quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Luis Flávio Gomes e a tese da supralegalidade

Texto publicado pelo "Jus Navigandi" e enviado pelo mestrando em direito da Puc-rio. Vejam que o seu autor Luis Flávio Gomes amplia, perigosamente, a tese da supralegalidade. Pois, os tratados de Direitos Humanos após a emenda constitucional nº45/04 só podem ser internalizados por força de emendas constitucionais.










Controle de convencionalidade: STF revolucionou nossa pirâmide jurídica
Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2. uol.com.br/ doutrina/ texto.asp? id=12241











Luiz Flávio Gomes
doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de
Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Instituto Panamericano
de Política Criminal (IPAN), consultor, parecerista, fundador e presidente da Cursos
Luiz Flávio Gomes (LFG) - primeira rede de ensino telepresencial do Brasil e da
América Latina, líder mundial em cursos preparatórios telepresenciais








No dia 03.12.08 foi proclamada, pelo Pleno do STF (HC 87.585-TO e RE
466.343-SP), uma das decisões mais históricas de toda sua jurisprudência. Finalmente
nossa Corte Suprema reconheceu que os tratados de direitos humanos valem mais do que
a lei ordinária. Duas correntes estavam em pauta: a do Min. Gilmar Mendes, que
sustentava o valor supralegal desses tratados, e a do Min. Celso de Mello, que lhes
conferia valor constitucional. Por cinco votos a quatro, foi vencedora (por ora) a
primeira tese.
Caso algum tratado venha a ser devidamente aprovado pelas duas casas
legislativas com quorum qualificado (de três quintos, em duas votações em cada casa)
e ratificado pelo Presidente da República, terá ele valor de Emenda Constitucional
(CF, art. 5º, § 3º, com redação dada pela EC 45/2004). Fora disso, todos os (demais)
tratados de direitos humanos vigentes no Brasil contam com valor supralegal (ou
seja: valem mais do que a lei e menos que a Constituição). Isso possui o significado
de uma verdadeira revolução na pirâmide jurídica de Kelsen, que era composta
(apenas) pelas leis ordinárias (na base) e a Constituição (no topo).
Conseqüência prática: doravante toda lei (que está no patamar inferior)
que for contrária aos tratados, não possui validade. Como nos diz Ferrajoli, são
vigentes, mas não possuem validade (isso corresponde, no plano formal, à derrogação
da lei). O STF, no julgamento citado, sublinhou o não cabimento (no Brasil) de mais
nenhuma hipótese de prisão civil do depositário infiel, porque foram "derrogadas"
(pelo art. 7º, 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) todas as leis
ordinárias em sentido contrário ao tratado internacional.
Dupla compatibilidade vertical: toda lei ordinária, doravante, para ser
válida, deve (então) contar com dupla compatibilidade vertical, ou seja, deve ser
compatível com a Constituição brasileira assim como com os tratados de direitos
humanos. Se a lei (de baixo) entrar em conflito (isto é: se for antagônica) com
qualquer norma de valor superior (Constituição ou tratados), não vale (não conta com
eficácia prática). A norma superior irradia uma espécie de "eficácia paralisante" da
norma inferior (como diria o Min. Gilmar Mendes).
Duplo controle de verticalidade: do ponto de vista jurídico a
conseqüência natural do que acaba de ser exposto é que devemos distinguir
(doravante) com toda clareza o controle de constitucionalidade do controle de
convencionalidade. No primeiro é analisada a compatibilidade do texto legal com a
Constituição. No segundo o que se valora é a compatibilidade do texto legal com os
tratados. Todas as vezes que a lei ordinária atritar com os tratados ou com a
Constituição, não vale.
Tese de doutoramento de Valerio Mazzuoli: no Brasil quem defendeu, pela
primeira vez, a teoria do controle de convencionalidade foi Valério Mazzuoli, em sua
tese de doutoramento (sustentada na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul-Faculdade de Direito, em Porto Alegre, em 2008).


Vale a pena destacar alguns trechos da sua obra: [pág. 227] "Para
realizar o controle de convencionalidade das leis os tribunais locais não requerem
qualquer autorização internacional. Tal controle passa, doravante, a [pág. 228] ter
também caráter difuso, a exemplo do controle difuso de constitucionalidade , onde
qualquer juiz ou tribunal pode se manifestar a respeito. À medida que os tratados
forem sendo incorporados ao direito pátrio os tribunais locais – estando tais
tratados em vigor no plano internacional – podem, desde já e independentemente de
qualquer condição ulterior, compatibilizar as leis domésticas com o conteúdo dos
tratados (de direitos humanos ou comuns) vigentes no país. Em outras palavras, os
tratados internacionais incorporados ao direito brasileiro passam a ter eficácia
paralisante (para além de derrogatória) das demais espécies normativas domésticas,
cabendo ao juiz coordenar essas fontes
(internacionais e internas) e escutar o que elas dizem. Mas, também, pode ainda
existir o controle de convencionalidade concentrado no Supremo Tribunal Federal,
como abaixo se dirá, na hipótese dos tratados (neste caso, apenas os de direitos
humanos) internalizados pelo rito do art. 5º, § 3º da Constituição."
[Pág. 235]: "Ora, se a Constituição possibilita sejam os tratados de
direitos humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de emenda, por
questão de lógica deve também garantir-lhes os meios que garante a qualquer norma
constitucional ou emenda de se protegerem contra investidas não autorizadas do
direito infraconstitucional ."


"Quanto aos tratados de direitos humanos não internalizados pelo quorum
qualificado, passam eles a ser paradigma apenas do controle difuso de
convencionalidade. Portanto, para nós – contrariamente ao que pensa José Afonso da
Silva – não se pode dizer que as antinomias entre os tratados de direitos humanos
não incorporados pelo referido rito qualificado e as normas infraconstitucionai s
somente poderão ser resolvidas ‘pelo modo de apreciação da colidência entre lei
especial e lei geral’".
Fazendo-se a devida adequação da inovadora doutrina de Valerio Mazzuoli
com a histórica decisão do STF de 03.12.08 cabe concluir o seguinte:
a) os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo
Brasil – independentemente de aprovação com quorum qualificado – possuem nível
(apenas) supralegal (posição do Min. Gilmar Mendes, por ora vencedora);
b) admitindo-se a tese de que não contam com valor constitucional, eles
servem de paradigma (apenas) para o controle (difuso) de convencionalidade
(recorde-se que o controle concentrado no STF exige como fonte uma norma com status
constitucional) ;
c) o controle difuso de convencionalidade desses tratados com status
supralegal deve ser levantado em linha de preliminar, em cada caso concreto, cabendo
ao juiz respectivo a análise dessa matéria antes do exame do mérito do pedido
principal;
d) já os tratados aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º
da Constituição (precisamente porque contam com status constitucional) servirão de
paradigma ao controle de constitucionalidade concentrado (perante o STF) ou difuso
(perante qualquer juiz, incluindo-se os do STF);
e) em relação ao controle de constitucionalidade concentrado (só
cabível, repita-se, quando observado o § 3º do art. 5º da CF) cabe admitir o uso de
todos os instrumentos desse controle perante o STF, ou seja, é plenamente possível
defender a possibilidade de ADIn (para eivar a norma infraconstitucional de
inconstitucionacion alidade e inconvencionalidade ), de ADECON (para garantir à
norma infraconstitucional a compatibilidade vertical com a norma internacional com
valor constitucional) , ou até mesmo de ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental) para exigir o cumprimento de um "preceito fundamental" encontrado em
tratado de direitos humanos formalmente constitucional.

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