quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Morosidade da Justiça

Folha de São Paulo 4 de fevereiro de 2010

Entidades contestam Mendes e afirmam que Justiça é lenta
Joaquim Falcão, ex-membro do CNJ, diz que é cedo para dizer que a morosidade acabou

Dados do conselho relativos a 2008 indicam que 60% dos processos ficam parados por mais de um ano; tribunais não cumpriram meta do CNJ

FERNANDO BARROS DE MELLO
FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Entidades de juízes, promotores, advogados e especialistas em direito discordaram ontem da afirmação do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, de que a morosidade do Judiciário é um "mito" e que a lentidão apontada pelos críticos é "pontual e concentrada".
Claudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, afirmou que há pouca medida científica de tempo médio de tramitação. "A percepção de lentidão decorre dos processos que demoram muito tempo, que podem ser uma minoria. Mesmo que um juiz tenha alta porcentagem de casos que resolvem rapidamente, se tiver poucos que demoram muito, essa é a percepção dominante."
Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da FGV-RJ e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça, afirmou que "ainda é cedo para dizer que a morosidade acabou ou que é um mito". Segundo ele, não existem dados que possam comprovar isso.
"A experiência das pessoas, de advogados e juízes é de que está se combatendo a morosidade, mas que ainda está longe de se alcançar o fim dela."
Ele citou o fato de que mais de 50% das reclamações junto ao CNJ são relativas à lentidão. A última estatística do CNJ, relativa a 2008, mostrou que 60% dos processos ficam parados por pelo menos um ano, considerando todas as instâncias.
Além disso, os tribunais do país não cumpriram a Meta 2 do CNJ (presidido por Mendes). O programa tinha como objetivo fazer com que todos os processos iniciados antes de 2006 em cada instância do país recebessem uma sentença até o fim de 2009. Apenas 53% das ações da meta foram julgadas, segundo dados colhidos pelo CNJ até 18 de dezembro.
Para a professora da Escola de Direito da FGV-SP Luciana Cunha, "é complicado chamar de mito a morosidade do Judiciário porque as próprias pesquisas do CNJ indicam os congestionamentos nos tribunais".
Uma pesquisa que será divulgada hoje pela FGV indica que mais de 90% dos entrevistados em sete regiões metropolitanas do país apontaram a lentidão como o principal problema do Judiciário, disse a professora.
Para o novo presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, "a lentidão não é mito, é fato real".
Ele elogiou o estabelecimento de metas e diz que houve avanços nos últimos anos, mas afirma que, ao se dar prioridade a processos mais antigos, também se cria um novo deficit. Além disso, ele vê a necessidade de aumentar o horário de trabalho dos fóruns estaduais.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares, afirmou que o Judiciário é realmente moroso. "O que não concordo é que se atribua isso à magistratura. O seguimento com maior credibilidade são os juizados especiais, que têm legislação que favorece a celeridade", disse.
Ele citou causas estruturais. Afirmou que, em Pernambuco, mais de 50% das comarcas não têm defensor público, o que atrasa o andamento das ações.
José Carlos Consenzo, presidente Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, lembrou que até o STF encontrou processos do século 19. "O CNJ apontou gargalos, como necessidade de maior informatização. Mas a grande questão é diminuir o número de recursos protelatórios", disse.

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