domingo, 2 de janeiro de 2011

Matérias sobre a Reforma do Processo Penal

Folha de São Paulo de 2 de janeiro de 2011

Novo processo penal amplia proteções, afirmam juristas

Avaliação é resultado de enquete da Folha com 23 pesquisadores da área

Alterações no código já foram aprovadas no Senado, mas ainda podem ser mudadas na Câmara dos Deputados

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

O principal mérito do projeto do novo Código de Processo Penal aprovado no Senado é tentar ampliar os direitos e as garantias dos infratores e das vítimas.
É o que revela enquete realizada pela Folha, que consultou 23 especialistas, entre criminalistas, juízes, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública.
O código ainda deve sofrer mudanças na Câmara e tem vários pontos polêmicos, como o juiz de garantias e a negociação de penas entre acusado e promotor. O texto pode frustrar a expectativa de que a impunidade e a morosidade da Justiça diminuirão com mudanças na lei.
"O projeto mostra o equilíbrio que deve haver entre a punição e a liberdade", diz o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. "Tem pontos positivos, mas não pode ter como foco essencial a celeridade com sacrifício das garantias individuais", diz.
"O projeto é bom ao formular a possibilidade de aplicação de medidas cautelares em lugar da prisão", avalia o criminalista Tales Castelo Branco. "É um conjunto de medidas intermediárias, entre a prisão preventiva e a liberdade provisória", diz o criminalista Gustavo Badaró. "Elas podem representar um avanço para diminuir o encarceramento preventivo", diz a advogada Ludmila de Vasconcelos Leite.
O criminalista Luiz Fernando Pacheco diz que a atuação do advogado na fase do inquérito policial foi finalmente regulada: "Estão previstos expressamente o contraditório e a ampla defesa".
O juiz Antonio Sbano, do Paraná, ressalta o papel que a vítima passa a exercer: "Ela pode se insurgir contra o arquivamento do inquérito policial ou propor a ação penal, caso o MP não o faça".
A defensora pública-geral Daniela Sollberger Cembranelli ressalva: "De nada adianta garantir-se a igualdade formal, o juiz equidistante e imparcial, se não se prevê a obrigatoriedade de que as pessoas que não podem contratar advogados estejam acompanhadas de um Defensor Público".
Para o juiz Luís Fernando Camargo de Barros Vidal, presidente da Associação Juízes para a Democracia, o projeto não responde à necessidade de igualdade de condições para todos. Ele acha "assustadora" a possibilidade de negociação de penas entre o promotor e o acusado.
"A mulher que furta shampoo vai cumprir pena, o criminoso contumaz vai negociar sua liberdade, e o grande picareta vai rir de todo mundo e continuar impune", diz.
Para o juiz Marcelo Semer, "a barganha entre promotor e defensor, condicionada à confissão, esvazia o sentido do processo penal".
A advogada Marina Dias, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, diz que isso "fragiliza o contraditório, o devido processo legal e o direito de defesa", colocando acusador e acusado em grau de igualdade.
O procurador da República Vladimir Aras, da Bahia, lamenta que o projeto não tenha simplificado o júri, tornando-o "compatível com a sua natureza de tribunal popular". O juiz aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch diz que "os jurados continuam a condenar ou absolver sem dar as razões e isso é obscurantismo medieval".
O procurador regional da República Wellington Saraiva, de Pernambuco, diz que o "projeto não deixou claro o poder investigatório do Ministério Público".
A procuradora regional da República Luíza Frischeisen, de SP, diz que "o CPP não enfrentou o papel do inquérito policial na investigação criminal". Para ela, o STF caminha para admitir a investigação pelo Ministério Público, sem o monopólio da polícia.
Folha de São Paulo 2 de janeiro de 2011

Juiz que atuará em inquérito policial divide opiniões

DE SÃO PAULO

A criação do juiz de garantias, principal inovação do Código de Processo Penal, divide as opiniões. Trata-se do juiz que atuará apenas no inquérito policial, enquanto outro magistrado julgará a causa. Dos 23 consultados, 13 são contra a medida; 7 são favoráveis e 3 não opinaram.
Segundo o juiz federal Sergio Fernando Moro, do Paraná, "perde-se na fase da ação penal todo o conhecimento que foi acumulado na fase de investigação, sendo necessário recomeçar do zero".
O juiz Leandro Katscharowski Aguiar, de Santa Catarina, diz que, "a mazela do Judiciário não está na falta de imparcialidade dos juízes". Para ele, "essa duplicidade de juízes poderá tornar a Justiça mais lenta".
"Cria-se o juiz de garantias para descontaminar o juiz investigador, fazendo do nosso sistema um imbróglio sem paralelo no mundo", diz o procurador da República Celso Três, de Santa Catarina.
Para o juiz Marcelo Bertasso, do Paraná, "a heterodoxa figura do juiz de garantias burocratiza o processo, torna-o mais lento e aumenta os custos, sobretudo em comarcas pequenas e médias".
"O juiz de garantia é desnecessário e inviável", diz o procurador Airton Barros, de São Paulo. "Nem o Ministério Público tem procuradores e promotores suficientes para o acompanhamento individual dos inquéritos."
O promotor Artur Forster Giovannini, de Minas Gerais, prevê atrasos e maior impunidade, principalmente em favor dos réus com melhores condições financeiras.
"O modelo, em si, não é de todo ruim, mas incompatível com o nosso sistema judicial", diz Jorge Costa, juiz federal de Minas Gerais.
"O projeto, em boa hora, introduz a figura do juiz de garantias, que nada mais é do que a bem sucedida experiência, iniciada em São Paulo há quase 30 anos, do Departamento de Inquéritos Policiais", diz o criminalista Alberto Zacharias Toron. "Preserva-se a imparcialidade do juiz da causa, que não atuou na fase investigativa", diz.
"É uma excelente mudança", diz o juiz federal Augustino Lima Chaves, do Ceará. "O juiz que autoriza medidas fortes muito raramente muda de opinião", diz. "Trata-se de importantíssimo mecanismo para assegurar a imparcialidade do julgador", diz o advogado Gustavo Badaró.
"É uma inovação muito importante", concorda Marina Dias, do IDDD. Leitura igual fazem o advogado Luiz Pacheco e o juiz Wálter Maierovitch. Para Daniela Cembranelli, "cabe ao Ministério Público a função de produzir provas, resguardando-se o juiz da função acusatória".

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