sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

STJ e a apropriação indébita

Valor Econômico de 8 de janeiro de 2010

Previdenciário: MP deve demonstrar uso pessoal de verba por empresárioSTJ torna mais difícil abertura de ação criminal


Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda que de turma, tem sido comemorada por advogados criminalistas. O entendimento - na linha do que já vem ocorrendo no Judiciário - dificulta ainda mais a possibilidade de abertura de ação penal contra empresários por crime de apropriação indébita previdenciária. Nesses casos, há a acusação do desconto da contribuição do funcionário sem que ocorra o devido repasse ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A 6ª Turma do STJ, ao analisar o pedido de habeas corpus de um empresário, manteve o entendimento da primeira instância que rejeitou a denúncia. Na época, o juiz considerou a dificuldade financeira da empresa, assim como o fato de o Ministério Público não ter demonstrado o dolo específico, ou seja, a vontade do empresário em cometer o delito. Este entendimento foi adotado pelo STJ. Na avaliação da turma, para ocorrer a denúncia é necessário que na própria peça acusatória - apresentada pelo MP ao Judiciário para oferecer a denúncia - exista a demonstração de que o representante da companhia não efetuou o repasse com a intenção de utilizá-lo em proveito próprio.

De acordo com especialistas em direito penal, se o julgamento da 6ª Turma do STJ for adotado de uma forma geral pelo Judiciário do país, no longo prazo, ações criminais abertas por apropriação indébita poderão ser trancadas. "Cria-se uma porta de saída para esses crimes", afirma o advogado Fábio Antônio Tavares dos Santos, do Décio Freire Associados.

Até pouco tempo, bastava o empresário deixar de recolher a contribuição previdenciária para que pudesse responder a um processo criminal, ainda que a empresa estivesse em dificuldade e que o dinheiro fosse usado, por exemplo, para pagar os salários dos próprios funcionários. Esse era o entendimento geral adotado pelo Judiciário para caracterizar este tipo de crime, cuja pena varia de dois a cinco anos de reclusão e multa. Ao MP bastava listar na denúncia, os anos ou o período em que a contribuição deixou de ser recolhida.

No início de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um primeiro passo para alterar esse entendimento. Na época, a corte entendeu que a apropriação indébita é um crime material. O que em outras palavras, significa dizer que, para o empresário ou representante da empresa ser responsabilizado criminalmente, seria necessário comprovar que ele usou a contribuição não recolhida em proveito próprio - para a compra de bens, por exemplo. A partir desse novo entendimento, o empresário deixaria de responder por crime pelo mero não repasse das contribuições em função das dificuldades financeiras da empresa. A mesma interpretação foi adotado no fim de 2008 pelo STJ no julgamento de um habeas corpus, pela 5ª Turma.

De acordo com criminalistas, o julgamento recente da 6ª Turma representa mais um avanço em relação ao tema. O advogado Renato Viera, sócio do André Kehdi e Renato Vieira Advogados, afirma que essa decisão vai além das outras já proferidas no STJ e Supremo. Segundo ele, pelo entendimento do STJ na inicial do Ministério Público já é necessário que a peça demonstre a intenção do empresário e que esta gerou resultados. "Agora é necessário o MP mostrar que o empresário dispôs desse dinheiro como se fosse seu, na própria denúncia", afirma o advogado Roberto Delmanto Junior, sócio do escritório Delmanto Advocacia Empresarial. Segundo ele, o entendimento abre o leque para a defesa na hipótese de dificuldade financeira da empresa.

Para Tavares dos Santos, se a jurisprudência caminhar dessa forma, o empresário sonegador será diferenciado daquele que não recolheu as verbas previdenciárias em razão da dificuldade financeira. Além disso, o advogado Renato Vieira acrescenta que o empresário ficará livre do sofrimento de esperar todo o trâmite do processo para comprovar que não usou o dinheiro em proveito próprio e só depois ver a ação penal trancada.

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