domingo, 28 de fevereiro de 2010

Entrevista sobre a aplicação da neurociência e o direito

Folha de São Paulo, domingo, 28 de fevereiro de 2010




Com júri, técnica pode ser tiro pela culatra
Universidade de Stanford



O jurista Henry Greely, da Universidade de Stanford, tem dedicado sua carreira a pesquisar o impacto das biociências no direito. Segundo ele, uma pequena amostragem de casos conhecidos indica que o uso forense da neuroimagem está proliferando, mas apelar a essa estratégia com o júri pode ter um efeito reverso. Em entrevista à Folha, Greely conta como o fenômeno começou. (RG)






FOLHA - Quantos julgamentos com uso de mapeamento cerebral os EUA já tiveram?
HENRY GREELY - Não sabemos. Não há um boa base de dados para nos contar isso.

FOLHA - Mas com quantos casos o sr. já se deparou?
GREELY - Nós sabemos por relatos anedóticos de pelo menos cinco episódios em que a neuroimagem foi usada em casos criminais, tanto para tentar evitar a responsabilização criminal quanto ou para atenuar penas capitais. Suspeito que o número no país seja maior que cem, mas provavelmente menor que mil, se contado ao longo dos últimos 25 ou 30 anos. O primeiro caso foi após John Hinckley tentar matar o presidente Ronald Reagan, em 1981. Havia farta evidência comportamental e psiquiátrica de que ele era psicótico, mas uma tomografia computadorizada entrou no processo, contra a vontade da promotoria. Ela foi apreciada pelo júri que o inocentou por insanidade.

FOLHA - Academicamente, o sr. defende a mesma posição que interpretou aqui, a de que a ressonância magnética ainda não é capaz de fornecer dados úteis em um processo?
GREELY - É costume dizer que a resposta correta de um advogado para qualquer pergunta começa com três palavras: "depende do caso". Isso se aplica aqui. Há áreas em que evidências por neuroimagem são claramente apropriadas, como na investigação de casos de negligência médica. A defesa pode alegar que o cliente foi vítima de uma neurocirurgia que lhe causou lesão. Nesse caso, a neuroimagem tem uso adequado. Para a questão de responsabilidade criminal, porém, pode ser útil em alguns casos e não em outros. O que importa é que a ciência usada seja bem estabelecida, para permitir que um júri ou um juiz possam tirar conclusões razoáveis disso.

FOLHA - O sr. acha que outros julgamentos estão sendo tão justos quanto a simulação da AAAS aqui?
GREELY - Bom, talvez eles estejam sendo mais justos, porque o que fizemos aqui, intencionalmente, foi meio que uma caricatura de um julgamento. Julgamentos reais são muitos mais longos e chatos. Mas também são muito mais detalhados e, afinal de contas, mais justos. Contudo, tenho certo receio sobre como promotores estão encarando isso, porque em geral é a defesa que introduz esse tipo de evidência, em favor do acusado. Quando o julgamento tem início, os advogados provavelmente já recrutaram especialistas, fizeram os exames e sabem para que estes servirão. Os promotores podem chegar sem saber nada. Então, existe uma preocupação em saber se ambos os lado são igualmente respaldados por especialistas. Por outro lado, aparentemente promotores têm usado esse tipo de evidência para ampliar a estimativa de dano sofrido pela vítima. Nesses casos, temo pelos advogados de defesa, que às vezes não sabem distinguir um cérebro de um fígado.

FOLHA - Mas a estratégia é eficaz?
GREELY - É difícil dizer. Num caso em que a defesa procura provar que o acusado é incapaz de planejar e refletir sobre o crime, parte do júri poderia ser levado a pensar: "puxa, esse cara tem um cérebro assassino, então vamos mantê-lo preso".

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