Conjur 9 de janeiro de 2011
ConJur — Qual o balanço que o ministro faz do seu primeiro ano na Presidência do STF?
Cezar Peluso — Fizemos um arranjo interno muito grande com a reestruturação da secretária judiciária, que é o coração do Supremo. Ela corresponde aos cartórios nos tribunais. O ministro Gilmar Mendes [presidente anterior do STF] já havia tomado essa iniciativa, e nós começamos a fazer isso em conjunto, dois ou três meses antes de terminar a gestão dele. Eu trouxe de São Paulo duas servidoras que conhecem profundamente o assunto. Modificamos substancialmente a secretaria, preparando-a para o processo eletrônico, porque daqui a alguns anos não vai haver mais papel.
ConJur — A corte está pronta para trabalhar com processo eletrônico?
Cezar Peluso — A secretaria judiciária está mais ou menos estruturada para essa transição. Já temos alguns feitos eletrônicos. As ações de competência originária entram de forma eletrônica, não vamos mais receber em papel. Também fizemos recentemente o plantão judiciário, que o Supremo não tinha. Durante os sábados, domingos e feriados, entre 9h e 13h, só recebemos petições eletrônicas, que são pedidos de Habeas Corpus, Mandados de Segurança, casos urgentes, todos distribuídos eletronicamente na hora. O ministro é comunicado e, esteja onde estiver, até no Afeganistão, de lá consegue visualizar a petição e os documentos, e pode despachar. O resto, que não é urgente, também pode ser protocolado, mas o pedido só vai ser distribuído na segunda-feira.
ConJur — Esse procedimento já está funcionando?
Cezar Peluso — Já está em vigor, foi uma portaria aprovada na última reunião administrativa [em dezembro]. Isso se deve a empenho nosso, levamos essa questão muito a sério. Chegou a haver uma ameaça de interferência, um risco de que isso não fosse aprovado no Senado, nós não sabemos bem de onde. A questão envolvia a nova forma de Agravo [implantada pela Lei 12.322, sancionada em dezembro]. Agora não tem mais Agravo de Instrumento contra decisões que não admitem Recurso Extraordinário. O Agravo se processa dentro dos mesmos autos do Recurso Extraordinário, e sobe junto. Isso significa que, quando o Recurso Extraordinário for interposto eletronicamente, o Agravo também vai ser processado eletronicamente. Nós resistimos, e o Senado aprovou. No dia da sanção, fomos até o Ministério da Justiça para participar do evento. O projeto foi do deputado Paes Landim (PTB-PI).
ConJur — A modernização dinamizou o trabalho?
Cezar Peluso — Foi o que aconteceu no caso de decisões que poderiam ser dadas monocraticamente em matéria de jurisprudência já pacificada no tribunal e reafirmada pelo Plenário. Em vez de o ministro decidir monocraticamente no papel, e essa decisão ficar sujeita a Agravo levado depois para o Plenário, agora ele pode decidir no Plenário Virtual. Todo mundo vota e acabou, não tem mais Agravo. Veja a economia disso.
ConJur — O ministro participou ativamente de algumas reformas, inclusive legislativas. Quais merecem destaque?
Cezar Peluso — Nós regulamentamos, de um modo um pouco mais específico, a repercussão geral. Também participei ativamente da discussão do Código de Processo Penal no Senado. Todas as nossas emendas foram aprovadas, com exceção de uma, que tratava da regulamentação dos Embargos Infringentes [recurso em que a parte pode pedir novo julgamento no tribunal quando perde por maioria apertada em uma turma ou câmara]. Houve uma divergência sobre a possibilidade de permitir o recurso só para réu ou também para o Ministério Público. Mas não é uma coisa tão relevante quanto as demais que foram aprovadas. Agora, vamos acompanhar na Câmara. Vou acabar de ver todas as propostas, e vamos apresentar outras. Se isso der certo, se tivermos fôlego para fazer isso — e eu espero que no meio de janeiro terminemos —, teremos interferido diretamente na revisão inteira do Código de Processo Penal.
ConJur — Por que o Código precisava ser atualizado?
Cezar Peluso — O Código que está em vigor é de 1941, e foi inspirado no Código italiano, do governo fascista. Está absolutamente desatualizado em relação à Constituição em vigor, com normas que o Supremo já declarou não recebidas pela ordem constitucional. Tem um visão muito autoritária no tratamento do Processo Penal. Já a nova versão é completamente diferente, leva mais em conta as garantias constitucionais do réu, mas não despreza os mecanismos que o Ministério Público e a Polícia devem ter nos inquéritos e na Ação Penal.
ConJur — Quais mudanças foram mais importantes?
Cezar Peluso — Simplificamos os recursos e os atos processuais. Conseguimos manter a inovação dos juízes de garantia, que é o juiz que fiscaliza o inquérito. A atividade do juiz que supervisiona o inquérito não pode ser usada pelo mesmo juiz para processar a Ação Penal. Nós separamos o juiz que vai cuidar do inquérito daquele que vai receber e processar a Ação Penal, para não haver perda de isenção. O juiz que acompanha o inquérito acaba, de algum modo, formando uma convicção. Quando ele vai processar Ação Penal, já não tem a isenção que se gostaria que ele tivesse. Essa novidade já funcionava, por exemplo, em São Paulo, com o Dipo [Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária]. Os juízes do Dipo não são juízes do processo. Não é uma norma de agrado geral. Quando se cogitou a mudança no Código, houve muita polêmica sobre o nome desse juiz, se seria juiz de garantia ou juiz do inquérito, por exemplo. Mas o nome não é importante. O importante é que ficaram claros os limites da competência dele.
ConJur — O novo Código prevê alguma mudança na tramitação dos inquéritos entre o Ministério Público e a Polícia, que muitos defendem que não tenha mais a intermediação do Judiciário?
Cezar Peluso — Isso ainda está sendo objeto de discussão. Sou favorável a uma simplificação desses trâmites. Perde-se muito tempo. Fizemos um levantamento aqui no Supremo. Sabe quanto tempo leva um pedido, por exemplo, de prorrogação de prazo, que chega ao Supremo, vai à Procuradoria-Geral da República, volta, e depois vai para a Polícia? Mais ou menos seis meses, ou mais. Na medida em que isso possa ser processado eletronicamente, o Judiciário não perderia nada caso a tramitação fosse direta, porque ele continuaria acompanhando tudo. E o que é papel do Judiciário, em relação a medidas que não podem ser tomadas pela Polícia sem autorização judicial, continuaria como está. O delegado teria de requerer ao juiz, e o juiz teria de decidir, de qualquer maneira. Mas está havendo certa perplexidade em relação a isso, que eu atribuo mais a uma questão de hábito, de cultura, do que propriamente a uma objeção consistente. Não há o mínimo perigo de o Judiciário perder o controle daquilo que é de sua competência. Mesmo assim, essa é uma das matérias que vai causar polêmica na Câmara dos Deputados.
ConJur — Qual a opinião do ministro em relação às mudanças no Código de Processo Civil, que também tramitam no Congresso?
Cezar Peluso — Há coisas muito boas para que os processos terminem mais rapidamente, e outras que precisam ser mais bem analisadas. O mesmo trabalho que nós fizemos em relação ao Código de Processo Penal, vamos fazer em relação ao Código de Processo Civil. Ainda não lidei com isso porque não tive tempo, mas quero interferir na discussão. A partir do começo do ano, quero contribuir. Se conseguirmos ajudar nos dois Códigos, já será uma façanha.
ConJur — O Supremo teve um ano agitado no campo jurisdicional. Que questões resolvidas pela corte foram mais importantes?
Cezar Peluso — A constitucionalidade da Lei de Anistia foi a mais importante delas. Socialmente, foi uma contribuição relevante do Supremo para uma pacificação de espírito na sociedade brasileira. Para que serviria hoje a apuração de responsabilidades se ela não pode ser usada para mais nada? Todas as ações estão prescrevendo, penais e civis. Para que rever esse assunto? Para efeitos históricos, é bom. Mas judicialmente não há interesse legítimo, é uma atividade inútil. Do ponto de vista pragmático, a repercussão social foi muito boa, acalmou as vozes discordantes que, no curso do tempo, não se levantaram mais. De outro modo, não se sabe bem até onde isso poderia chegar.
ConJur — Havia o risco de se começar uma "caça às bruxas"?
Cezar Peluso — Sim.
ConJur — O senador Pedro Simon (PMDB-RS) chegou a afirmar que o Supremo não punia políticos. A corte provou o contrário este ano?
Cezar Peluso — Logo que o senador disse isso, cerca de 15 dias depois, houve a primeira condenação [em maio, do deputado Zé Gerardo (PMDB-CE), por crime de responsabilidade]. Foram quatro políticos condenados este ano [os deputados Zé Gerardo (PMDB-CE), Cassio Taniguchi (DEM-PR), José Fuscaldi Cesílio (PTB-GO) — o Tatico —, e Natan Donadon (PMDB-RO)].
ConJur — O que falta para que a Lei da Ficha Limpa seja integralmente avaliada pelo Supremo?
Cezar Peluso — O que já foi julgado foi só uma alínea, entre várias outras que são objeto de polêmica, e vão chegar aqui e gerar discussão. O debate sobre a Lei da Ficha Limpa está em aberto. Mas uma coisa importante é que, mesmo discutindo apenas a alínea sobre a renúncia, todos os ministros se manifestaram a favor do propósito da lei, que é bem intencionada, correspondeu a aspirações populares e é muito legítima, muito justa. Todos nós reconhecemos isso. A discussão, porém, é a seguinte: é preciso ver se as boas intenções, quando se transformam em leis, estão de acordo com a Constituição. As pretensões populares só podem ser atendidas nos limites da ordem jurídica. As outras alíneas, inclusive essa sobre a renúncia, dependendo do próximo ministro que seja nomeado, podem ser revistas.
ConJur — Que outras questões foram marcos este ano?
Cezar Peluso — A decisão sobre liberdade de imprensa e liberação do humorismo na campanha eleitoral, a de não se precisar apresentar título de eleitor nas votações, o julgamento sobre a manutenção da prisão do banqueiro Salvatore Cacciola, a possibilidade de liberdade provisória para acusados de crime de tráfico e a conclusão pela não intervenção da União no Distrito Federal, todas são exemplos. Essa última acalmou as coisas, pois tudo o que era preciso promover em relação à corrupção foi feito, e a decisão não atrapalhou em nada. Outra decisão importante do Plenário foi a de que, na condenação por crime de tráfico, é admissível a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Isso ajuda muito a esvaziar as cadeias e a não punir os pequenos traficantes do mesmo modo que os grandes. Há mulheres pegas levando drogas para o marido, que não podem ter a mesma pena de um traficante profissional. Às vezes, a pessoa é ré primária, e é melhor não colocar na cadeia, para que não saia pior do que antes.
ConJur — Além da repercussão geral e da súmula vinculante, há alguma outra forma de fazer com que as decisões do Supremo sejam aplicadas desde o início aos processos?
Cezar Peluso — Há uma tendência do Supremo em dar uma certa força vinculante a decisões de caráter geral. Penso que, a médio prazo, nós vamos chegar à edição de uma norma, por meio de alguma reforma ou da edição de uma lei, que obrigue que as decisões do Supremo sejam aplicadas a certas causas, com os devidos requisitos, de maneira obrigatória, com a mesma força vinculativa que têm hoje as decisões nas ações objetivas de constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
ConJur — Existe essa possibilidade hoje?
Cezar Peluso — A corte tende a fazer isso por meio das Reclamações. Quando o tribunal fixa uma tese e entra uma Reclamação a respeito, não é necessário que o caso seja historicamente ou factualmente igual. O que interessa é a tese. Se a tese fixada não foi respeitada, o Supremo tende a atender à Reclamação. A longo prazo, isso significa que as teses fixadas são de aplicação obrigatória para o juiz de primeiro grau. Precisamos de uma norma desse tipo. Não é possível nem conveniente continuarmos com esse sistema em que, depois de longas discussões, o Supremo tenha que decidir duas, três, quatro, cinco vezes iguais, e a situação continua sendo decidida diferentemente nas primeiras instâncias. Isso cria um tratamento absolutamente injusto. Quem tem condições de levar um recurso no Supremo vai ter uma situação definida de uma maneira. Os que não conseguem, seja por deficiência econômica ou por deficiência da defesa, vai ter o problema, que é o mesmo, decidido em outro sentido. Até a discutibilidade tem limites. Há um momento em que as decisões da Suprema Corte têm que prevalecer de qualquer maneira. Vamos caminhar para um sistema em que a vinculação vai ser enorme.
ConJur — Mesmo súmulas vinculantes podem ser interpretadas.
Cezar Peluso — Depende do teor da súmula. Há certas súmulas que têm uma margem maior de interpretação, outras têm margens mais restritas. Depende, portanto, do caso que objeta a súmula. Isso não é um defeito da súmula. No caso da necessidade de algemas, o tribunal não poderia dizer: “olha, algema os suspeitos nos casos "a", "b", "c", "d" e "n". Podem acontecer várias coisas. A súmula se baseia em um princípio fixado, e a autoridade policial e o juiz vão examinar cada caso dentro desse princípio.
ConJur — Para negar a existência de repercussão geral de um recurso, requisito para que as causas cheguem ao Supremo, os ministros têm quase o mesmo trabalho que teriam para julgar o caso, já que precisam fundamentar essas decisões. Já a Suprema Corte dos Estados Unidos, por exemplo, não precisa justificar ao considerar que determinado recurso não tem a relevância necessária para ir a julgamento. Esse é um bom sistema?
Cezar Peluso — Sim. Trouxemos aqui um professor da Universidade de Columbia há mais ou menos um mês [Bert Huang,em novembro], para participar de um evento que fizemos em parceria com o Ministério da Justiça, discutindo a repercussão geral. Ele elogiou o procedimento da corte americana, dizendo que, na medida em que o tribunal acerta, não interessa por que ele acertou. Se manda subir um caso que ele acha importante, não importa por que ele mandou subir. Se acha que o caso não é importante e, portanto, não tem que ser conhecido, e se a sociedade também acha a mesma coisa, não importa porque achou. Mas isso não seria aplicável no Brasil hoje, porque o mecanismo, tal como está na Constituição, exige a justificativa.
ConJur — O Judiciário pode determinar ao Executivo que tome determinadas medidas em relação a políticas públicas?
Cezar Peluso — É difícil falar de um modo geral, depende do caso. A situação e o tipo da ação vão dizer até onde o Supremo pode ir sem se transformar em legislador positivo. Varia se for uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, um Mandado de Injunção ou um Mandado de Segurança. Dependendo da circunstância, o juiz pode estar avançando sobre uma função tipicamente administrativa. É o Executivo que sabe, de acordo com o seu orçamento, de acordo com as prioridades da população, se ele deve ou não construir, por exemplo, uma creche, e de que forma. Isso não é função do Judiciário. Mas, dependendo da particularidade de um caso, o tribunal pode tomar uma decisão assemelhada.
ConJur — O uso, pelo fisco, da penhora administrativa de bens sem autorização do Judiciário nos casos de execução fiscal, a princípio, fere garantias constitucionas?
Cezar Peluso — Não. Pode ser um caminho razoável, mas ainda se está fazendo pesquisas sobre isso. Isso pode ser aplicado desde que não fique negada a garantia de acesso ao Judiciário. Quanto menos a sociedade tiver necessidade de recorrer à Justiça, porque dispõe de outros canais de soluções, melhor é para todo mundo, para a sociedade e para o Judiciário.
ConJur — Diante das dificuldades que a penhora online tem criado, isso não seria temerário?
Cezar Peluso — Penhora online é outro problema, que merece uma disciplina muito melhor. Pode ser muito benéfica de certo ponto de vista, mas é maléfica de outro. A penhora online necessita de uma revisão legislativa. Há casos de penhora de contas pertencentes a pessoas que já não têm qualquer responsabilidade pelo caso que se executa. Uma pessoa que teve uma cota do capital de uma sociedade 20 anos atrás, e essa cota já passou por cinco ou seis gerações, não pode ser cobrada pela dívida de uma empresa que não tem patrimônio para satisfazer os devedores. O sujeito vira alvo só porque tem bens. Não se discute se tem responsabilidade ou não, se as cessões de cotas foram corretas ou não, ou se ele realizou o capital social ou não. Sei de casos como esse. Isso contraria vários princípios jurídicos.
ConJur — Se renunciar ao mandato, o parlamentar que responde a processo no Supremo por ter foro privilegiado, deve ser julgado na primeira instância?
Cezar Peluso — Essa foi outra das decisões mais importantes da corte. Quando julgamos isso [a remessa ao primeiro grau foi pedida pela defesa do ex-deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), acusado de peculato e formação de quadrilha, e recusada pelo STF em outubro], eu e mais dois ministros ficamos isolados. E eu avisei o tribunal: “se nós não tomarmos uma outra medida, vamos nos transformar em montadores de processo para juízes de primeiro grau”. O tribunal depois resolveu que a renúncia não pode deslocar o processo da origem. Essa foi uma decisão que me surpreendeu, fiquei satisfatoriamente surpreso com a reação do tribunal. Até o processo voltar e começar todo outra vez, ocorreria prescrição na certa.
ConJur — O CNJ pode atuar como poder correcional se as corregedorias dos tribunais não fizerem esse papel direito?
Cezar Peluso — Essa é uma questão que o Supremo ainda vai decidir. Eu acho que as corregedorias têm que ser prestigiadas, sob pena de ficarem inutilizadas e sobrecarregarem o Conselho. Quando se sustenta que a corregedoria não precisa agir porque o Conselho pode agir imediatamente, as corregedorias vão se atrofiar e não funcionar, o que gera consequências. O CNJ deve ter o poder de atuar diretamente em várias hipóteses. Por exemplo, quando a corregedoria toma o conhecimento e fica omissa, não faz nada. Ou então quando, embora tome conhecimento dos problemas, aja facciosamente ou de algum modo deixe de apurar como deve. Também nos casos em que houver suspeita grave de que a corregedoria ou os órgãos locais não sejam isentos para julgar, ou ainda quando a própria corregedoria possa estar envolvida nas acusações. Aí o CNJ tem que avocar esse papel, e atuar em primeira mão. Mas o princípio deve ser o de obrigar as corregedorias a exercer o seu papel de apurar as falhar e punir. Temos que obrigar os magistrados que são titulares de corregedoria, de poderes correcionais, a cumprir o seu dever. Isso é função do CNJ, estimular o cumprimento dos deveres, senão os próprios corregedores serão investigados em relação a suas responsabilidades. Essa é a grande pedagogia desse princípio.
ConJur — Para 2010, as metas do CNJ foram enxugadas, e mesmo assim não foram atingidas integralmente. Qual é sua avaliação?
Cezar Peluso — Os números não são relevantes em sentido absoluto. Não é porque se chegou a 60%, 50% ou 40% das metas que se pode dizer que o cumprimento foi ótimo ou ruim. O importante é o esforço que os tribunais fizeram, e de fato fizeram, para cumprir essas metas. Esse esforço significa mobilizar energias que estavam dispersas, mal aproveitadas, sem entusiasmo. As metas funcionam como um estímulo para a ação, e o importante é a ação. Não dá para fazer tudo. Algumas metas eram sabidamente inexequíveis. Uma delas, por exemplo, era que se gastasse menos, ou seja, a restrição do consumo de insumos como água, luz e telefone. Mas na medida em que o tribunal tinha que se empenhar para analisar diversos processos, tinha de aumentar o consumo. São necessárias sessões extraordinárias, maior gasto com pessoal, com papel. O esforço para tentar compatibilizar as duas metas mostra bem que, mais importante do que os números, foram as ações que os tribunais empreenderam. Como se chegou à conclusão de que ter muitas metas dispersa forças, os juízes preferiram se concentrar em menos metas.
ConJur — Ao ter como objetivo o efeito pedagógico de suas decisões, o CNJ tem aplicado sanções disciplinares com base em indícios de irregularidade, sem que haja provas concretas. A que isso se deve?
Cezar Peluso — Esse é o caminho do poder disciplinar em geral, ou seja, separar o que é crime e o que é infração administrativa e disciplinar. O fato pode até não ser crime, mas o mesmo fato pode ser uma grave infração disciplinar. Isso é o normal, sempre foi assim. Não há nada de novo.
ConJur — O juiz precisa ter um comportamento ético acima do dos demais cidadãos?
Cezar Peluso — Isso é o mínimo.
ConJur — O CNJ tem competência para investigar associações de juízes, como no caso das acusações de empréstimos sem autorização feitos pela Ajufer em nome dos seus associados?
Cezar Peluso — Associações de juízes são sociedades civis, mas isso não significa que, dentro de uma associação, alguns juízes possam praticar atos que, do ponto de vista funcional, possam ser considerados faltas disciplinares. O juiz pode ser membro da associação e praticar um ato que, se tivesse sido cometido fora da entidade, seria infração do mesmo modo. A associação é irrelevante. Na vida em geral, social, o juiz não pode ter um comportamento que se constitua falta disciplinar.
ConJur — Quando o CNJ decidiu que os juízes devem ter benefícios semelhantes ao do Ministério Público, como venda de férias, o órgão legislou, já que a lei prevê as prerrogativas para os promotores, mas não para os magistrados?
Cezar Peluso — Eu fiquei vencido nessa decisão. Acho que o CNJ legislou sim. Esse tipo de situação já rendeu uma súmula do Supremo, a 339, que diz não ser lícito ao Judiciário, sob o pretexto da isonomia, aumentar seus vencimentos.
ConJur — Algumas punições disciplinares aplicadas pelo CNJ foram parar no Supremo, que derrubou as punições em determinados casos. Que medidas do CNJ foram mais importantes?
Cezar Peluso — As ações afirmativas, os mutirões carcerários, os trabalhos de conciliação. Isso é mais relevante do que as questões disciplinares, que são pontuais na magistratura. Em 2010, tivemos 41 casos de punições disciplinares e 19 casos de aposentadorias. Ao todo, 60 casos. A magistratura reúne 16 mil juízes. E 60 casos em um universo de 16 mil representa menos de 1%. Dessas 41 punições, algumas foram levíssimas. O CNJ funciona também como um formador de cultura, como um catalisador. Ele não começa o processo, mas o acelera. É um catalisador de transformações positivas na magistratura.
ConJur — E para o jurisdicionado?
Cezar Peluso — O CNJ está fazendo um esforço no sentido de levar o Poder Judiciário às comunidades mais carentes. É a coisa mais importante que aconteceu no Judiciário nos últimos 20 anos. É a Justiça ocupando o espaço na ação do Estado, porque é um dos partícipes da ação estatal. Se as UPP’s no Rio de Janeiro, com a intervenção do Judiciário e dos outros órgãos que devem compor o sistema de Justiça, funcionarem, vão se transformar em um modelo de atuação do Estado em todos esses setores, o que representa uma transformação qualitativa extraordinária no país. Essa intervenção para mim vale por 50 gestões, por 500 ações afirmativas.
ConJur — Por quê?
Cezar Peluso — O Judiciário vai dar mais do que estabilidade nesses locais, vai trazer confiança aos cidadãos, que é um dos fatores determinantes de segurança, de tranquilidade, de certeza e, portanto, de justiça e pacificação. Parece uma coisa piegas, mas é uma verdade: um profeta do antigo testamento, Isaías, diria o seguinte: “a paz é fruto da justiça.” Isso foi transformado no lema do papa Pio XII, Opus Iustitiae Pax. Não é possível haver paz onde não há justiça. Mas onde há justiça, há muita condição de haver paz. Não basta que os outros agentes atuem bem. É preciso que o povo tenha consciência de que eles também são objetos de atos de justiça. E aí há grande probabilidade é de uma sociedade se pacificar.
ConJur — Esse é o resultado de se levar varas judiciais para dentro das comunidades carentes?
Cezar Peluso — E tudo que acompanha o Judiciário, que não é só o juiz. É também o cartório, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o tabelionato de notas, o registro civil. Essa foi a melhor medidados últimos 10 ou 15 anos, e tenho a impressão de que vai dar certo.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
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