sexta-feira, 25 de março de 2011

Ficha suja e o STF

Valor Econômico
Judiciário: Única decisão tomada até agora pela Corte refere-se à sua aplicação nas eleições de 2010
Constitucionalidade da Ficha Limpa será questionada no STF
Juliano Basile | De Brasília
25/03/2011A discussão a respeito da Lei da Ficha Limpa apenas começou no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros decidiram somente que a lei deve ser aplicada a partir das eleições de 2012. Ou seja, que não valeu para as eleições de 2010. Resta ainda discutir ponto a ponto as restrições que a Ficha Limpa trouxe à classe política.

"Ainda é preciso analisar caso a caso", resumiu o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Ricardo Lewandowski. "O Supremo tomou apenas uma decisão de que a lei não vale para as eleições de 2010, mas o tribunal não se pronunciou sobre a constitucionalidade da lei e poderá fazê-lo até 2012", completou.

Na tarefa de definir a validade da lei para as próximas eleições, os ministros do STF vão enfrentar pelo menos dois temas centrais que são capazes de dividir a Corte.


O primeiro é como fica a aplicação da Ficha Limpa frente ao princípio constitucional da presunção da inocência. Por ele, todos são inocentes até que se prove o contrário. Mas, pelos critérios da Ficha Limpa, se um político foi condenado por um órgão colegiado da Justiça (formado por mais de um juiz), ele não poderá se candidatar. Caberá aos ministros do STF dizer se, mesmo podendo recorrer contra a condenação da Justiça, os políticos estão mesmo proibidos de concorrer às eleições.

Outro tema central é se a lei tem efeitos sobre fatos que ocorreram antes de sua aprovação. A Ficha Limpa trouxe 15 novas previsões de inelegibilidade de políticos. São fatos passados que, a partir da lei, passam a valer para impedir que eles se candidatem. Por exemplo, quem foi condenado por crime contra os cofres públicos, não pode concorrer às eleições por oito anos. O mesmo vale para quem foi condenado por crime contra a saúde pública, o meio ambiente, lavagem de dinheiro e para os crimes contra a vida ou a dignidade sexual. A discussão será definir se um político pode perder o direito de se candidatar por crimes acontecidos no passado, quando não existiam as vedações da Ficha Limpa.

Durante o julgamento de Joaquim Roriz, que foi candidato ao governo do Distrito Federal, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, criticou essa aplicação retroativa da lei. Para Peluso, a lei não pode retroagir para tirar um direito de alguém com base em restrições que ainda não existiam quando essa pessoa teria cometido o suposto ilícito. Fazendo uma analogia às leis penais, Peluso disse que os cidadãos têm o direito de saber se a conduta deles é ou não passível de restrição de direitos deles mesmos.

Neste ponto, a Lei da Ficha Limpa estaria retroagindo. A lei fez, por exemplo, que a renúncia do então senador Jáder Barbalho, em 2001, levasse o TSE a determinar a sua inelegibilidade em 2010. O problema é que, em 2001, essa previsão de que ele seria inelegível simplesmente não existia. Foi algo acrescido pela Ficha Limpa em 2010.

Se a votação a respeito do prazo de validade da lei (a partir de 2010 ou 12) levou a um placar de seis a cinco, no STF, esses temas também devem levar a novas divisões na Corte. A discussão sobre a presunção da inocência e a de aplicação retroativa da lei certamente vai gerar grandes embates entre os ministros, pois, a partir delas, será definido se as 15 novas previsões de inelegibilidade terão validade ou não. "Por enquanto, a Ficha Limpa está em pleno vigor", disse Lewandowski. "Mas, a lei não está imune a futuros julgamentos", advertiu.

Segundo o presidente do TSE, a Justiça Eleitoral deverá seguir a posição definida pelo STF e aceitar os recursos de políticos que perderam os mandatos por força da aplicação da lei para as eleições de 2010. Com isso, haverá mudanças na composição do Senado, da Câmara e das assembleias legislativas dos Estados.

Apesar das indefinições que ainda restam quanto à validade da lei, Lewandowski comemorou os seus efeitos aos eleitores e à classe política. "A Ficha Limpa é muito mais do que uma lei formal", disse o ministro. "É uma ideia que ingressou no imaginário da população, tanto assim que os termos 'ficha limpa' e 'ficha suja' são utilizados pelos eleitores para fazer distinções entre os políticos." Lewandowski ressaltou que, por conta da Ficha Limpa, muitos políticos retiraram suas candidaturas ou desistiram de concorrer em 2010. Resta saber se farão o mesmo em 2012. Para isso, o STF terá de dar novas respostas aos políticos e eleitores.

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