quarta-feira, 3 de março de 2010

Caso Amianto III

Valor Economico
Trabalhista: Fabricantes paulistas de telhas e caixas d'água resistem na Justiça à proibiçãoLiminares garantem uso do amianto

Luiza de Carvalho, de Brasília
03/03/2010
Quase dois anos após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter assegurado a validade da lei paulista que proíbe o uso do amianto, apenas duas fabricantes de produtos em fibrocimento - a Infibra, de Leme, e a Confibra, de Hortolândia - resistem, amparadas por liminares. Um total de 170 indústrias utilizava o produto no Estado, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego. O amianto, utilizado na fabricação de telhas e caixas d'água, foi banido em pelo menos quatro Estados brasileiros.

A discussão sobre os malefícios do amianto começou a partir do ajuizamento de inúmeras ações de trabalhadores que desenvolveram doenças pulmonares - especialmente a asbestose -, geralmente cerca de 20 a 30 anos após o primeiro contato com a fibra. O amianto já foi banido da maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos. No entanto, o amianto europeu e americano é do tipo anfibólio - que seria mais nocivo - e não crisotila, que é extraído em jazidas brasileiras. O Brasil autoriza o uso controlado do amianto crisotila, também conhecido como amianto branco.

As empresas que trabalham com amianto argumentam que hoje não há mais riscos de contaminação no ambiente de trabalho. De acordo com Élio A. Martins, presidente da Eternit, maior empresa do segmento - com cinco fábricas no país e dona de uma jazida de amianto - , as contaminações dos trabalhadores ocorreram entre as décadas de 40 e 70, época em que o risco do produto era desconhecido e ocorria a importação do amianto anfibólio. "As condições de trabalho melhoraram muito e não se teve mais nenhum caso de disfunção respiratória gerada pelo trabalho com amianto a partir dos anos 80", afirma Martins. Segundo ele, a Eternit chegou a responder a 220 ações judiciais de trabalhadores e hoje tem menos de cem. "A maioria das ações foi julgada improcedente por não se comprovar que a doença tinha relação com o amianto."

A decisão liminar do Supremo pela constitucionalidade da Lei paulista nº 12.684, de 2007 - que proíbe o uso do amianto no Estado - foi a primeira análise dos ministros sobre o tema. Tramitam na Corte ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) contra leis dos Estados do Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul, que vedam a comercialização do amianto. No Pará, uma lei para proibir o amianto foi vetada pelo governo. A palavra final do Supremo, no entanto, será dada no julgamento da Adin nº4.066, proposta pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP). As entidades questionam a Lei Federal nº 9.005, de 1995, que autoriza o uso controlado do amianto branco.

Enquanto não há uma definição, empresas e Ministério Público do Trabalho (MPT) continuam a brigar no Judiciário. De acordo com dados da fiscalização trabalhista, apenas duas empresas continuaram a explorar o amianto em São Paulo: a Infibra e a Confibra. "Não faz sentido manter os 500 empregos de duas empresas sob o risco de sacrificar 17 mil empregos de empresas que investiram altas somas para trocar de tecnologia", afirma Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho, que há mais de 20 anos atua na causa dos trabalhadores expostos ao amianto. Ela colaborou com a fundação da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea).

Em dezembro, a Vigilância Sanitária e a fiscalização trabalhista interditaram a Confibra. A empresa obteve, no entanto, uma liminar na Vara do Trabalho de Hortolândia para manter suas atividades por mais 90 dias, período que a juíza Fernanda Cristina de Moraes Fonseca entendeu ser suficiente para que se busque alternativas de substituição ao amianto. De acordo com a decisão, embora a lei paulista que proíbe o amianto signifique um avanço ao trazer melhores condições de trabalho, a interdição abrupta do estabelecimento em nada contribuiria para solucionar o problema. A magistrada considerou que a empresa provou ter um rigoroso controle sobre o processo produtivo e que os maiores prejudicados com um eventual encerramento das atividades seriam os trabalhadores.

De acordo com Alberto Martins Neto, diretor da Confibra, que possui 220 trabalhadores na fábrica de Hortolândia, a empresa tem feito um grande esforço para se adaptar a outra tecnologia para as telhas. No entanto, diz, as fibras sintéticas não apresentam a mesma qualidade. A empresa entrou com um pedido de prorrogação da liminar por um ano, alegando a dificuldade de adaptação. "Esperamos que o Supremo derrube a lei paulista", diz Neto. Na opinião dele, caso seja mantido o banimento em São Paulo, as 20 mil lojas de material de construção do Estado continuarão a comprar material com amianto de outras regiões.

Já a Infibra, a outra empresa do setor de fibrocimento que mantém o uso do amianto, obteve uma liminar em novembro, na Vara de Trabalho de Leme, que garante a continuidade de suas atividades. O juiz Valdevir Roberto Zanardi considerou que, se mantidas as condições de produção da empresa, não há perigo para os empregados. Procurada pelo Valor, a Infibra preferiu não comentar o assunto.

Além do setor de telhas e caixas d'água, a fiscalização do Ministério Público do Trabalho em São Paulo tem acompanhado o setor de isolamento térmico - produtos feitos a partir do amianto que são utilizados em equipamentos de fábricas, como caldeiras. De acordo com Fernanda Giannasi, 80 pequenas empresas do setor em São Paulo foram multadas por importar o produto da China e estão sendo interditadas pela fiscalização.

No momento, as empresas que comercializam produtos com amianto em São Paulo mantêm a expectativa de aprovação do projeto de lei estadual nº 917, de 2009, que confere às companhias um prazo de dez anos para deixarem de usar o produto. Conforme a justificativa do projeto, as empresas de fibrocimento do interior paulista vendem mais de 60% de sua produção no próprio Estado, e uma proibição imediata do uso de amianto causaria inevitavelmente o fechamento dessas empresas, o que acarretaria no desemprego de 600 trabalhadores diretos e 2.500 indiretos.

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