Folha de São Paulo 3 de abril de 2010
Juiz derruba patente de 2 genes nos EUA
Decisão envolve trechos de DNA nos quais mutações levam a câncer de mama e ovário; ONG e pacientes moveram ação
Empresa proprietária dos direitos já afirmou que vai recorrer; sentença pode afetar investimentos da indústria da biotecnologia
Uma decisão de um juiz federal dos Estados Unidos eliminou as patentes que protegiam dois genes ligados ao aparecimento de câncer de mama e de ovário. Se for mantida, a sentença pode abrir caminho para o questionamento de milhares de patentes envolvendo genes humanos, alterando todo o sistema de propriedade intelectual da área de biotecnologia.
A ACLU (União Americana de Liberdades Civis) e a Fundação de Patentes Públicas da Escola de Direito Benjamin N. Cardozo, junto com pacientes e organizações médicas, decidiram contestar as patentes em maio passado. Segundo eles, os genes, que são produtos da natureza, ficam de fora do âmbito de objetos que podem ser patenteados. O grupo também argumentou que a proteção patentária atrapalha a pesquisa e a inovação e limitava opções de teste para os pacientes.
Os genes em questão são o BRCA1 e o BRCA2, nos quais determinadas mutações levam a formas agressivas de câncer. A empresa Myriad Genetics, proprietária das patentes junto com a Fundação de Pesquisa da Universidade de Utah, argumentou que o ato de isolar o DNA do corpo humano transforma a molécula e a torna passível de ser patenteada. A empresa lembrou que esse tipo de propriedade intelectual tem sido concedido há décadas, e que a Suprema Corte americana havia considerado legais as patentes sobre seres vivos inteiros em 1980. Por isso, todos achavam que a decisão favoreceria os donos das patentes.
"Truque de advogado"
Contudo, na sentença de 152 páginas, Sweet afirmou que a proteção tinha sido "concedida de forma imprópria" porque envolvia uma "lei da natureza". Os críticos das patentes genéticas, declarou o juiz, veem a ideia de que isolar um gene o torna patenteável como "um truque de advogado que contorna a proibição do patenteamento direto do DNA no nosso corpo mas que, na prática, chega ao mesmo resultado".
O juiz argumenta que o importante num gene é a informação contida nele, o que não seria alterado pelo fato do isolamento em laboratório -daí a impossibilidade da patente.
O caso pode ter implicações amplas. Cerca de 20% dos genes humanos já foram patenteados, e lucros na casa dos bilhões de dólares derivam dos direitos de propriedade intelectual ligados a essas patentes. "Se uma decisão como essa se confirmar, haveria um impacto bastante significativo sobre o futuro da medicina", afirma Kenneth Chahine, professor-visitante de direito da Universidade de Utah que ajudou na defesa da Myriad. Ele lembra que a medicina está se tornando mais personalizada, com testes genéticos que diagnosticam doenças e determinam que remédio é mais adequado.
Para Chahine, empresas de biotecnologia que estão começando terão mais dificuldade para atrair investidores. "A indústria terá de ser mais criativa para manter exclusividade e atrair capital diante de patentes mais fracas", diz. A Myriad já afirmou que vai recorrer.
Uma das pacientes que moveu a ação contra a patente, Genae Girard, que tem câncer de mama e fez o teste para câncer de ovário, comemorou a decisão como "uma grande virada para todas as mulheres do país que têm histórico de tumores de mama na família". Já Chris Hansen, advogado da ACLU, declarou: "O genoma humano, como a estrutura do sangue, do ar ou da água, foi descoberto, não criado. Há uma quantidade interminável de informação nos genes à espera de novas descobertas, e as patentes genéticas criam barreiras inaceitáveis à livre troca de ideias".
James P. Evans, geneticista da Universidade da Carolina do Norte, aponta que as patentes não são essenciais para o avanço de áreas como os diagnósticos genéticos. Para doenças como a fibrose cística, em que não há uma patente em vigor, várias empresas estão lucrando com seus testes, afirma.
sábado, 3 de abril de 2010
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