sábado, 19 de março de 2011

CNJ II

Folha de São Paulo de 19 de março de 2011

O CNJ e seu poder originário

GILSON DIPP

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é criação da reforma do Judiciário em resposta a diferentes reclamos de variados setores da sociedade. Assim, foi criado com a participação de juízes e promotores estaduais e federais de todos os graus, advogados e cidadãos indicados pela Câmara e pelo Senado.
Incluído no âmbito do Poder Judiciário como seu órgão de cúpula e sujeito apenas ao controle do Supremo Tribunal Federal, o CNJ recebeu a missão de controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e do cumprimento dos deveres dos juízes.
Para tanto, foram-lhe atribuídos, entre outros, os poderes de zelar pela legalidade e moralidade dos atos administrativos de órgãos da Justiça, podendo revê-los ou desconstituí-los e, principalmente, resolver reclamações contra os mesmos ou avocar processos dos tribunais aplicando sanções administrativas, conforme estabelece a Constituição Federal no art. 103-B, parágrafo 4º, incisos II e III.
Cabe ao corregedor nacional de Justiça, quando for o caso, preparar a instauração do processo administrativo disciplinar.
O sistema constitucional assim emendado reformatou o Poder Judiciário, preservando a autonomia dos órgãos de Justiça locais e conferindo ao CNJ legitimidade ordinária autônoma concorrente para promover, ele próprio, a apuração e a sanção disciplinar.
Com base nessa inteligência, o CNJ foi chamado a apreciar, por exemplo, caso envolvendo um ministro de tribunal superior. São inúmeras as situações de magistrados de tribunais e de primeiro grau que respondem diante do conselho, algumas por provocação de pessoas comuns do povo, certamente confiantes na legitimidade desse controle externo da magistratura.
Audiências públicas promovidas pela Corregedoria Nacional de Justiça em vários Estados permitiram também que juízes e tribunais contribuíssem com sugestões para correção e aprimoramento de serviços.
Tem o CNJ autoridade suficiente para, sem prejuízo da autotutela dos tribunais inferiores, realizar averiguações por sua iniciativa.
Reforçam-na a regra da Constituição que autoriza o CNJ a aplicar a pena de remoção ou aposentadoria por interesse público (art. 93, VIII), as disposições da Lei da Ficha Limpa (lei complementar 135/2010) que mandam o CNJ responsabilizar juízes e tribunais eleitorais por descumprimento de prazos, e a Lei da Mini-Reforma Eleitoral (lei 12.034/ 2009), ao atribuir-lhe o controle do cumprimento dos prazos de registro de candidaturas.
Sustentar entendimento diverso seria contrariar a razão e a função do controle externo. As objeções suscitadas com base na regra da subsidiariedade, de que o CNJ só poderia atuar depois dos órgãos locais, contradiz seu significado lógico e prático. Mesmo assim, o CNJ enviou às corregedorias locais, entre agosto de 2008 e agosto de 2009, 521 reclamações, o que equivale a 90% do total remetido ao conselho.
Algumas ressalvas legais não diminuem as atribuições do conselho e não impedem a avocação de processos quando lhe parecer necessário. O poder de avocação é desdobramento natural do de instaurar originariamente investigações e procedimentos, quando as circunstâncias recomendarem.
Foram diversos os casos em que o envolvimento dos investigados, com processo já instaurado ou não, justificava desde logo a apuração originária. A Suprema Corte, ao se reservar o poder de reavaliar a oportunidade ou necessidade da iniciativa, indiretamente, tem reconhecido a competência originária do conselho, visto que esse juízo situa-se fundamentalmente no âmbito das atribuições administrativas do CNJ.

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GILSON DIPP é ministro do Superior Tribunal de Justiça, ministro suplente do Tribunal Superior Eleitoral e ex-corregedor nacional de Justiça.

Um comentário:

Unknown disse...

boa tarde

pesquisei o CNJ durante um tempo, e parecia claro que esta disputa iria acontecer. No meu ponto de vista, trata-se do conflito mais importante da república nas últimas décadas. Vai dizer se é possível, no Brasil, que se realize um controle sério da coisa pública ou não. Na verdade, é claro que não é a tese jurídica que está em jogo, mas a possibilidade ou não de os membros dos tribunais de justiça utilizarem o judiciário como extensão de sua realeza, com direito a carros de luxo, a diárias não justificadas, ao nepotismo e rendimentos muito acima do limite legal. O CNJ derrubou alguns reis do seu trono, mas isso tem o preço do qual o sociólogo josé de souza martins tratou: a história do brasil é uma historiografia lenta, para cada movimento progressista contra-atacam e avançam os movimentos reacionários, de modo que a consolidação dos primeiros podem durar gerações. Na esperança que essa disputa, que certamente recairá sobre o STF, tenha um desfecho benéfico para a república.

Vitor Oliveira
advogado, Aracaju, se