domingo, 18 de abril de 2010

Entrevista de Gilmar Ferreira Mendes - a despedida

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“O STF vem dando respostas corretas”, diz o ministro Gilmar Mendes

Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil


BRASÍLIA - Prestes a terminar um polêmico mandato de dois anos à frente do Supremo Tribunal Federal, afirma que sempre que falou “fora dos autos” o fez “na condição de chefe do Poder Judiciário”. Sobretudo em face de “críticas e chacotas” de autoridades e de políticos em relação a decisões judiciais. Em entrevista ao JB, destaca que o STF assume cada vez mais o perfil de Corte constitucional, e que o Judiciário – por meio do Conselho Nacional de Justiça – tem cortado na própria carne: “Se fôssemos fazer comparações com outros poderes, creio que essa é uma diferença notória”.

O senhor se realizou mais como presidente do Supremo ou como presidente do Conselho Nacional de Justiça?

– Tive bastante satisfação tanto como presidente do Supremo e como presidente do CNJ, e acredito que avançamos muito nas duas instituições. Acho que, hoje, o STF é cada vez mais reconhecido como uma autêntica Corte constitucional, que vem dando respostas corretas e adequadas às várias demandas a propósito dessa função. Tem decidido questões relevantíssimas para a vida institucional do país, como as da fidelidade partidária, das células-tronco, da Lei de Imprensa, e temas ligados aos direitos fundamentais, como os do direito de greve do servidor público e dos indígenas, no julgamento relativo à reserva Raposa Serra do Sol.

O STF caminha para ficar cada vez mais próximo, em termos de seleção dos temas constitucionais, da Suprema Corte dos Estados Unidos?

– Das cortes constitucionais em geral. Sem dúvida nenhuma, o paradigma americano tem peculiaridades, dada a ampla discricionalidade de que dispõe a Corte, inclusive para selecionar e fazer a sua agenda. Talvez isso nem seja desejável, em face do perfil e da complexidade de demandas que chegam ao STF. Mas estamos aplicando agora a nova fórmula aprovada pela Emenda Constitucional 45, a repercussão geral, que, de algum modo, é inspirada no modelo americano. Estamos reduzindo, significativamente, a massa de processos, e deixando de ser um tribunal de processos estritamente subjetivos, emprestando aos recursos extraordinários uma racionalidade objetiva. Estamos decidindo casos e temas de repercussão geral, e não apenas dando soluções para este ou aquele. Sobretudo em decisões com repercussão geral reconhecida em matérias tributária, administrativa e previdenciária. O tribunal não fica mais com aquele acúmulo de processos. Saímos de mais de 100 mil processos/ano distribuídos para algo em torno de 30/40 mil, o que é uma queda significativa, sem prejuízo da eficácia das decisões, sem que estejamos nos demitindo da tarefa de decidir questões importantes.

Nos julgamentos de ações de inconstitucionalidade e de descumprimento de preceitos fundamentais, são comuns críticas de parlamentares e do próprio presidente da República de que o Supremo, às vezes, extrapola sua competência e praticamente atua como legislador. Essas críticas se adensaram no seu mandato...

– Essa é uma crítica, em geral, muito comum e ela se faz em concreto, diante de uma dada decisão, ou em abstrato. É até um tema que remonta aos anos 30, e que vem sendo renovado ao longo dos anos, tanto pela doutrina, quanto pelos políticos em geral, que reclamam, às vezes, do excesso de intervenção dos tribunais. Mas se olharmos os casos concretos, vamos verificar que, em princípio, essas críticas não procedem. Veja-se um dos casos em que essa crítica foi mais enfatizada, o da fidelidade partidária. O STF decidira inicialmente, salvo engano, por 7 votos a 4, em 1989, que eventual infidelidade partidária não acarretava a perda do mandato. Quatro votos, portanto, foram averbados no sentido de que a infidelidade acarretaria a perda do mandato. Portanto, já naquela época, houve uma reflexão crítica por parte do tribunal. O julgamento esteve longe de ser unânime. E até houve um voto interessante, do ministro Francisco Rezek, que ficou vencido, mas admitiu que o futuro acabaria por dar razão à tese minoritária, que foi adotada, entre outros, por Paulo Brossard e Celso de Mello. Passaram-se os anos, e o que vimos? Nós vimos um excesso de transfugismo, com prejuízo para o próprio processo democrático. Quando se encerra um processo eleitoral, a população tomou decisões claras, elegendo pessoas para estarem na situação e elegendo outras para ficarem na oposição. Isso acabava sendo conspurcado logo após o pleito eleitoral com a mudança de posições. O que devemos dizer? Que o Supremo equivocou-se nesse caso? Acredito que não. Acho que aplicamos o princípio democrático em toda a sua dimensão. O que pode ter ocasionado isso? Talvez a demora na realização de uma reforma política, que é tarefa dos setores representativos da sociedade.

O senhor diria que, nestes últimos anos, de certa forma, o Supremo começou a promover uma reforma política?

– Acho que sim. Aí está o caso da fidelidade partidária. Alguns parlamentares dizem que talvez essa seja uma das decisões mais importantes já tomadas no que diz respeito à reforma política, nos últimos 25 ou 30 anos. Ou também quando o tribunal mandou aplicar a Lei de Greve, no que couber, às greves de funcionários públicos. Foi a inércia legislativa contumaz, por parte do Congresso, que fez então o tribunal reagir. E quando o tribunal reagiu? Diante de greves sistêmicas. Tivemos crises graves nos mais diversos setores, que ameaçavam a segurança pública, como as de policiais e do setor aéreo, no Cindacta – esta até com características de motim, com envolvimento de militares.

O que gostaria de ter feito como presidente do STF e como presidente do CNJ e que não teve tempo de fazer?

– Como presidente do Supremo, talvez ter dado uma dinâmica maior, mais intensa, ao julgamento dos casos de repercussão geral. Mas isso tem um ritmo próprio. Temos, muitas vezes, a precipitação de fatos políticos, eventos da vida política que determinam que haja a sobreposição de processos em relação ao programado. O ideal é que tivéssemos acelerado o ritmo das decisões relativas a demandas de repercussão geral, a fim de que houvesse uma maior repercussão na vida judicial como um todo. Quanto ao CNJ, tenho a impressão de que tocamos em pontos bastante importantes referentes ao planejamento estratégico, à necessidade de uma gestão gerencial, com maior racionalidade na aplicação dos recursos existentes. Mas, talvez, poderíamos ter tido um trabalho mais efetivo, de abrangência nacional, na área da infância e da adolescência, como o que está sendo realizado agora no sistema carcerário. Foi uma certa frustração.

No aspecto disciplinar, o CNJ afastou e/ou aposentou muitos magistrados nos últimos dois anos, cortando na própria carne, enquanto que o Congresso...

– Eu tenho dito que a grande novidade do CNJ é reconhecer que o Judiciário tem problemas e apresentá-los. Nós estamos identificando os problemas e, ao identificá-los, encaminhamos as soluções que entendemos adequadas. Não estamos isentos de falhas nem de erros, mas estamos assumindo integralmente as nossas responsabilidades. Se fôssemos fazer comparações com outros segmentos ou poderes, creio que essa é uma diferença notória. Nós tomamos o nosso destino nas próprias mãos. Mesmo quando se trata de temas em que temos, apenas, corresponsabilidade, como o do sistema prisional. Nós fugimos daquela desculpa comum de que esse assunto é de responsabilidade do Executivo ou de qualquer outro setor. Assumimos a nossa parcela de responsabilidade, como, por exemplo, no programa Começar de Novo, de reinserção social do apenado. Se libertamos pessoas – e libertamos mais de 20 mil nos mutirões carcerários – nós precisamos cuidar de sua reintegração. Aí dizem: “Ah, mas isso devia ser tarefa também do Executivo”. Mas nós não éramos estranhos a essa atividade e precisávamos assumir então a nossa responsabilidade. E por isso celebramos parcerias com os mais diversos setores, do governo e da sociedade civil, porque essa é uma tarefa de todos.

Voltando à punição de magistrados pelo CNJ, o presidente Lula, ainda no primeiro mandato, chegou a dizer que era preciso abrir a “caixa preta” do Judiciário. O CNJ abriu essa “caixa”?

– Talvez hoje haja mais transparência entre os poderes. Nós estamos, por exemplo, fazendo questão de apresentar tudo aquilo que diz respeito à própria estrutura orçamentária e financeira do Judiciário. Estamos entusiasmados, por exemplo, com o Sistema Integrado de Administração Financeira do Poder Judiciário (Siaf-Jud), pelos resultados que já colhemos, em termos de boa aplicação orçamentária e de fiscalização financeira. Esse controle interno, que ocorria só nos tribunais federais, passou a ser feito também no âmbito do Judiciário estadual. Acreditamos que se trata de uma contribuição decisiva para a reforma do estado no sentido amplo. Com a publicidade dos orçamentos e gastos dos tribunais melhoram os sistemas de controle, por exemplo, do cumprimento dos tetos salariais.

O senhor deixa a presidência do STF num momento que o presidente Lula e pessoas a ele ligadas reagiram às multas aplicadas pela Justiça eleitoral ao presidente, por propaganda antecipada da candidata à sua sucessão. O Marco Aurélio Garcia refutou comentários que o senhor fez, e disse que o magistrado só deve falar nos autos. Nestes dois anos, o senhor falou muito fora dos autos...

– Tenho a impressão que temos que fazer uma distinção. Enquanto julgador, num dado processo, é evidente que temos de nos ater a esse modelo que, eu diria, não só é legal como litúrgico, ou seja, não antecipar nossa opinião sobre a causa. Tanto é que a Lei Orgânica da Magistratura e as leis processuais consagram a ideia de impedimento ou suspensão quando há antecipação de julgamento. Não é disso que se cuida quando nós estamos a falar do presidente do Supremo Tribunal Federal, que tem hoje, de forma efetiva, a responsabilidade de coordenar o trabalho de todo o Judiciário, que ele representa e chefia. Trata-se, portanto, de um poder, e ele tem uma missão política e institucional diferenciada. Quando se discute se a uma dada autoridade seria autorizado, seria dada a possibilidade de fazer críticas, chacotas, em relação a uma decisão judicial, fazer brincadeira em relação a uma decisão judicial, pergunta-se: É admissível ou não que o chefe do Poder (Judiciário) faça reparos a esse tipo de conduta? Que ele clame pelo cumprimento das decisões judiciais? De resto, não é nenhuma atitude diferente daquilo que temos adotado rotineiramente. A Constituição prevê, por exemplo, intervenção estadual quando alguém no estado, até o governador, descumpre uma decisão judicial. E nós temos cobrado a observância de decisões judiciais no que diz respeito a reintegração de posse ou a precatórios. Portanto, é apenas isso. Todos podem criticar uma decisão judicial. Mas quando se dá a entender que o político não pode estar submetido à decisão de um juiz, aí já me parece que se está a desenhar um outro modelo, que talvez não seja o modelo que nós temos. Mas, nesse caso, não se trata de mudar apenas a lei, não. Trata-se, talvez, de mudar a Constituição. Se alguém diz que os políticos não devem submeter-se às decisões da Justiça eleitoral, talvez se esteja querendo criar um outro sistema. E aí eu tenho dúvidas de se as cláusulas pétreas da Carta de 1988 permitem isso. É possível fazer uma emenda constitucional para deixar os políticos livres de qualquer censura judicial? Parece-me que não.

O senhor está dizendo que censurou no momento oportuno...

– Eu tenho a impressão de que sim. Falei na condição de chefe do Poder Judiciário, portanto num debate político de alto nível, sem fazer nenhum outro reparo.

O senhor falou em intervenção federal. A propósito, O senhor vai deixar a presidência do Supremo sem encaminhar ao plenário o pedido de intervenção federal no Distrito Federal?

– São temas, em geral, muito complexos, que demandam cuidado e sensibilidade política, que precisam do devido monitoramento. E, aliás, não é apenas esse pedido de intervenção que nós temos. O ideal é que a intervenção seja aquele instrumento que, tanto quanto possível, estimule os segmentos envolvidos e os demais setores a se aproximarem mais e mais da Constituição. É por isso que estamos pedindo todas as informações e tomando as cautelas necessárias. O processo estará devidamente instruído para que o ministro Peluso lhe dê prosseguimento, se for o caso.


17:01 - 17/04/2010

2 comentários:

Lúcia Matos disse...

Admirável homem da Lei terrena, sem dúvida! Quanto à INTERVENÇÃO FEDERAL EM BRASÍLIA-DF, só DEUS NA CAUSA. ELE JÁ ESTÁ. O TEMPO É SÓ UM DETALHE.

Lúcia Matos disse...

Admirável homem da Lei terrena, sem dúvida! Quanto à INTERVENÇÃO FEDERAL EM BRASÍLIA-DF, só DEUS NA CAUSA. ELE JÁ ESTÁ. O TEMPO É SÓ UM DETALHE.