Folha de São Paulo 21 de abril de 2010
Corte permite a Uruguai manter fábrica ao lado de rio
DE BUENOS AIRES
A Corte Internacional de Justiça de Haia proporcionou ontem à Argentina uma vitória com sabor de derrota, ao anunciar sua decisão sobre o conflito do país com o Uruguai, em torno da construção de uma fábrica de celulose na margem do rio Uruguai.
O tribunal deu razão à reclamação argentina de que o Uruguai violou o tratado de gestão conjunta do rio, quando, sem o aval da Argentina, autorizou, em 2005, a empresa de origem finlandesa Botnia a instalar uma fábrica de celulose de seu lado do rio, valendo-se do leito para abastecimento de água e transporte do produto.
No entanto, a corte negou as sanções ao Uruguai requeridas pela Argentina, como o desmantelamento da fábrica; o ressarcimento de prejuízos econômicos supostamente acarretados pelo efeito poluente da empresa e a advertência ao Uruguai para não incorrer em novas violações do tratado.
A negativa às sanções baseia-se no fato de que, diferentemente do que argumenta a Argentina, a fábrica não polui o meio ambiente, segundo "constatou a corte, com base nas provas a ela submetidas".
A maioria dos 15 juízes que compõem a corte entendeu que o Uruguai cometeu uma violação "dos procedimentos" estabelecidos no tratado, ao não consultar a Argentina, mas não feriu "as disposições de fundo", que estabelecem o compromisso de ambos os países com a preservação do equilíbrio ecológico no uso do rio.
"Visto que o Uruguai não violou nenhuma das obrigações de fundo impostas pelo tratado de 1975, determinar o desmantelamento dessa instalação não seria, na opinião da corte, uma reparação adequada à violação de obrigações de natureza processual", diz a sentença.
Pelas mesmas razões, "a corte não acolhe a demanda argentina relativa à indenização de certos prejuízos em diferentes setores econômicos, notadamente o turismo e a agricultura, cuja existência o país alega".
O tribunal refutou ainda advertir o Uruguai de se abster de futuras violações ao tratado porque "em regra geral, não há por que supor que um Estado cuja ação ou comportamento foi declarado ilícito pela corte repetirá no futuro esse ato ou esse comportamento, já que deve-se presumir sua boa-fé".
Em Caracas, onde participou das comemorações do bicentenário da independência venezuelana, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, disse que a decisão de Haia demonstra que seu país "tinha razão" de acionar a corte. "De agora em diante, nada vai poder se instalar sem um forte monitoramento [em termos de meio ambiente]. É uma lição."
A disputa em torno do rio, desencadeada sob os governos Tabaré Vázquez (2005-2010) e Néstor Kirchner (2003-2007), criou tensão na relação bilateral, que o recém-empossado presidente uruguaio, José Mujica, procura eliminar.
O chanceler uruguaio, Luis Almagro, disse ontem que seu país "reafirma a mais ampla disposição de percorrer caminhos de diálogo, entendimento e apoio com a Argentina".
Parte da população de Gualeguaychú, na margem argentina do rio, no entanto, reagiu à sentença com a disposição de seguir com o bloqueio da ponte que liga os dois países, vigente desde 2006. O governo argentino vinha se abstendo de tomar ações para pôr fim ao bloqueio com o argumento de que aguardava a sentença de Haia -agora, deve ser pressionado por Montevidéu para garantir a livre circulação. (SA)
quarta-feira, 21 de abril de 2010
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