sexta-feira, 23 de abril de 2010

Poder investigatório do MP

Valor Econômico 23 de abril de 2010
A prova está ligada ao fato objeto da investigação e não à autoridade que a coleta.Poder investigatório do MP, conquista da democracia

Por Antonio Carlos Bigonha
23/04/2010

A limitação dos agentes que podem investigar é um retrocesso às conquistas dos últimos 20 anos

A Constituição de 1988 fortaleceu o Ministério Público e renovou suas atribuições. A instituição passou a ser responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Constituição ainda atribuiu ao MP o controle externo da atividade policial e a promoção, com exclusividade, da ação penal pública. Essas duas atribuições estão intrinsecamente ligadas à atividade investigatória, a qual, por vezes, tenta-se subtrair do Ministério Público.

Com o novo texto, o Constituinte de 88 buscou coibir os desmandos do regime anterior. Para evitar os abusos praticados pela polícia, comuns no período da ditadura, instituiu-se o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. Contudo, esse controle não teria efetividade se o MP dependesse integralmente da investigação policial.

Diante da inércia da polícia ou da insatisfação com a prova produzida, os membros do MP devem investigar diretamente o fato, como forma de controlar a atividade policial. O poder investigatório do Ministério Público é, portanto, verdadeira cláusula de coerência do sistema constitucional e representa uma conquista democrática, pois aperfeiçoa o controle das instituições.

Além disso, os membros do MP, ao formularem a acusação, devem estar convencidos de que o denunciado é responsável pela prática de um crime. Para tanto, devem analisar as provas produzidas até aquele momento. Sendo assim, seria possível negar poder investigatório ao destinatário do resultado da investigação?

Por mais que a resposta possa parecer evidente, a questão ganhou os Tribunais e chegou ao Supremo Tribunal Federal. A matéria possui relevante interesse social e jurídico, tanto que o STF reconheceu a sua repercussão geral (RE 593727- 27/8/2009). O texto constitucional, embora tenha previsto que a investigação de crimes é atribuição da polícia civil e federal (CF/88, art. 144, § 4º), não monopolizou essa atividade. Assim, auditores do INSS, da Receita Federal, do Banco Central, do Ministério do Trabalho, os técnicos da Anatel e do Ibama, todos investigam a prática de delitos nas respectivas áreas de atuação, sem que essa atribuição seja questionada. Qualquer pessoa que tenha informação sobre um crime pode provocar a atuação do Ministério Público, fornecendo informações sobre o fato e sua autoria e indicando elementos de convicção (CPP, art. 27).

Essa pluralidade de agentes encarregados da investigação propicia um melhor combate à criminalidade organizada. Não seria lógico, e nem possível, que a polícia mantivesse em seus quadros servidores especializados nas mais diversas áreas, atuando na fiscalização constante de atividades cada vez mais específicas. Se não é viável excluir outros órgãos da administração da atividade investigatória, por que então excluir o Ministério Público, justamente o destinatário do resultado da investigação? Por que razão evitar que o membro do MP esclareça suas próprias dúvidas, determinando a realização de diligências, como lhe faculta a lei (CPP, art. 47)?

O que legitima a prova produzida na fase que antecede a instauração do processo não é a qualidade de quem a produz. A prova está ligada ao fato objeto da investigação e não à autoridade que a coleta. Não importa se o delito foi apurado pelo Delegado de Polícia, pelo Promotor de Justiça ou pelo Fiscal do Trabalho. Quem apura um crime não tem o condão de emprestar à prova, ou dela subtrair, elementos que lhe são intrínsecos. Daí porque a prova, produzida licitamente, deve ser recebida das mãos de quem a detiver, independentemente de ser a autoridade policial ou outro agente estatal.

É preciso lembrar que o inquérito policial não é o único veículo de colheita de elementos de convicção. O inquérito é, na verdade, espécie do gênero investigação e não é imprescindível ao oferecimento da denúncia (CPP, art. 39, § 5º e art. 46, § 1º). Existem situações em que o inquérito policial é dispensado, seja em razão do envio ao Ministério Público de dados suficientes à formação de sua opinio delicti, seja em face do levantamento de elementos de convencimento diretamente pelo órgão do MP.

Recente pesquisa realizada pela Polícia Federal revelou que 80% dos crimes comunicados à instituição não são esclarecidos. Isso quer dizer que apenas 20% das investigações conduzem à conclusão do inquérito, com a consequente remessa ao órgão do Ministério Público. São números alarmantes que demonstram, com eloquência imparcial, o fato de que a produção da prova, essencial ao oferecimento da denúncia, não pode estar restrita a uma única instituição do Estado.

Embora ainda não tenha se pronunciado definitivamente sobre a questão, o Supremo Tribunal Federal tem admitido a legitimidade da investigação feita diretamente pelo Ministério Público.

Por tudo isso, a investigação criminal não pode ser monopolizada por uma instituição, nem proceder por uma única forma: o inquérito. Nosso ordenamento jurídico não impõe tal restrição. A limitação dos agentes que podem investigar não contribui com a premente necessidade de combater a criminalidade. Ao contrário, representa verdadeiro retrocesso às conquistas democráticas dos últimos 20 anos.

Antonio Carlos Bigonha, procurador regional da República da 1ª Região, é presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

Um comentário:

Lúcia Matos disse...

TEXTO E ARGUMENTAÇÃO IRRETOCÁVEIS. DEVE SER INVESTIGADO COM TODOS OS RECURSOS DISPONÍVEIS DE CIDADANIA, EM SI MESMA, QUEM CONFRONTA SUAS PREMISSAS.

O BRASIL DO TERCEIRO MILÊNIO DE CRISTO É CABEÇA - JAMAIS CAUDA!