quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A Corte Suprema Argentina e a política de drogas

Folha de São Paulo, quarta-feira, 26 de agosto de 2009



Justiça da Argentina descrimina porte de drogas para consumo
Decisão corrobora projeto que governo pretende enviar ao Congresso, no qual usuário não é considerado criminoso

Juízes ressaltam que Estado não deve se envolver em decisões individuais; mães de dependentes, igreja e vários setores protestam



A Suprema Corte de Justiça da Argentina decidiu ontem, por unanimidade, que o porte de drogas para consumo não é crime. A sentença se refere à causa iniciada na cidade de Rosário (a 306 km de Buenos Aires) envolvendo cinco rapazes detidos quando caminhavam pela rua levando nos bolsos cigarros de maconha.
Com a decisão, a Suprema Corte indica às instâncias inferiores da Justiça sua interpretação favorável à descriminação do usuário de drogas e corrobora projeto de lei nesse sentido que o governo pretende enviar ao Congresso.
Antes do voto, os juízes chegaram a acordo sobre a causa-modelo para a abertura do precedente. O objetivo era deixar claro que a corte julga inconstitucional a tipificação como crime do consumo feito em ambiente privado e sem oferecer riscos a terceiros. Ou seja, os juízes ressaltam que não cabe interferência do Estado em decisões de foro íntimo.
Foram descartados pela corte os processos que envolviam menores de idade, substâncias mais nocivas do que a maconha ou quantidades maiores da droga, consumo em local público, indícios de vício ou suspeita de ligação com o tráfico.
Estima-se que haja cerca de 26 mil causas em andamento na Justiça argentina por infrações à lei de entorpecentes. Em torno de 70% desse total seriam relacionados ao consumo e não ao tráfico de drogas.
A corte escorou a decisão de ontem no argumento de que "é desumano penalizar o indivíduo [usuário de drogas], submetendo-o a um processo criminal que o estigmatizará por toda a vida", mas ressaltou o caráter criminoso do tráfico e a necessidade de combatê-lo.
No Brasil ainda é crime portar drogas para consumo, mas desde 2006 existe maior tolerância, e o usuário não vai preso. A lei brasileira prevê como penas advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços comunitários e medidas educativas.

Reações
"A política repressiva que se destinava a castigar o usuário como se fosse um narcotraficante está chegando ao fim, por razões óbvias: não reduziu um único hectare de cultivo em nenhum lugar do mundo, nem reduziu uma única rede de comercialização e tráfico", declarou Aníbal Fernández, chefe de gabinete da presidente argentina, Cristina Kirchner.
Já as reações contrárias à decisão exibiam uma preocupação em comum -a de que a descriminação do usuário se converta num incentivo ao consumo de drogas.
Mães de dependentes químicos protestaram, exibindo faixas em frente à Suprema Corte. A Igreja Católica considerou a decisão prejudicial, bem como a Prefeitura de Buenos Aires.
De acordo com o instituto privado de pesquisa Ibarômetro, 53,7% dos argentinos são contra a descriminação do consumo de drogas.

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