segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Arte de julgar - Min. Ari Pagendler - STJ

Enviado pelo Dr. Daniel Giotti, mestre em Direito pela Puc-rio

Pargendler busca solução de conflitos com reflexão sobre a técnica de julgar


O juiz deve atentar para os resultados práticos de suas decisões, que podem
orientá-lo para uma melhor compreensão do direito positivo. É que o
ordenamento jurídico só cumpre sua função se o modo como regula as relações
sociais é bem sucedido. Assim manifesta-se o ministro Ari Pargendler,
vice-presidente do STJ, em voto no qual é levantada questão processual sobre
o cabimento de ação rescisória em litígio envolvendo a Fazenda Nacional e
uma empresa.

Seja em assuntos como esse, de caráter essencialmente processual, ou em
outros de repercussão imediata na sociedade, como a impossibilidade de
conversão de pena para crime de tráfico de drogas ou a garantia de
manutenção de serviço público em município inadimplente, o ministro foi
condutor de decisões que marcaram o ano de 2008 no STJ, ao expor teses que
enriqueceram a contínua construção da jurisprudência no STJ.

No recurso da Fazenda Nacional, o voto do ministro, dando provimento para o
ajuizamento de ação rescisória, é fundamentado em doutrina sobre técnica de
julgamento inspirada na observação de Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema
Corte dos Estados Unidos nas primeiras décadas do século passado, de que o
direito não se esgota na lógica, é também e fundamentalmente experiência.

Pargendler ilustra a constatação com fatos ocorridos logo após a promulgação
da Constituição de 1988, quando os tribunais regionais federais passaram a
divergir sobre a auto-aplicabilidade dos vários benefícios previdenciários
nele previstos. Num primeiro momento, houve o deferimento de benefícios
previdenciários, posteriormente considerados indevidos pelo Supremo Tribunal
Federal, e no indeferimento de outros que eram devidos – “multiplicando-se
as injustiças e, mais do que isso, o tratamento desigual, à vezes entre
vizinhos”.

Os reflexos de tal situação, observa o ministro, seriam os mais graves, se a
ação rescisória, que possibilita a desconstituição da sentença, fosse
dificultada por interpretações restritivas à jurisprudência do STF: “Uma
empresa obrigada a pagar tributo indevido seria uma empresa destinada a
desaparecer, porque não suportaria a concorrência. Outra empresa exonerada
de pagar tributo devido prejudicaria inapelavelmente as demais – distorção
que se projetaria macroeconomicamente, de dois modos: o Estado perderia
receita e, também, a capacidade de manter o mercado sob leis uniformes,
desorganizando-o”.

Conversão de pena

Em novembro de 2009, a Corte Especial do STJ, seguindo voto-vista de
Pargendler, rejeitou argüição de inconstitucionalidade de partes da Lei
Antidrogas (nº 11.343/2006) que tornam inafiançáveis e insuscetíveis de
indulto ou liberdade provisória as penas para crime de tráfico de
entorpecentes. O caso em exame era de um sul-africano condenado a mais de
três anos de reclusão, em regime inicial fechado, por posse de 3,5 quilos de
cocaína.

O ministro sustentou que a adoção da pena privativa de liberdade para punir
o crime de tráfico de entorpecentes não representa violação aos princípios
constitucionais da dignidade humana e da individualização da pena, invocadas
para a declaração de inconstitucionalidade. Isso porque a privação da
liberdade pode parecer inconciliável com a dignidade humana, mas os
princípios constitucionais devem ser ponderados, e o da defesa social,
representado pela pena, justifica a privação temporária da liberdade para
garantir a convivência social.

Pargendler ressaltou que a inconversibilidade das penas decorrentes de
condenação por tráfico de drogas tem por si a vontade do constituinte que,
em dois momentos, destacou a importância da repressão a esse crime: quando
estabeleceu que a lei o consideraria inafiançável e insuscetível de graça ou
anistia e quando autorizou a extradição do brasileiro naturalizado
comprovadamente envolvido no tráfico de dogas.

Sentença estrangeira

Em outra decisão, o vice-presidente do STJ assegurou a aplicação da
Convenção de Nova York referente à prestação de alimentos no estrangeiro. A
Procuradoria-Geral da República formulou pedido de homologação de sentença
estrangeira, proferida por tribunal de Meaux, França, que condenou um
cidadão brasileiro ao pagamento de pensão alimentícia mensal em favor de sua
filha menor, no valor de 150 euros.

Foram, entretanto, argüidas duas objeções à homologação: a documentação
juntada não foi traduzida por tradutor juramentado no Brasil e os documentos
não haviam sido autenticados.

A Resolução nº 9, do STJ exige que sentença estrangeira esteja autenticada
pelo cônsul brasileiro e traduzida por tradutor juramentado. Uma e outra
exigência, todavia, cedem, na forma da jurisprudência, quando o pedido de
homologação tiver sido encaminhado pela via diplomática, como ocorreu nesse
caso, disse Pargendler. De acordo com a PGR, a sentença, quando executada ao
abrigo da Convenção de Nova York, contém peculiaridades que lhe confere
tratamento especial em relação a determinadas formalidades.

Iluminação pública

Coube também ao vice-presidente do STJ decidir sobre a suspensão de serviço
público por inadimplência do consumidor e em que situações isso pode
ocorrer. No caso, a companhia Energética do Ceará (Coelce) pedia reforma de
decisão que lhe havia assegurado o direito de suspender o fornecimento de
energia da cidade de Senador Pompeu, com exceção dos postos de saúde,
hospitais, escolas e iluminação pública das ruas, considerados essenciais à
população. As contas atrasadas do município alcançavam o valor de R$ 741
mil.

Para a Colce, deixar as ruas da cidade sem iluminação pública não
acarretaria a paralisação de qualquer serviço público essencial a ser
prestado à população, não devendo figurar entre as exceções. Reafirmando
decisão anterior do presidente do STJ, ministro Cesar Rocha, Pargendler
enfatizou ser inviável a suspensão da iluminação pública, pois acarretaria
prejuízo à coletividade em relação à segurança pública.

A jurisprudência majoritária do STJ admite o corte de energia em caso de
inadimplência do consumidor, ainda que este seja pessoa jurídica de direito
público e preste serviço essencial, com ressalvas apenas para os serviços
cuja interrupção cause prejuízos graves à população. Dessa forma, hospitais
e escolas públicas e iluminação pública estão preservados.

Licitação viciada

Dentre as decisões destacadas pelo vice-presidente do STJ não faltou matéria
administrativa. O descumprimento de um dos itens do edital de licitação
levou à suspensão de um contrato firmado pelo governo do Ceará com empresa
de engenharia encarregada de instalação de cabo ótico. Esta deveria
comprovar que havia executado, anteriormente, serviços de instalação de
cabos óticos em linhas de transmissão com todas as fases energizadas. O
atestado, no juízo da justiça cearense, não atendia ao requisito do edital.

O governo do Ceará sustentou que a empresa vencedora havia executado serviço
similar e de complexidade tecnológica e operacional superior ao exigido no
edital, além de ter apresentado preço menor ao do segundo colocado, uma
diferença de mais de R$ 7 milhões. Alegou também que o atraso na execução do
cinturão digital acarretaria sanções penais do Banco Mundial, financiador do
projeto, e comprometimento das metas subseqüentes, comprometendo o total de
financiamento de US$ 240 milhões.

A Corte Especial, adotando o voto de Pargendler, decidiu que, “se
flagrantemente viciado o processo de licitação, o Judiciário não pode
autorizar-lhe a execução, ainda que a sustação da obra pública possa
acarretar lesão a interesses da coletividade”. “Não há como evitar esse dano
potencial sem que, vencido na demanda, o Estado tenha de indenizar o
licitante prejudicado”, estabeleceu a decisão

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