quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O voto vista e a comunidade indigena

O informativo eletrônico "Consultor Jurídico" de 25 de setembro de 2008 traz a notícia de mais um voto vista do Min. Menzes Direito em questão indigena. Leiam e reflitam!
Pataxós da Bahia
Eros vota pela nulidade de títulos de posse de fazendeiros
O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, votou pela nulidade dos títulos de propriedade concedidos pelo governo da Bahia a cerca de 400 fazendeiros na terra indígena Caramuru-Catarina Paraguassu. Na ação proposta há 26 anos, a Funai argumenta que a área de 54 mil hectares, localizada no sul do estado, pertence aos cerca de quatro mil índios pataxó-hã-hã-hãe e à União.
Depois do voto de Eros, o julgamento desta quarta-feira (24/9) foi interrompido pelo ministro Menezes Direito. O ministro justificou o pedido de vista dessa Ação Civil Originária ao afirmar que quer analisar o caso juntamente com o da terra indígena Raposa Serra do Sol. Menezes Direito é relator do Recurso Extraordinário 204.647, que também trata de terras indígenas na Bahia e teve decisão favorável à Funai dada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Recife).
“Entendo que as questões têm ligação; que elas partem, necessariamente, independentemente da questão dos títulos, da conceituação de terras indígenas”, afirmou Menezes Direito no pedido de vista. “Nós todos estamos, aqui no STF, a procurar uma definição concreta para estabelecer, em definitivo, essa conceituação, considerando todo o histórico dos múltiplos precedentes que existem nesta Corte”.
O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, não participou do julgamento. Ele se declarou impedido por ter sido advogado-geral da União durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando chegou a analisar o assunto.
O voto de Eros Grau sinaliza que os índios de Roraima já têm pelo menos dois ministros a seu favor, já que o relator do caso da Raposa Serra do Sol, Carlos Britto, voto a favor da demarcação contínua em agosto. Segundo Eros, “não há títulos de propriedade válidos no interior da reserva, anteriores à vigência da Constituição Federal de 1967”. Como chegou à Corte em 1982, a ação deve ser analisada sob o abrigo da Constituição de 1967, vigente à época, esclareceu o ministro.
O artigo 186 daquela Carta não apenas considerou as terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas como sendo de domínio da União, para usufruto dos índios, como também declarou a nulidade de qualquer título de propriedade de terra localizada dentro da área, acrescentou Eros Grau.
O ministro fez uma análise detalhada da situação da região onde se encontra a terra indígena. A partir desse estudo, Eros Grau concluiu que os índios há muito estão presentes na região desde antes da Constituição de 1967: “Abrange toda a área habitada, utilizada para o sustento do índio, necessária à preservação de sua identidade cultural”.
Com esse fundamento, o ministro votou pela procedência da ação, “para declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade cujas respectivas glebas estejam localizadas dentro da área da reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu”. A sessão foi acompanhada por mais de 200 índios.
Assistente da Funai
Antes de entrar na questão de mérito, os ministros discutiram se a comunidade pataxó hã-hã-hãe poderia ser admitida como assistente simples da Funai no caso. Eros Grau levou o pedido ao plenário já que ele foi feito há dois dias, fora do prazo legal. A União, a Procuradoria-Geral da República e o estado da Bahia manifestaram-se a favor da admissão.
Segundo o advogado Paulo Machado Guimarães, que defende os índios pataxó-hã-hã-hãe, “a comunidade indígena contribui no debate desse relevante processo já transcrito seus 26 anos de tramitação com sua análise jurídica juntada aos autos, onde fundamentalmente se discute a reparação de uma grave e profunda injustiça jurídica que vem se perpetuando no decorrer dessas décadas”.
Já o procurador-geral da Funai, Antônio Marcos Guerreiro Salmeirão, sustentou que os índios pataxós não abandonaram suas terras, mas foram violentamente retirados dela desde o século 17, segundo laudo pericial. “O sentimento de hostilidade advém das maneiras cruéis e espúrias de negar aos indígenas o direito à sobrevivência física e cultural”, afirmou. Para o procurador, “a ocupação indígena se dá de maneira diversa da ocupação não indígena, já que os índios ocupam um determinado território segundo seus usos, costumes e tradições”.
Salmeirão explica que a Bahia promulgou, em 1926, um decreto-lei que delimitou a área dos índios, obedecendo a lei imperial 601 de 1850 e a Constituição de 1891. “As constituições posteriores reconheceram os direitos dos indígenas à posse das terras por eles ocupadas, as quais nunca foram consideradas devolutas, mas originalmente reservadas desde um alvará de 1 de abril de 1680”, diz.
Segundo ele, a área indígena em questão tem cerca de 54 mil hectares, demarcados em 1937 e 1938. A perícia judicial teria encontrado títulos dominiais de 36 mil hectares, sendo a área restante de posse dos índios. A Funai diz que os títulos são nulos porque em situação semelhante, julgada na ACO 323, o Supremo reconheceu a nulidade dos títulos concedidos pelo estado de Minas Gerais em áreas indígenas.
Para advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, a discussão não deve girar em torno da posse da área, mas em torno da nulidade dos títulos de posse. O advogado lembrou que quatro perícias da Funai confirmaram que a presença e ocupação dos índios desde 1650. “É secular, tradicional e permanente, sobre qualquer perspectiva que se queira analisar”, ressaltou.
Toffoli lembrou que o artigo 231, parágrafo 6º da Constituição determina que são nulos atos que tenham por objeto a posse das terras indígenas. O advogado-geral afirma que as terras são dos índios e os títulos dos fazendeiros são inconstitucionais.
Quase 30% dos fazendeiros que ocupavam a área já foram indenizados e deixaram a região amigavelmente, revelou Toffoli. “Mas para a Constituição, não interessa se os fazendeiros estão lá de boa ou má-fé. Eles devem ter direito à indenização, evidentemente, mas os títulos são nulos, porque emitidos por quem não era dono a particulares”, concluiu.
Advogado do estado
O advogado da Bahia, Antonio José Teles, afirma que a validade dos títulos decorre de diversas razões. A primeira delas é a inexistência de índios na região, fato registrado em relatório do Ministério da Agricultura produzido em 1960. A conclusão do relatório foi de que as terras não pertenciam à União, mas à Bahia. Teles afirmou que a tentativa de demarcação feita por meio de lei baiana de 1929 nunca foi completada e que o então Serviço de Proteção aos Índios (SPI) fez arrendamentos de terras da região com base no parecer do Ministério da Agricultura.
O advogado citou precedentes do STF no sentido de que a permanência de índios em um dado local é indispensável para que ele seja considerado “terra indígena” e evocou a Súmula 650 do Supremo. Ela determina que não são terras tradicionalmente indígenas aquelas em que haviam “aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”.
Já o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, pediu o cancelamento de todos os títulos concedidos pela Bahia. Para o procurador, os títulos concedidos antes da Constituição de 1934 foram atingidos pela nulidade superveniente da Carta. Desse modo, as concessões de títulos após sua promulgação não têm qualquer efeito. “A expulsão, o homicídio e o genocídio de silvículas não têm o condão de convalidar títulos originariamente nulos concedidos a partir de 16 de julho de 1934”, ressaltou.
Antônio Fernando frisou que o caso não guarda semelhanças com o julgamento da Petição 3.388, sobre a reserva Raposa Serra do Sol, porque não tem como objeto a demarcação de área, mas a ocupação ilegal de área legalmente demarcada. “Não é objeto da ação qualquer demarcação de área, como na Raposa Serra do Sol, e sim a autenticidade da concessão do domínio de terras pelo estado da Bahia”, comparou.
Segundo o PGR, se há julgamento precedente do Supremo ser observado, ele deve ser o da ACO 323, na qual foram cancelados os títulos concedidos pelo estado de Minas Gerais dentro das terras de índios krenak. “Esta ação, sim, tem absoluta semelhança com a atual”, reconheceu o procurador.
Entenda o caso
A ação foi proposta pela Funai em 1982 com o propósito de anular os títulos de propriedade de imóveis concedidos a fazendeiros pelo governo da Bahia em 1926. O argumento é que a área é ocupada desde 1651 por tribos indígenas pataxós-hã-hã-hãe, sapuyá, baenã, kariri e kamakã e que se tratam de terras da União.
Segundo a Funai, a Bahia não poderia ter concedido títulos de propriedade já que não era titular da terra. A Fundação afirma que os índios foram expulsos de suas terras. Alguns deles foram para Minas Gerais. Em 1980, algumas comunidades indígenas decidiram lutar pela retomada da terra.
Já os fazendeiros dizem que os pataxó hã-hã-hãe não são originários da Bahia, mas de Minas Gerais. Além disso, afirma que, quando receberam os títulos, as terras estavam desocupadas.
Na ação, a Funai recorda que o governo da Bahia, por meio da Lei 1.916, de 1926, determinou a delimitação da área ocupada por indígenas no Sul da Bahia e que a demarcação da terra indígena Caramuru-Catarina-Paraguaçu foi concluída em 1938.
A lei baiana “operou a doação da área demarcada em 1938 aos índios pataxós, ficando ela posteriormente abrangida pela proteção da legislação federal”, afirma a entidade. Segundo a Funai, a Bahia “perdeu o poder de disposição sobre tais terras”. Para ela, daí resulta a ilegalidade e inconstitucionalidade dos atos do governo estadual de “fazer expedir, abusiva e desrespeitosamente, títulos definitivos de propriedade em nome de invasores, posseiros, arrendatários e grileiros, incidentes sobre a área da reserva indígena Caramuru-Catarina-Paraguassu”.
O processo já foi levado ao plenário algumas vezes. Em uma delas, em fevereiro de 2002, os ministros chegaram à conclusão que poderiam analisar a ação da Funai mesmo diante da falta de demarcação da terras como indígenas, pela União, de acordo com o determinado pela Constituição Federal de 1988.
Em novembro de 2007, o Tribunal decidiu que não seria possível rediscutir perícia no estágio processual em que a ação se encontrava. Isso porque o relator já havia permitido que as partes no processo e o Ministério Público Federal apresentassem suas alegações finais.
O parecer do MPF sobre a ação data de abril de 2001. Nele, o procurador-geral da República à época, Geraldo Brindeiro, opinou pela procedência do pedido da Funai, com a declaração de nulidade dos títulos de propriedade de terras concedidos aos fazendeiros e agricultores.
ACO 312

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