sábado, 11 de maio de 2013

Crime permanente




Folha 11 de maio de 2013

Análise - Ditadura e justiça
Tese de crime permanente não afronta o STF

 Entendimento do Ministério Público nos casos de desaparecimentos é que a ação criminosa ainda não se exauriu
 OSCAR VILHENA VIEIRAHELOISA ESTELLITAESPECIAL PARA A FOLHA
Tramitam na Justiça Federal diversos casos que buscam responsabilizar penalmente violações perpetradas durante o regime militar, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido pela plena validade da Lei da Anistia. Brilhante Ustra é o principal personagem em algumas dessas iniciativas.

A estratégia do Ministério Público nessas ações não é confrontar o STF, mas perseguir outra linha de argumentação. Por meio do entendimento de que se tratariam de crimes permanentes, reivindica que, nos casos de desaparecimentos, a ação criminosa que começou no regime militar ainda não se exauriu. Logo, o crime ainda estaria sendo praticado.

As responsabilidades, dessa forma, poderiam ser definidas, sem com isso afrontar a Lei de Anistia ou a decisão do Supremo.

As novas ações propostas pelo Ministério Público no país encontram eco na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Conforme decidido no caso Gomes Lund y Otros ("Guerrilha do Araguaia") vs. Brasil, a corte abordou a questão do crime permanente para reafirmar a jurisprudência contida na Convenção Interamericana sobre Desaparição Forçada de Pessoas.

Um dos elementos para essa decisão é a "negativa de reconhecer a detenção e revelar a sorte ou paradeiro da pessoa afetada", que certamente implica permanência, enquanto perdurar a negação.

Isso, claro, para os fins e à luz dessa normativa internacional.
Note-se que a conduta de negar o reconhecimento da detenção e a de deixar de revelar o paradeiro da pessoa desaparecida não estão definidas como criminosas no direito penal vigente no Brasil. Isso, porém, não significa que o sequestro, vigente na lei penal brasileira, não possa configurar crime permanente.

Embora o STF tenha a tendência de buscar reafirmar sua jurisprudência, ainda mais num caso que foi objeto de tanto debate e desgaste para o tribunal, o fato é que há pelo menos três elementos novos a serem levados em consideração.

O primeiro é a mudança da composição do tribunal. Com o ingresso recente de um ministro e a chegada de um novo nos próximos dias, o balanço pode se alterar.

Há também um mal-estar, ainda presente, que decorre do conflito entre a decisão do STF e reiteradas decisões da Corte Interamericana.

Há, por fim, a atuação da Comissão Nacional da Verdade, que pode alterar a percepção da opinião pública em relação àqueles que cometeram crimes contra os direitos humanos. Como aprendemos nos últimos anos, o STF é sintonizado com as demandas da sociedade brasileira.

OSCAR VILHENA VIEIRA e HELOÍSA ESTELLITA são professores da Direito da Fundação Getulio Vargas

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