quarta-feira, 17 de março de 2010

O STF e os medicamentos

Valor Econômico 17 de março de 2010
Saúde: Corte deve estabelecer regras para Estado oferecer medicamentos fora da lista do SUSSTF julga fornecimento de remédios


O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa hoje a obrigatoriedade dos Estados em cumprir decisões judiciais para o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos que não são oferecidos pelo Sistema Único de Saude (SUS). As decisões judiciais, baseadas no dever constitucional do Estado de garantir a saúde dos cidadãos, têm gerado o bloqueio do orçamento das secretarias estaduais de saúde. Em 2008, o Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, gastou cerca de R$ 59 milhões com o fornecimento de medicamentos pela via judicial. No mesmo ano, o Estado de Minas Gerais destinou R$ 42 milhões para este fim. O Supremo vai julgar hoje nove processos sobre o tema para definir critérios que devem orientar os magistrados de todas as instâncias no julgamento de milhares de ações semelhantes.

Em março de 2009, a Corte realizou uma audiência pública durante seis dias sobre o tema, cujo objetivo foi oferecer subsídios aos ministros para o julgamento. E em setembro, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, proferiu pela primeira vez uma decisão monocrática baseada em informações prestadas durante a audiência. Ao manter o fornecimento de medicamento a uma jovem que sofre de uma doença neurodegenerativa, ele entendeu ser necessário construir parâmetro para a decisão do Poder Judiciário. Na ocasião, o ministro considerou, por exemplo, a comprovação de que o remédio seria o único capaz de deter o avanço da doença.

As procuradorias e secretarias de saúde tentam colocar em prática estratégias para reduzir as ações. No Rio Grande do Sul, desde 2007 a procuradoria passou a fazer a chamada defesa técnica nos julgamentos, apresentando laudos da Secretaria de Saúde indicando alternativas aos medicamentos pleiteados. Em 2006, decisões judiciais pelo fornecimento de medicamentos representaram um gasto de R$ 31,4 milhões para o Estado - no ano anterior, o montante foi de R$ 9,7 milhões. Já em 2007, o valor aumentou para aproximadamente R$ 50 milhões e, em 2008, para cerca de R$ 59 milhões.

Na avaliação da procuradora do Estado, Cristina Machado, o fato do aumento ter sido menos significativo nos dois últimos anos é resultado do trabalho de defesa técnica e do aumento dos pedidos concedidos administrativamente pelo SUS. Em 2006, o Estado forneceu, pela via administrativa, R$ 68 milhões em medicamentos, verba que foi aumentando nos anos seguintes, alcançando R$ 165,9 milhões em 2008.

No ano passado, foi criada uma sede administrativa pré-judicial na Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. No local, é avaliada a possibilidade de conceder os medicamentos pleiteados pela via administrativa. De acordo com a procuradora do Estado de São Paulo, Maria Luciana Facchina Podival, desde o ano passado os próprios magistrados passaram a exigir que os pacientes passem antes pela análise pré-judicial, o que estaria diminuindo a quantidade de ações. Em outubro de 2007, a média no Estado era de 400 novas ações pleiteando medicamentos por mês, número que foi reduzindo até chegar à média de 100 ações mensais a partir do segundo semestre de 2009.

A sede administrativa deve ser implantada em outros 16 diretórios regionais de saúde do Estado situados fora da grande São Paulo. Segundo a procuradora Maria Luciana, com a redução das decisões judiciais favoráveis aos pacientes na capital, a estratégia passou a ser ajuizar ações nas cidades do interior. Do dia 31 de março de 2009 a 31 de outubro do ano passado, o índice de litigiosidade, medido pela procuradoria, caiu 28% na grande São Paulo, ao mesmo tempo que aumentou nas cidades do interior do Estado, de 14% para 29%.

Apesar dos esforços das procuradorias, os bloqueios nos orçamentos da saúde continuam a crescer, como é o caso do Estado de Minas Gerais. Em 2002, o Estado gastou R$ 164 mil com o cumprimento de decisões judiciais que determinam o fornecimento de medicamentos. Em 2008, este valor saltou para R$ 42 milhões. Foi criada uma equipe dentro da secretaria de saúde para tratar do cumprimento das decisões judiciais, como informa Jorge Vieira, subsecretário de inovação e logística da saúde do Estado de Minas Gerais. Segundo ela, essa equipe tem o dobro do número de funcionários que cuidam das outras áreas.

O número de ações ajuizadas no Estado é crescente: em 2009, foram 1.890 ações, enquanto em 2003 foram somente 249. Grande parte das decisões judiciais, de acordo com a Secretaria da Saúde de Minas Gerais, determinam o fornecimento de medicamentos importados que não têm registro na Anvisa. A secretaria precisa expedir uma carta para a Anvisa justificando a entrada daquele medicamento nos portos brasileiros. "Viramos contrabandistas oficiais, é uma situação extremamente constrangedora para uma secretaria de saúde", afirma Jorge Vieira. Segundo ele, três demandas judiciais atendidas representaram o orçamento total da saúde de 20 municípios mineiros. "Esperamos que hoje o Supremo estabeleça ao menos ser necessário a comprovação da eficácia do medicamento antes que a Justiça determine o seu fornecimento."

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