quarta-feira, 24 de março de 2010

Cidadania para os presos provisórios?

Folha de São Paulo 23 de março de 2010

Voto inédito em presídios já preocupa magistrados
Juízes temem a interferência de facções criminosas e questões de segurança

TRE-SP pediu levantamento sobre as condições de segurança para a
instalação das seções eleitorais em estabelecimentos penais


A instalação de seções eleitorais em presídios do país para viabilizar o
voto de detentos provisórios gera preocupação entre juízes e membros do
Ministério Público. Eles apontam desde dificuldades logísticas e de
segurança até uma possível interferência de facções criminosas no processo
eleitoral.
A Constituição de 1988 somente proíbe os presos condenados de votar
enquanto eles estiverem cumprindo penas definitivas. Os provisórios, que
aguardam sentença ou ainda podem recorrer, têm direito a voto, mas poucos
Estados vinham adotando medidas para permitir a participação deles.
No último dia 2, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou, para a eleição
deste ano, uma resolução determinando a instalação de seções eleitorais em
estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes que
cumprem medidas socioeducativas.
Segundo estatísticas do Ministério da Justiça, do total de 473 mil presos
do país, 152 mil são provisórios. Só no Estado de São Paulo, há cerca de
52,5 mil presos provisórios e 5.500 menores infratores na Fundação Casa
(ex-Febem).
O presidente do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), Walter
de Almeida Guilherme, afirmou que, para aplicar a medida no Estado, será
necessária a atuação de pelo menos 4.000 novos mesários dentro de
presídios.

Mesários
No caso dos sistemas prisionais, Guilherme solicitou às instituições que
defendem o voto do preso, como Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria
Pública e Pastoral Carcerária, que indiquem voluntários para atuar como
mesários.
Para o presidente do TRE-SP, no entanto, o principal problema é o da
segurança no dia da eleição. Ele disse que pediu à Secretaria da
Administração Penitenciária do Estado um levantamento sobre as condições
de segurança para a instalação das seções eleitorais nos estabelecimentos
penais do Estado.
"Pode haver uma rebelião, o próprio mesário pode sofrer hostilidades.
Queremos cumprir a resolução. Se não for possível fazer com que todos os
presos votem, queremos que mais da metade possa votar. Onde realmente não
for possível, vamos dizer ao TSE", disse.
Para o promotor de Justiça Roberto Porto, há 11 anos membro do Gaeco,
grupo especial do Ministério Público de combate ao crime organizado, a
resolução é impraticável. "Em termos de país, não funciona levar as urnas
para dentro das prisões, isso colocaria em risco toda a segurança
eleitoral."
Entre outras dificuldades, os juízes eleitorais também terão de encontrar
uma forma de veicular a propaganda eleitoral gratuita aos detentos e de
fazer o alistamento de todos os provisórios até o dia 5 de maio, como
prevê a resolução do TSE.
O procurador de Justiça Márcio Christino, especialista no combate à facção
criminosa PCC, afirmou que a limitação à informação torna o preso mais
vulnerável a manipulações de grupos criminosos. "O preso está numa posição
de maior suscetibilidade. É mais suscetível à pressão do que quem está
solto", disse Christino.
Esse temor de possível influência de facções criminosas foi abordado em
grupos de discussão de juízes na internet. Muitos externaram a preocupação
de serem eleitos envolvidos com o crime organizado.
Para o juiz criminal Marcelo Semer, porém, não é possível colocar na conta
dos presos essa possibilidade. "Não acho que os presos estejam mais
suscetíveis à pressão do que nós. Mesmo sem os presos votarem, hoje muitos
políticos eleitos têm problemas com a Justiça."

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