Valor Econômico 7 de abril de 2010
Proposta de regulação da internet dá mais responsabilidade a provedores
O código regulatório da internet será colocado em consulta pública ainda nesta semana com um modelo inédito no mundo, que define as responsabilidades e os direitos de cada agente em divulgação de conteúdo na rede, principalmente quando houver dúvida quanto a autoria.
Conforme o texto que será divulgado pelo Ministério da Justiça, as empresas que hospedam conteúdo de terceiros terão de notificar - mesmo que por e-mail - quem colocou determinada informação no ar, se houver reclamação fundamentada de pessoa física ou jurídica que se sinta prejudicada. Imediatamente ao receber a denúncia, esse provedor de serviços deve tirar a informação do ar. Ela voltará a ser publicada se, depois de notificado, o autor se manifestar e assumir integralmente os riscos jurídicos daquilo que publicou na rede. Nesses casos, se houver discussão judicial futura, ela não citará o provedor, explica Guilherme Almeida, chefe de gabinete da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
Com a definição de um marco legal específico para a internet haverá maior amparo para juízes se definirem sobre temas da rede. Reduz-se, por exemplo, o risco de ocorrer algo como a decisão judicial de São Paulo, em 2006, que tirou do ar no Brasil, por 24 horas, o Youtube, por causa de um vídeo com cenas de intimidade da atriz Daniela Cicarelli e do ex-namorado Renato Malzoni. No mês passado, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve liminar da Justiça de Rondônia obrigando o Google a monitorar páginas difamatórias do site Orkut, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5 mil.
A saída brasileira proposta tem base na regra dos EUA "notice and take down", ou notifique e retire do ar. Mas lá o provedor tira o conteúdo criticado do ar apenas por reclamação de propriedade intelectual e não pode ser pedida a republicação pelo autor até que haja decisão judicial. No Canadá, há outro modelo, em que o provedor apenas notifica o autor, sem extrair o conteúdo, mas, a partir desse momento, também evita que o site de hospedagem vire réu em caso judicial. No Chile, onde lei similar foi elaborada mais recentemente, quem hospeda o conteúdo também notifica o autor, mas ele só tira a informação do ar com uma decisão judicial, explica Ivo Correa, diretor de relações governamentais do Google.
O modelo brasileiro inova, portanto, ao permitir que se atenda prontamente o pedido daquela pessoa que se sentir lesada, mas, principalmente, ao exigir tanto do lesado quanto do autor da informação que apresentem dados pessoais ao provedor. Com isso, no caso de uma disputa, o provedor apresentará as informações individuais à Justiça. A medida resolve a dificuldade de se relacionar determinado computador - que é identificável, mas por sistema sujeito a falhas - a um determinado usuário. Se o autor não se manifestar quando houver reclamação, o conteúdo simplesmente some. Isso pode ocorrer quando for informado e-mail falso ou sem uso, por onde o provedor o identifica.
Hoje, muitas empresas que não são do ramo eletrônico têm também adotado princípios da chamada Web 2.0, em que os internautas colaboram com conteúdo. A Petrobras, por exemplo, possui blog aberto a comentários. O marco definirá mais claramente as responsabilidades dessas empresas e como elas podem se proteger juridicamente contra conflitos que possam surgir a partir de comentários em seus sites, anônimos ou assinados.
Para Ronaldo Lemos, professor da FGV-RJ, especialista em direito digital que participou dos debates, há uma certeza de que o marco legal melhorará os negócios feitos no ambiente da rede. "Todo dia se vê uma condenação absurda no jornal e muitas vezes as decisões são contraditórias." A ausência de regras claras fazia com que o uso da rede começasse a ignorar o direito, diz Almeida.
Para ele, pela dinâmica da internet, o número de debates e discussões sobre conteúdo tende a crescer, por isso o marco legal tem caráter geral e abstrato, para posteriormente ser aperfeiçoado em decretos. Ficou fora do texto, por exemplo, a propriedade intelectual, que será tratada em outra lei, feita pelo Ministério da Cultura.
O documento será constituído por cinco artigos. O primeiro terá os princípios gerais da lei; o segundo, com direitos dos usuários, que garantirá, entre outros, a neutralidade da rede; o terceiro tratará do período em que os provedores de serviço deverão guardar informações (a chamada guarda de Log), que ainda não tem prazo definido, mas terá regras diferenciadas para cada tipo de dado; o quarto determinará as regras do "notice and take down" brasileiro; e o quinto tratará das diretrizes do governo para divulgar informações na internet, prevendo, entre outros temas, inclusão digital e transparência.
A discussão sobre o marco regulatório da internet surgiu de um projeto de lei de 1998 e aqueceu-se com substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que tratava de crimes na internet, em 2007. Mas se percebeu que antes de definir quais são os crimes, seria necessário esclarecer direitos e responsabilidades na rede, explica Sérgio Amadeu da Silveira, sociólogo e ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). "O governo ouviu a pressão da sociedade civil."
Para Almeida, o grande temor, ao se criar o marco, foi "engessar" a inovação na rede. "Por isso fizemos uma lei enxuta em que, na pior das situações, voltamos ao estado atual do Judiciário."
A lei será, como se diz no jargão de internet, uma versão Beta, diz Paulo Rená, o gestor do marco no ministério. "Terá como meta defender os direitos dos usuários e desafogar a Justiça."
Segundo Renato Opice Blum, advogado especializado em direito eletrônico, o Brasil já tem cerca de 20 mil decisões judiciais envolvendo crimes no meio eletrônico. Para ele, a solução apresentada é bastante positiva para os conflitos da internet, porque reduz os riscos dos envolvidos e traz uma lei específica da rede. Para Blum, as empresas com grande atuação na rede também poderão ter seus custos judiciais reduzidos.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
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