sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Diálogo institucional nos Estados Unidos

As duas matérias abaixo publicadas no jornal Folha de São Paulo reforça a necessidade do estudo das teorias dos diálogos no Brasil quer na sua versão institucional ou quer social. No caso americano, o conflito é entre o Legislativo e o Judiciário. No tocante ao Brasil, o STF em determinadas questões morais e técnicas abre a possibilidade para amicus curiae e audiências públicas. Reforça, assim, a nossa tese que o problema da sociedade brasileira e o STF é de diálogo social.

Poder Legislativo e o aborto
Folha de São Paulo 31 de dezembro de 2010

Bancada antiaborto ganha força nos EUA

Novo Congresso, que assume em janeiro, terá ao menos 55% de deputados contrários a interromper gravidez

Novas leis para tornar mais difícil financiar o aborto deverão entrar em pauta e ser votadas nos próximos dois anos

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Dezenas de deputados republicanos de forte posição antiaborto chegarão ao Congresso americano em janeiro, e essa nova força já está munida de planos para tentar limitar a prática nos EUA.
O primeiro sinal dos desafios que os próximos dois anos trarão para os favoráveis ao direito ao aborto foi a nomeação do deputado Joe Pitts para uma subcomissão de Saúde da Casa.
Pitts é considerado um dos mais ferrenhos opositores ao aborto da Câmara, com nota zero de grupos de defesa da legalização da prática como o Planned Parenthood (paternidade planejada).
Ele terá aliados em postos importantes. O líder da Câmara a partir de janeiro será John Boehner, contrário à interrupção da gravidez.
Sem falar numa explosão de votos antiaborto que a Casa terá como resultado da onda conservadora que varreu o país na última eleição.
Ao menos 45 cadeiras passam a partir de janeiro das mãos de deputados pró-direito ao aborto para deputados antiaborto, de acordo com o jornal "The New York Times".

QUALQUER COISA
Segundo o instituto Guttmacher, de pesquisa e lobby em planejamento familiar, eventuais projetos de lei que visam restringir o acesso ao aborto nos EUA contarão com ao menos 240 votos de 435 na Câmara, ou 55%.
"Basicamente, eles poderão aprovar qualquer coisa que quiserem", disse à Folha Susan Cohen, diretora de assuntos governamentais do Guttmacher.
A questão deverá ser abordada primeiro em aspectos da reforma da saúde promovida pelos democratas.
Foi forte a discussão sobre o aborto antes da passagem da reforma. A Casa Branca afirma que nenhum centavo público financiará diretamente abortos.
Mas a bancada conservadora quer garantir que não haja verba federal ligada a planos de saúde privados que incluam o aborto.
"A nova lei da saúde está repleta de buracos que permitirão que os contribuintes paguem por cobertura que inclui o aborto", afirma Pitts.
Conservadores também planejam retomar a chamada "lei da mordaça", que impedia que verba dos EUA fosse destinada a programas de saúde no exterior que mencionam o aborto como opção para planejamento familiar.
A regra foi revertida pelo presidente Barack Obama.
E os conservadores devem tentar descredenciar de programas federais subsidiárias de grupos que contam com o aborto na cartilha da assistência a mulheres.
O Senado e a Câmara também deverão se chocar, já que o primeiro irá continuar a ser controlado pelo Partido Democrata.
O Poder Judiciário e o aborto
Folha de São Paulo 31 de dezembro de 2010

ANÁLISE

Decisão judicial de 73 continua a limitar interferência do Legislativo na questão

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Os poderes do Congresso dos EUA para legislar sobre a interrupção voluntária da gravidez são bastante limitados porque, ao contrário do que ocorreu na maior parte do mundo civilizado, o direito ao aborto ali foi estabelecido por uma decisão da Suprema Corte, e não com uma lei aprovada no Parlamento.
Assim, qualquer proposta legislativa que contrarie os termos do acórdão Roe v. Wade, de 1973, ou de alguma das várias decisões subsequentes acabaria sendo declarada inconstitucional.
Roe v. Wade, diferentemente do que se pensa, não diz diretamente que a mulher tem direito constitucional ao aborto. A enxuta Carta dos EUA, adotada em 1787, nem sequer menciona os termos aborto, feto ou gravidez.
Toda a argumentação deste caso gira em torno do "direito à privacidade", isto é, a noção de que as decisões tomadas por uma mulher e seu médico estão, pelo menos nos primeiros meses da gravidez, protegidas da interferência do Estado.
Curiosamente, o "direito à privacidade" também não está explícito na Carta dos EUA, mas é inferido principalmente da nona emenda, que diz apenas que existem "outros direitos inerentes ao povo" não expressos na Constituição.
São bases frágeis para um assunto tão polêmico. Inevitavelmente, surgiram críticas tanto da direita quanto da esquerda à decisão.
Pelo lado dos liberais, além da tibieza da argumentação jurídica, a crítica é que a legalização decidida por apenas sete juízes sufocou o que parecia ser um movimento popular que levaria à flexibilização das leis antiaborto. Ao contrário até, Roe v. Wade deu uma causa para a direita religiosa.
De fato, os conservadores nunca não se conformaram em ver o aborto retirado da alçada das legislaturas. Tentaram contornar a situação aprovando leis de regulação com vistas a dificultar a interrupção da gravidez.
Foi assim que surgiram normas que obrigavam a mulher a comunicar o parceiro de que pretendia abortar, a esperar alguns dias antes de fazê-lo e mesmo a ler propaganda antiabortista antes do procedimento. A maioria dessas iniciativas foi rechaçada pela Suprema Corte.
As restrições que o Judiciário considerou legais gravitam em torno do financiamento. É a esfera na qual os legisladores conservadores atuam, mais para dar satisfações a suas bases do que para efetivamente mudar o panorama legal do aborto.

Nenhum comentário: