quarta-feira, 26 de junho de 2013

O STF e mudança de rota

Valor Data26/06/2013


Posse no STF em dia de protesto consolida mudança de rota

Por Juliano Basile
De BrasíliaA posse de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF), às 14h30 de hoje coincide com a manifestação de mais de 50 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, segundo previsão da Polícia Militar.



"Fico feliz de chegar a um cargo no poder público com a juventude e o povo na rua. Essa é a energia que move a história", afirmou o novo ministro. Enquanto ele tomar posse, haverá um cerco em frente ao Congresso pelo qual a polícia espera conter os manifestantes que tentarem descer a pista rumo à Praça dos Três Poderes, onde está localizado o STF.



A cerimônia também consolida um movimento que teve início na Corte há exatos dez anos, quando assumiram os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso. Desde a inédita tríplice posse no tribunal, em 25 de junho de 2003, o STF passou a deixar de lado as decisões tecnicistas para colocar em prática sentenças humanistas, mais próximas dos anseios da população.



Com 30% das intenções de voto para a Presidência da República entre os manifestantes, Barbosa sucedeu a cadeira de Moreira Alves, um ministro nada popular. Alves não admitia que o STF fizesse intervenções duras em assuntos discutidos no Congresso nem tomasse decisões inovadoras em temas de grande importância econômica e social. Foi a partir da aposentadoria de Alves, o ministro mais importante do Supremo na redemocratização do país, nos anos 1980 e 1990, que o tribunal passou a interferir na vida política, econômica e social do país.



Barbosa proferiu votos que levaram o tribunal a adquirir um papel de protagonista em grandes questões políticas e sociais, como a condenação de políticos no mensalão e o reconhecimento de cotas para negros, índios, deficientes físicos nas universidades. Na avaliação dele, havia um temor reverencial de muitos integrantes do STF com Alves, razão pela qual eles evitavam tomar decisões inovadoras. Esse temor ficou claro no último grande julgamento da Corte de Moreira Alves: a acusação de racismo contra Sigfried Ellwanger, um editor que vendeu livros com propaganda antissemita no Rio Grande do Sul. Alves votou a favor da concessão de habeas corpus ao editor, alegando uma questão técnica: que os judeus não se consideram raça, mas povo e, dessa forma, não haveria o crime de racismo. Maurício Corrêa, então presidente do STF, votou contra o editor. Contrariado, Alves sugeriu que Corrêa copiou trechos de um parecer do professor da USP Celso Lafer. Houve um mal estar no STF, contornado por um pedido de vista de Gilmar Mendes.



O julgamento foi retomado um dia depois da tríplice posse, em 26 de junho de 2003. Foi o primeiro caso julgado pelo STF pós-Moreira Alves e a diferença de entendimento foi brutal. O STF condenou a prática de racismo e a partir daquele julgamento houve uma série de decisões de caráter humanista.



"O Supremo mudou completamente", disse Peluso. "Era uma Corte mais passiva, que decidia assuntos mais rotineiros. Já a Corte de agora passou a decidir as questões mais importantes para a sociedade", avaliou o ministro que se aposentou no ano passado do STF e acaba de lançar um livro sobre os últimos dez anos da Corte. Para Peluso, o tribunal foi convocado para desempenhar um papel mais ativo e de concretização efetiva de direitos. "A pretexto de certo ativismo judicial, a última década foi a mais rica do tribunal", sentenciou.



"Hoje, temos outra Corte", enfatizou Ayres Britto, relator de diversos casos em que o STF foi além do texto rígido de leis para garantir direitos previstos na Constituição, como a autorização para pesquisas com células-tronco e a demarcação de terras indígenas na Amazônia. Para Britto, o STF adotou uma postura ativa, "tornando-se um militante da Constituição". "A nossa Constituição é humanista, democrática, contemporânea, eminentemente antipreconceituosa. É uma Constituição densamente principiológica para se adaptar aos novos fatos e ideias. O Supremo passou a vitalizar mais a Constituição, tornando o que ela é num projeto de estruturação da sociedade como um todo."



Barroso vai assumir justamente a vaga deixada por Britto e é apontado como um integrante da linha de pensamento humanista de seu antecessor. Segundo ele, nas décadas de 1980 e 1990, havia ministros que foram nomeados pelo regime constitucional anterior, de 1967, mais preocupados com a manutenção das instituições do que com o avanço na garantia de direitos essenciais aos cidadãos. Essa situação começou a mudar com a posse de ministros de visão mais humanista sobre o papel do tribunal. "Ministros como Celso de Mello e Sepúlveda Pertence mudaram essa percepção do STF como um departamento. O tribunal passou a ser visto como um Poder", resumiu Barroso.



Para Carlos Velloso, que integrou o STF entre 1990 e 2006, a Corte de Moreira Alves foi necessária. "Ela fez a transição de uma Constituição autoritária, a de 1967, para a mais democrática do país, a de 1988", constatou Velloso. "Nós podemos até divergir da interpretação do STF, mas as decisões são tomadas de acordo com o seu tempo e devem ser respeitadas", completou. Como exemplo, ele cita o julgamento que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. A Constituição é expressa, no artigo 226, ao reconhecer "a união estável entre o homem e a mulher" e, por isso, dificilmente, o tribunal tomaria, nas décadas de 1980 e 1990, uma decisão para avançar além do que diz o texto da Carta de 1988. Mas, em maio de 2011, o STF interpretou a Constituição de modo a reconhecer como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo. Barroso foi advogado daquela causa e saiu vitorioso.



Para Pedro Gordilho, advogado que atua no STF desde 1960, Barroso deve se tornar um dos líderes "dessa linha humanista que muitos chamam de neoconstitucionalista". Os neoconstitucionalistas são juízes mais preocupados com os princípios gerais do direito do que com as regras secas das leis. São juristas mais ativos e Barroso certamente será um deles, quando assumir a cadeira de Britto, hoje, em meio a protestos populares próximos ao STF.

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