O Prof Farlei Martins da Ucan e doutorando de direito da Puc-rio envia a seguinte matéria sobre o crucifixo na Alemanha. Debate que hoje ganha envergadura hoje no Brasil
Deutsche Welle
10.08.2009
1995: Tribunal Constitucional alemão proíbe crucifixo em salas de aula
Em 10 de agosto de 1995, corte suprema anunciava que a presença de
crucifixos nas paredes das salas de aula fere o princípio da liberdade
religiosa na Alemanha. Decisão provocou resistência calorosa na católica
Baviera.
Munique, setembro de 1995. Na praça Odeonplatz, 30 mil pessoas se espremem
diante de uma cruz com quatro metros de altura. Bispos e políticos fazem
discursos inflamados. "A cruz fica!", repetem os manifestantes.
O conflito sobre o crucifixo começara em fevereiro de 1991. Um casal
sino-alemão, cuja filha de dez anos freqüentava uma escola em Bruckmühl, na
Baviera, prestou queixa à direção do colégio. O motivo: o crucifixo sobre o
quadro negro. Afinal, a filha deveria ser educada numa perspectiva
ideológica neutra, argumentaram os pais. A direção não aceitou a
justificativa e manteve a cruz.
Odisseia pelos tribunais
O casal levou o caso ao Tribunal Administrativo de Regensburg. O
requerimento foi rejeitado. Os pais da menina não se deixaram abater e
recorreram às instâncias superiores. Mais de quatro anos depois, em 10 de
agosto de 1995, o Tribunal Federal Constitucional, em Karlsruhe, declarou: a
instalação de crucifixos nas salas de aula das escolas públicas fere a Lei
Fundamental.
Afinal, o artigo 4º, parágrafo 1º, diz: "A liberdade de crença, consciência
e a liberdade de confissão religiosa e ideológica são invioláveis".
Liberdade de recusar uma convicção religiosa
Em sua sentença sobre o crucifixo, o Tribunal Federal Constitucional
interpretou que a Lei Fundamental respalda não só a liberdade de se optar
por uma religião, mas também a de recusar uma convicção religiosa e
ideológica. A decisão propriamente dita já havia sido tomada em 16 de maio
de 1995 pelo voto de cinco juízes contra três. "O uso de crucifixos nas
salas de aula ultrapassa o limite da orientação ideológica e religiosa na
escola", sentenciou a corte suprema da Alemanha.
A decisão não atingiu apenas o fato em si de se pendurar crucifixos nas
salas de aula. O tribunal declarou inconstitucional sobretudo o decreto
estadual que determinou a instalação das cruzes nos colégios bávaros. Bispos
e políticos reagiram indignados na Baviera, o Estado com a mais fervorosa
população católica no país. Procissões, passeatas e atos públicos se
sucederam.
Direitos das minorias e maiorias
Não só os políticos bávaros protestaram. A sentença provocou um debate
nacional sobre a separação entre Estado e Igreja. Em pesquisas de opinião, a
maioria dos alemães declarou ver na cruz um símbolo da representação da
própria cultura e dos próprios valores.
O então chanceler federal Helmut Kohl igualmente criticou. "Trata-se da
tradição cristã de nosso país. Não aceito de forma alguma que o assunto seja
formulado e decidido desta forma."
Supremo sob críticas
A corte de Karlsruhe defendeu-se da descompostura dos políticos. A
independência do tribunal precisa ser preservada, advertiu o vice-presidente
da instituição, Johann Friedrich Henschel.
"As declarações de certos políticos, no sentido de desobedecer ou resistir à
decisão dos juízes, se fundamentam na máxima de que não se deve seguir a Lei
quando ela não lhe convém. Se isto fizer escola, estaremos abandonando as
bases do Estado de direito", contra-atacou Henschel.
O "jeitinho" bávaro
O governo bávaro resolveu contornar a sentença federal e elaborou uma nova
lei estadual, para garantir a presença dos crucifixos. Poucos meses depois
do pronunciamento em Karlsruhe, a maioria parlamentar da União Social Cristã
(CSU) aprovou: "Considerando o cunho histórico e cultural da Baviera, toda
sala de aula terá um crucifixo."
A lei prevê que, se os pais de algum aluno contestarem a presença da cruz
por "sérios e compreensíveis motivos de crença e ideologia", a direção da
escola terá de tentar um acordo amigável. Caso isto não aconteça, uma
instância mediadora terá que solucionar o conflito.
Ou seja: enquanto os juízes de Karlsruhe determinaram a retirada do
crucifixo, caso uma única criança, pai ou mãe fosse contra, a lei bávara
colocou a opinião da maioria no centro da questão. Na ótica de Munique,
tolerância deve ser praticada sobretudo pelas minorias.
Três partes levaram a nova legislação ao Tribunal Constitucional Bávaro –
entre elas, os pais da queixa original. Em vão: em 1997, a corte declarou a
regulamentação constitucional. Em abril do mesmo ano, o Tribunal Federal
Administrativo, em Berlim, confirmou a sentença. E, em agosto, o Tribunal
Federal Constitucional rejeitou o recurso dos reclamantes, sem julgar o
mérito. A cruz ficou.
Julie von Kessel (mw)
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
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