sábado, 23 de janeiro de 2010

Extradição e a Lei da Anistia

Folha de São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 2010


DITADURA

Extradição de uruguaio pode abrir precedente contra Lei da Anistia


A possível extradição do coronel reformado uruguaio Manuel Cordero, 71, pode abrir caminho para que crimes cometidos durante a ditadura brasileira (1964-1985) sejam investigados e reforçar a contestação da constitucionalidade da lei 6.683, a Lei da Anistia.
Para a Argentina, que requereu sua extradição, Cordero cometeu crimes de lesa-humanidade durante a ditadura daquele país (1976-1983). A entrega dele deveria ter ocorrido na terça, mas foi suspensa por razões médicas. Ele está internado em Santana do Livramento (RS).
A Lei da Anistia impede a responsabilização de pessoas por crimes de motivação política entre 1961 e 1979, quando foi promulgada.
Tanto juristas favoráveis à revisão da anistia quanto os contrários a ela veem na extradição do uruguaio, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, a abertura de um caminho, no futuro, para processos contra militares brasileiros suspeitos de crimes durante a ditadura.
Isso porque Cordero -oficial ativo da Operação Condor, aliança das ditaduras sul-americanas para eliminar opositores de esquerda- responderá pelo sequestro de uma criança em 1976. Ele também é suspeito do desaparecimento de 11 pessoas.
O STF acolheu a tese da Procuradoria-Geral da República sobre a equivalência entre desaparecimento forçado (pelo qual é acusado na Argentina) e sequestro, previsto no Código Penal Brasileiro: são crimes continuados e, portanto, não abrangidos pela Lei da Anistia.
Contrário à revisão do instituto da anistia, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo no STF, se opôs à entrega do uruguaio por temer que o caso reabrisse "feridas das mais sérias".
No STF tramita a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, movida pelo conselho federal da OAB, que questiona a legalidade da Lei da Anistia.
Em São Paulo, com base na tese do crime continuado, a Procuradoria pediu em 2009 a reabertura da investigação do desaparecimento de 26 pessoas que passaram pelas dependências do DOI-Codi, órgão repressor brasileiro.
"A autorização da extradição já abriu precedente para a investigação de desaparecimentos ocorridos no Brasil, mas seria oportuno se a arguição da OAB fosse acolhida, porque pouparia o Brasil do vexame em cortes internacionais", disse Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

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