quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Tribunais Superiores e as provas

Valor Economico 29 de dezembro de 2010
De Brasília
29/12/2010As autoridades do governo que atuam no combate ao crime organizado consideram essencial a aproximação junto aos tribunais superiores de Brasília. Motivo: elas concluíram que os novos meios de obtenção de provas ainda não são bem compreendidos pelos ministros do tribunais que têm o poder de anular processos inteiros numa única decisão.

Esse temor foi manifestado por procuradores da República e delegados da Polícia Federal num seminário com ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). No encontro, realizado na sede do STF, eles admitiram o receio que os ministros desses tribunais não compreendam o uso da tecnologia, em métodos como escutas telefônicas e rastreamento de contas bancárias. Para eles, uma decisão que determine a transcrição de mais de 10 mil páginas de gravações telefônicas ou de extratos bancários, para dar amplo direito de acesso a informação e de defesa aos acusados, pode simplesmente anular toda uma investigação.

"Percebe-se uma tendência nas decisões superiores de considerar que determinados direitos fundamentais estariam sendo violados, quando as provas são obtidas através de tecnologias inovadoras, como a interceptação telefônica e ambiental", afirmou o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. Para ele, essas inovações tecnológicas devem ser compreendidas pelos juízes dentro de um respeito às garantias de defesa dos acusados.

"O tema é, sem dúvida alguma, um dos grandes desafios, senão o maior, do processo criminal moderno", disse o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. "A tecnologia hoje à disposição do crime tem tornado obsoletas técnicas que proclamávamos avançadas há pouco tempo", completou Gurgel, citando, como exemplo, as escutas ambientais.

O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, reconheceu que a incorporação dessas tecnologias pelo Judiciário é um desafio, mas se disse otimista, pois a Justiça está passando por um amplo processo de informatização. "O Judiciário caminha para a disseminação do processo eletrônico em todas as esferas, o que permite a incorporação, ao processo criminal, de diversos formatos de provas que seriam impraticáveis nos velhos autos de papel", disse Peluso.

Já Gilson Dipp, ministro do STJ, apontou que os integrantes dos tribunais superiores "não têm vocação para conduzir ações penais". Segundo ele, o foro privilegiado - pelo qual senadores e deputados federais só podem ser processados no STF e governadores perante o STJ - causa um imenso desconforto. De um lado, Dipp identificou que há ministros do STF que nunca fizeram um interrogatório na vida. "Esses tribunais não têm vocação para ações penais originárias."

De outro, continuou ele, existem procuradores da República que temem pedir a produção de provas a ministros de tribunais superiores. "Eles têm medo que o ministro indefira ou não entenda", disse Dipp.

"Nós podemos avançar e amadurecer em alguns parâmetros", reconheceu a ministra do STF Cármen Lúcia Antunes Rocha. Segundo ela, há algumas falhas nas investigações, como a exposição de presos, durante operações da PF, e a falta de motivação em pedidos de produção de provas feitos pelo MP aos juízes. "O ser humano não deve ser carimbado como um troféu. A falta de motivação tem levado ao desperdício de provas."

Para o secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, enquanto novas leis de combate ao crime não forem aprovadas pelo Congresso, as autoridades de investigação terão de contar com a compreensão de juízes e ministros de tribunais superiores.

"Nós não podemos imaginar que, para se produzir uma prova, seja necessária uma grande quantidade de informações, como milhares de extratos bancários, pois os juízes não vão conseguir absorver todo esse material", disse Abramovay.

"É humanamente impossível uma pessoa analisar 100 mil extratos bancários. O que existe hoje são maneiras de gerir a informação. São formas confiáveis de se conseguir extrair conhecimento de uma grande quantidade de dados."

Um exemplo foi dado por Marcelo Stopanovski, que, após trabalhar no Ministério da Justiça, abriu uma empresa de tecnologia no suporte a litígios. Ele contou que, em dez dias, fez a defesa de um acusado sobre 45 mil páginas de processos. Isso é possível através de programas de gestão de informação.

"Hoje, também é necessário fazer jurisprudência estatística para verificar como os tribunais costumam se posicionar sobre determinados temas", disse Stopanovski. "Através da tecnologia, nós conseguimos identificar padrões jurídicos. Assim como fazem os escritórios de advocacia, o promotor e o procurador vão ter de atuar com gestores de informação." (JB)

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