terça-feira, 5 de outubro de 2010

STF e o colegiado

São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2010

Sessão de leitura no STF
CONRADO HÜBNER MENDES


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Fomos expostos a 14 horas de uma sonolenta sessão de leitura: a sessão pública do STF preserva um ritual, mas raramente altera o julgamento
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Mais de 14 horas foram gastas para que o Supremo Tribunal Federal decidisse sobre a constitucionalidade de um artigo da Lei da Ficha Limpa. Queríamos saber se essa norma seria aplicável ao processo eleitoral em curso.
A importância e a urgência do caso dispensam comentários.
O tribunal nos respondeu o seguinte: cinco ministros acham que sim, cinco acham que não. Como uma cadeira estava vaga, não houve como desempatar. Sem decisão, o caso foi arquivado.
Lembrei-me de bem-humorada passagem no final de um julgamento em maio de 2008 (ADI 3510, vídeo disponível no YouTube).
Entre risos de colegas, o ministro Eros Grau, minoria no julgamento, declarou: "Esse tribunal deu lições de serenidade hoje. (...) Aqui não há individualidade nenhuma, me considero integrado nesse todo (...)
Para mim não foi 6 a 5, para mim foi uma decisão do tribunal do qual eu faço parte, e não sou senão um pedaço desse tribunal".
Em seguida, o ministro Celso de Mello complementou: "O ministro Eros Grau tem toda razão quando diz que esse tribunal, considerado o princípio da colegialidade, há de proferir decisões como um todo orgânico. Aqui não há vencidos e não há vencedores. (...) Há apenas um debate legitimado pelo dissenso das ideias, ideias que foram expostas de maneira refletida, de maneira calma, de maneira tranquila".
São sintomas de esquizofrenia institucional, de cisão entre a realidade e a percepção da realidade. Posso estar errado no diagnóstico.
Sintomas, afinal, são só sintomas.
Talvez essas 14 horas tenham sido gastas num profundo debate, no qual, após intensa troca de argumentos e um esforço sincero para digerir as posições em jogo, cada ministro, apesar de tentar, não se convenceu. Preferiu abraçar-se a seu voto, que, a propósito, trouxe pronto do seu gabinete.
Na minha opinião, não foi isso o que vimos. Fomos expostos a 14 horas de uma sonolenta sessão de leitura. Era o texto escrito, não o ministro, que participava daquela sessão. Construímos um tribunal no qual o encontro entre os juízes passou a ser a parte menos importante do seu processo decisório.
A sessão pública preserva um ritual, mas raramente altera o julgamento. Tem sido quase irrelevante.
Como, pelo que sabemos, os ministros tampouco se encontram em privado para discutir os casos, o que nos resta é ouvir a leitura desta colcha de retalhos, soma de 11 (nesse caso, de dez) pedaços mal costurados. Efeito dessa curiosa colegialidade à brasileira. Enxergar nisso uma "decisão orgânica" soa como licença poética.
A cadeira vaga expôs uma ferida aberta há anos no Tribunal. Não se espera que uma corte, numa sociedade pluralista, alcance o consenso. O desacordo pode mostrar a vitalidade da discussão e a complexidade do tema.
Em muitas cortes do mundo, votos vencidos são evidências da qualidade da deliberação, não o contrário. São bem-vindos para o arejamento da argumentação jurídica.
A pluralidade de votos do STF, porém, indica fenômeno diverso.
Enraizou-se, ali, um excessivo apego à autoria individual e um desinteresse em produzir votos coletivos.
A boa técnica judicial pede, no entanto, desapego. Situações extremas podem resultar num impasse.
O que vimos nesse caso não foi uma situação extrema, mas cotidiana. Por azar, não havia ninguém para desempatar.
Tamanha irracionalidade se naturalizou no dia a dia da Casa. Ao contrário do que se disse, o STF é também responsável pelo impasse.
O tribunal precisa repensar seu modo de decidir. "De maneira refletida, de maneira calma, de maneira tranquila."

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