.Eisgruber, em linha semelhante à de Dworkin, defende que democracia não é redutívela um governo de legisladores nem a um governo de eleitores, argumentando quelegisladores têm incentivos que os tornam representantes imperfeitos do povo, taiscomo a proteção de seus cargos e o progresso de suas carreiras políticas.. Eisgruberos considera essenciais para um governo democrático, mas insiste que em grandesnações-estado “o povo” não pode atuar diretamente em qualquer sentido, mas atravésde uma variedade de instituições: câmaras legislativas nacionais e locais,presidentes, governadores, prefeitos, bancos centrais, agências administrativas etribunais. Nenhuma dessas instituições representa perfeitamente “o povo”, mas todascontribuem de forma importante para a democracia.[1]Assim, Eisgruber pondera que o judicial review não deve ser visto como uma coaçãosobre a democracia, mas como um ingrediente em uma complexa, não-majoritária, formade auto-governo. As credenciais democráticas do judicial review não poderiam serjulgadas pela simples observação de que juízes não são eleitos, requerendo umaanálise mais pragmática de como o judiciário, em comparação com outras instituiçõesdisponíveis, pode servir aos fins democráticos. Eisgruber propõe quatro critériosque devem ser utilizados para avaliar o judiciário e as demais instituições:imparcialidade, escolha efetiva, participação e deliberação pública.[2]Tentando conceituar a democracia, Eisgruber procura demonstrar que esta não equivaleà regra da maioria. Em primeiro lugar, porque democracia é governo do povo, emaioria é apenas uma parte daquele. Por isso, ele identifica a democracia com aimparcialidade: o governo deve “responder aos interesses e opiniões de todo o povo,em lugar de servir simplesmente a uma maioria ou outra fração do povo”. A decisãomajoritária será democrática na medida em que for um meio de garantir aimparcialidade; em outras palavras, a regra da maioria, de forma pragmática, é útilpara a democracia, mas não é constitutiva da democracia. Em segundo lugar,Eisgruuber distingue questões de preferência (por exemplo, como distribuir odinheiro público entre museus e estádios de futebol) e questões de moralidade (porexemplo, a questão da criminalização do aborto), entendendo que estas últimas devemser decididas com base em argumentos morais. Se o Judiciário decide uma questão moral com base em razões morais, e o legislativo não,então o Judiciário poderá estar sendo mais democrático, apesar de ter um númeromenor de pessoas ao seu lado.[3]Eisgruber parte da premissa que o judicial reviewdepende mais de seu valor como uma instituição representativa do que da capacidadetécnica dos juízes. Por isso, estes deveriam admitir abertamente os julgamentos devalor que eles inevitavelmente fazem ao julgar controvertidos casosconstitucionais, ao invés de tentar justificar suas decisões em exercícios mais oumenos apolíticos de técnica jurídica, hermenêutica textual ou pesquisahistórica.[4] Neste ponto, também endossa os argumentos de Dworkin sobre anecessidade de proceder a uma leitura moral para a interpretação da Constituição.________________________________[1] EISGRUBER, Christopher L. Constitutional self-government.Cambridge: Harvard University Press, 2001. Idem. Constitution self-government andjudicial review: a reply to five critics. University of San Francisco Law Review,San Francisco, vol. 37, n. 1, p. 115-190, Fall, 2002, p. 116.[2] EISGRUBER. Constitutional self-government, cit., p. 78-87. Idem,Constitution self-government and judicial review: a reply to five critics, cit., p.117.[3] EISGRUBER. Constitutional self-government, cit., p. 19, 56-57.[4] Ibidem, p. 109-111 e 209-211.

Gilmar Mendes e a C.F. de 1988

A "Folha de São Paulo" publica em 19 de outubro de 2008 o seguinte texto do Min. Gilmar Ferreira Mendes
A Constituição e a estabilidade democrática
GILMAR MENDES
O STF vem assumindo a responsabilidade política de aplicar a Carta para tornar concretos os direitos e as garantias fundamentais
PARA CIDADÃOS de países regidos por vetustas Constituições, podem até parecer estranhas tantas comemorações pelos 20 anos da nossa Carta. Mas quem conhece a história pátria há de bem dimensionar a significância dessas duas décadas de estabilidade, mormente se confrontada com o acidentado trajeto percorrido pelo país até o Estado democrático de Direito. A Constituição de 1988, mais do que assinalar o término de um regime de exceção, simbolizou o afã da mudança em favor de mais equilíbrio em todas as vertentes -sociais, políticas, econômicas, institucionais. A Constituição Federal fez-se, assim, eivada da força simbólica do recomeço. O gigante parecia despertar com vontade de compor a galeria dos grandes -e não só em potência econômica. Daí o extenso catálogo de direitos fundamentais -um dos mais amplos do mundo-, cuja efetividade é garantida por mecanismos judiciais consistentes, previstos no texto constitucional. As criticas quanto a certa propensão para o dirigismo econômico foram superadas com as mudanças aprovadas pelo Congresso Nacional. De fato, a normalidade democrática assegurada pela Constituição de 1988 demonstrou ser à prova de choques tão perturbadores quanto um confisco radical da poupança, tão graves quanto o impeachment do presidente eleito pelo povo, isso sem mencionar crises agudas de hiperinflação e corrupção. Não houve turbulência interna ou externa que não tenha sido resolvida dentro dos parâmetros fixados pela Carta. A partir dessa solidez constitucional, na qual o Supremo figura como órgão-chave moderador nos embates democráticos, o país pôde crescer de forma organizada. A segurança institucional traduziu-se em dividendos econômicos e políticos, além de elevar a auto-estima do brasileiro. É da legitimidade que advém a força dessa Constituição, doravante não mais associada a outorgas ou tutelas de qualquer ordem, não mais compatível com degolas ou golpes. De 1988 até hoje, o país passou por transformações visíveis: o atraso institucional cedeu lugar a um aprendizado da cidadania corroborado por eleições seguras. A renovação do processo eleitoral a cada biênio funciona como força realimentadora do regime. E o melhor: todos os atores políticos comungam das regras do jogo democrático. A democracia tornou-se um valor em si mesmo. E isso é alvissareiro, pois garante que, por estas plagas, diferentemente do viés de retrocesso político que teima em reaparecer em certas nações sul-americanas, haveremos de vivenciar o privilégio de sermos uma forte e soberana democracia. Isso não significa estar a tarefa completa. Lançando mão de usual metáfora, preparamos o terreno para a colheita -que já começou, a julgar pela melhoria nos indicadores sociais da última década. E a experiência dos últimos anos indica que as mudanças necessárias podem ser realizadas dentro dos marcos existentes, dispensada a aventura de processos constituintes especiais, parciais ou totais. No Judiciário, a antiga estrutura processual e administrativa consubstancia desafio a ser enfrentado a partir da perspectiva do planejamento estratégico de todos os tribunais, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, dirimindo o renitente problema de lentidão processual, bem como aumentando a transparência e o acesso dos cidadãos -sobretudo dos mais carentes- à prestação de justiça. Tal racionalização está em andamento com a informatização de todos os órgãos. Não se trata de mera opção técnica, mas de escolha inspirada nos direitos humanos. No caso das varas de execução criminal, a informatização permitirá o controle adequado da situação dos presos e evitará a manutenção da prisão além do tempo determinado e fora das condições impostas pela condenação judicial. A Justiça brasileira realmente tornou-se mais forte com a autonomia administrativa e financeira obtida a partir da Carta de 1988, cujos 20 anos coincidem com os 200 anos da criação do primeiro órgão de cúpula da Justiça nacional, hoje personificado no Supremo Tribunal Federal, corte que vem a ser a própria representação da constitucionalidade, da ordem institucional. Dia após dia, o Supremo Tribunal Federal vem assumindo a responsabilidade política de aplicar a Carta de modo a tornar concretos os inúmeros direitos e garantias fundamentais constitucionalizados em 1988. E a corte tem respondido -o fará sempre- demonstrando profundo compromisso com o desenvolvimento desses direitos e corroborando, assim, a opção do constituinte pelo renovador princípio da esperança.