sábado, 29 de março de 2008

Além da Imaginação (ou Além da Jurisdição)

Uma ação inciada na Corte Federal do Havaí nos faz lembrar de uma antiga série de TV, The Twilight Zone, que aqui no Brasil foi chamada “Além da imaginação”. Segundo o New York Times, O Sr. Wager – que vive no Havaí e tem doutorado em Direito pela University of Northern California – e o Sr. Sancho – que vive na Espanha e se auto descreve como autor e pesquisador na teoria do tempo – questionam no judiciário federal norte-americano a entrada em operação de um gigantesco acelerador de partículas que está sendo instalado na Suíça pelo European Center for Nuclear Research, ou CERN. Alegam os autores que o acelerador de partículas poderá provocar um buraco negro que causaria o fim do planeta Terra e, talvez, de todo o universo.


O que salta aos olhos à primeira vista são problemas bem conhecidos do Direito, tais como os provenientes da questionável jurisdição de uma Corte americana sobre um organismo científico internacional localizado na Europa. O caso também seria um interessante exemplo para a tese de Sociedade de Risco Global de Beck, pois estamos diante de um nítido caso de risco criado pela tecnologia, que tem efeitos transfronteiriços (segundo os autores, os efeitos poderiam ser interplanetários).


Entretanto, o ponto que gostaríamos de destacar – e que também não passou despercebido pelo autor do artigo no NYT – é que o caso de Wagner e Sancho, embora um pouco esdrúxulo, toca em duas relevantes questões que enfrentamos na análise do Estado de Risco. Em primeiro lugar, como estimar riscos produzidos por novas tecnologia? Em segundo lugar, e não menos importante, a quem cabe decidir sobre a continuidade ou não de tais projetos?


O judiciário vem sendo chamado, com crescente frequência, para decidir a respeito de questões ligadas ao Estado de Risco, nas quais não existe um consenso na política ou mesmo na sociedade. Vide neste blog, por exemplo, o debate no STF sobre a ADI da Biossegurança ou sobre a transposição do Rio São Francisco.


A explicação para tal fenômeno ainda carece de maiores estudos, mas podemos nos arriscar a apresentar pelo uma possível causa: diferentemente do fórum político ou do debate social, a jurisdição é obrigada constitucionalmente a apresentar uma resposta (certa ou errada), e além disso, essa resposta deve ser apresentada em um prazo razoável.


Como costumava dizer pra meus alunos, não decidir equivale a decidir pelo não, ou, em uma proposição menos radical, significa decidir pela manutenção das coisas no estado atual. Por exemplo, enquanto o Congresso não decide sobre a legalização das uniões homoafetivas, ele está mantendo essas uniões à margem do reconhecimento de determinados direitos. Com os tribunais a questão é diferente. Mesmo quando o julgamento é postergado (vide o caso do pedido de vista em relação ao julgamento da constitucionalidade da pesquisa com embriões), existem normas processuais que forçam os tribunais a chegar a uma conclusão em prazo razoável.


Então, o que devem fazer os tribunais? Decidir sobre as questões controvertidas relativas ao risco (com possível supressão de várias instâncias de debate na sociedade) ou afirmar que essas questões devem ser resolvidas por órgãos com representação democrática (indiretamente negando a prestação jurisdicional)? Nenhum desses extremos nos parece razoável.


Clique aqui para ler a reportagem no NYT (Asking a Judge to Save the World, and Maybe a Whole Lot More).

quinta-feira, 27 de março de 2008

O custo dos processos para a sociedade

A Coordenadoria de Auditoria da Secretaria de Controle Interno do Superior Tribunal de Justiça calculou quanto cada processo custa para a sociedade. No ano passado, do universo de processos analisados, os habeas-corpus permaneceram, em média, 159 dias no STJ ao custo de médio de R$ 871,95. Já um recurso especial teve valor médio de R$ 798,00 com permanência de 160 dias. Os agravos de instrumento representaram 51,32% dos processos avaliados. Eles ficaram, em média, 124 dias no STJ ao custo de R$ 651,05.

As primeiras avaliações de custo processual foram feitas com causas que chegaram ao STJ depois de 1º/04/2006 e foram encerradas no exercício de 2007. Ao todo foram analisados 228.396 processos. Eles ficaram, em média, 147 dias em tramitação, ao custo médio de R$ 762,72 cada um.

Para fazer esses cálculos, a Coordenaria de Auditoria desenvolveu uma inovadora ferramenta de avaliação de custos. É o Sistema Prisma, o primeiro mecanismo de medição de custos do Poder Judiciário. Ele combina informações de outros sistemas internos de controle orçamentário. Entre eles, estão o Administra, que controla os bens patrimoniais, materiais de consumo, contratos e compras. Há ainda o Justiça, que cuida da tramitação dos processos judiciais, e o SARH, que aponta os gastos com pessoal. O Prisma reúne todos as despesas efetuadas, identifica o tipo de custo e para onde ele vai.

A medição, bastante complexa, foi diária para cada processo. O sistema avalia cada unidade percorrida pela ação e a quantidade diária de processos nessa unidade. Assim é possível calcular o custo proporcional por processo. Conhecer esses valores em detalhes, segundo Wagner de Andrade, coordenador de auditoria, servirá para otimizar a gestão dos recursos públicos, estabelecendo metas de redução de custos e aumento de produtividade.

Fonte: Notícias STJ

quarta-feira, 26 de março de 2008

O CNJ e o controle externo do STF

Conforme publicado no site do STF, “a Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (FIEMT) impetrou Mandado de Segurança (MS 27222), no Supremo Tribunal Federal (STF), contra decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, sob a alegação de que ministro do STF não se submete a seu controle mas tão somente ao do Senado Federal (em virtude de crime de responsabilidade) e ao do próprio STF (em caso de crime comum), indeferiu pedido de providências propostas pela entidade contra o relator de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no STF, por excesso de prazo para colocá-las em julgamento”.


Segundo a notícia, a Federação defende que o fato de o STF ter competência para julgar as ações contra o CNJ não exclui a competência desse Conselho para analisar pedidos de ordem administrativa/disciplinar contra ministros daquela Corte, conforme o art. 103-B, § 4º, da CF.


O interessante dessa ação é que ficou a cargo do próprio STF definir se o tribunal está submetido ao controle externo, tarefa recusada pelo CNJ. Não obstante, os argumentos da FIEMT são relevantes, e, arrisco-me a dizer, merecem ser acolhidos. Por certo, o fato de um tribunal ter poder de revisão sobre as decisões de um órgão não significa que esse mesmo tribunal não esteja submetido, em outros aspectos, ao controle daquele órgão. Um exemplo esclarece o argumento. Veja-se o caso do TCU, que tem poder de controle da execução orçamentária dos órgãos do judiciário, mas que também está submetido ao controle jurisdicional.


De qualquer forma, o resultado dessa ação será importantíssimo para definir as fronteiras do controle externo do judiciário.


Leia a íntegra da notícia no site do STF

A Corte Suprema Americana e a resistência ao processo de internacionalização dos fundamentos de suas decisões

O Prof. Farlei Martins, um dos responsáveis por esse blog, vem monitorando o noticiário internacional. Ele divulga notícia publicada pelo New York Times de 25 de março de 2008 passado de autoria de David Stout sob o título "Justices rule against Bush on Death Penalty Case. Trata-se do caso de doze mexicanos condenados a morte principalmente Jose M. Medellin num crime de estupro praticado em 24 de junho de 2003 na cidade de Houston, Texas. O Governo mexicano recorreu aos tribunais americanos alegando, seguindo normas internacionais, que os doze mexicanos deveriam ter tido assistência consular. O caso foi levado à Corte Internacional de Justiça de uma forma inédita, firmou medida preventiva ordenando ao Governo americano suspender a condenação à morte dos citados mexicanos até uma decisão definitiva. De um modo surpreendente, em 2005, o Presidente Bush decretou que os estados deveriam acatar a decisão da Corte de Haia. Com a leitura do New York Times somos "impactados" que por 6 a 3 a Corte Suprema americana que o Presidente Bush foi além das suas atribuições com o seu decreto de 2005. A decisão da Corte Suprema observou que o Executivo estava compelindo interesses advindos da Conveção de Viena e procurando manter boas relações com outros países. Advertia, ainda, que o Presidente Bush só poderia agir dessa forma com a autorização do Congresso ou por competência dada pela Constituição. O Presidente da Corte J. G. Roberts lembrou, também,que "naõ se identficou uma nação que trata os julgamentos de Haia como cogentes as cortes domésticas. Notamos, então, com esse noticiário uma resistência por parte da Corte Suprema americana ao processo de internacionalização das decisões. E há uma questão a ser respondida: por que o Presidente Bush acatou a "medida preventiva e suspensiva" de pena de morte estabelecida pela Corte Internaciona de Justiça. Enquanto, no Brasil, estamos começando a discussão da internaciolização de nossas decisões do STF no caso do depositário infiel. Seremos mais avançados que a Corte Suprema americana?

terça-feira, 25 de março de 2008

Os guardiões da fronteira constitucional

Stephen Breyer, Justice da U.S. Supreme Court, comenta o papel do juiz constitucional.



http://www.bigthink.com/truth-justice/556

Desapropriação confiscatória: qual o limite da área expropriada

A 2ª Turma do STF decidiu submeter o RE 543974/MG, rel. Min. Eros Grau, ao Plenário para decidir se a desapropriação confiscatória prevista no art. 243, da CF, restringe-se à área efetivamente cultivada ou estende-se a todo o terreno (“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”).

sexta-feira, 21 de março de 2008

Debate na FSP sobre a ADI 3510-DF (células-tronco)

José Afonso da Silva, Jaime Ferreira Lopes e Hermes Rodrigues Nery debatem na FSP de 21.03.2008 o voto do ministro Carlos Ayres Britto na ADI 3510-DF.

Jaime Lopes, coordenador nacional do Movimento Nacional em Defesa da Vida - Brasil Sem Aborto, e Hermes Nery, membro do Grupo de Trabalho em Defesa da Vida da CNBB, afirmam que o ministro Ayres Britto fez uma apologia sofisticada àquilo que Camus chamou de "crime de lógica" (L´Homme Révolté, 1951), porque, se prevalecer o seu voto, estará negado o direito à vida ao embrião humano, ao nascituro, enfim, ao ser humano não nascido, conforme a "teoria natalista" por ele assumida. Segundo Camus, "há crimes de paixão e crimes de lógica (...) Os nossos criminosos já não são aquelas crianças desarmadas que invocavam o amor como desculpa. Hoje, pelo contrário, são adultos, e o seu álibi irrefutável é a filosofia, que pode servir para tudo, até para transformar assassinos em juízes". Isso é o que se pode esperar quando a Suprema Corte de um país reconhece que a Constituição só deve proteger a pessoa nascida, "residente, nata e naturalizada", e que "não há pessoa humana sem o aparato neural que lhe dá acesso às complexas funções do sentimento e do pensar" - e que, portanto, fora disso, é legítimo eliminá-la, negando-lhe o direito à vida? Para o ministro Ayres Britto, é indiferente o destino dos embriões humanos e dos nascituros, pois -como enfatizou - merece proteção constitucional só o ser humano nascido, dotado de seu perfeito aparato neural. Portanto, significa também privar do direito à vida os anencéfalos. Citando Giorgio Filibeck ("a dignidade do ser humano ou é integral ou não é"), afirmam que Ayres Britto fez um recorte arbitrário ("o nascido dotado de aparato neural", coerente com o pensamento do neurologista sir John C. Eccles), criando, assim, a jurisprudência para os "crimes de lógica" a que se refere Albert Camus.

José Afonso da Silva, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, sustenta uma posição intermediária para solução da controvérsia sobre a natureza do embrião, questão “angustiante” do debate em sua opinião. Para o José Afonso, a Constituição oferece fundamentos para as pesquisas com a utilização das células-tronco embrionárias, ao declarar livre a expressão da atividade científica e determinar que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, de modo prioritário, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências (art. 218). Há também princípios dentro dos quais se movem essas pesquisas em respeito a valores e direitos fundamentais, tais como: o princípio do respeito à vida (art. 5º, "caput") e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Na visão dos “concepcionistas” a vida começa com a concepção, o "ser concebido" já é pessoa, independentemente de sua viabilidade, e, portanto, o embrião, sendo vida humana, deve ser protegido pelo direito. Ao contrário, os “natalistas” entendem que o embrião é parte das vísceras maternas, não é pessoa e, assim, a situação do embrião congelado deve ser colocada apenas no campo da ética. Segundo José Afonso, há, porém, uma concepção intermediária capaz de propiciar a solução do problema e que denomina de “escola nidista”, segundo a qual "somente se poderá falar em ‘nascituro’ quando houver a nidação do ovo: “Embora a vida se inicie com a fecundação, é a nidação - momento em que a gravidez começa - que garante a sobrevida do ovo, sua viabilidade. Assim sendo, o embrião, na fecundação in vitro, não se considera nascituro". Por essa razão, as pesquisas não podem ser interrompidas, mas devem ser observados princípios na manipulação genética, tais como: “o princípio da necessidade”, segundo o qual todo experimento científico a ser realizado no material genético humano deve comprovar a real necessidade para o conhecimento, a saúde e a qualidade de vida humanos; “o princípio da integridade do patrimônio genético”, que veda manipulações em genes humanos para interferir na composição do material genético com o fim de "melhorar" determinadas características fenotípicas; “o princípio da avaliação prévia”, a pesquisa do patrimônio genético humano deve ser precedida de avaliação dos potenciais e benefícios a serem colhidos; “o princípio do conhecimento informado”, que exige a manifestação da vontade, livre e espontânea, das pessoas envolvidas.

Do debate podem-se destacar dois pontos: a) o bem lembrado reflexo da “teoria natalista” de Ayres Brito para o julgamento dos fetos anencéfalos; b) o conjunto de princípios que devem nortear a pesquisa genética.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Conseil d’État mantém proibição de milho transgênico

Conforme publicado no NYT (French Court Says Ban on Gene-Altered Corn Seed Will Remain, Pending Study), o Conseil d’État manteve proibição da utilização de sementes de milho transgênico até que a Corte possa decidir sobre o suporte científico a respeito da segurança no uso dessa tecnologia agrícola. A decisão do juiz Jean-Marie Delarue, que fez referência a um relatório de um comitê de especialistas franceses apontando para a necessidade de aprofundamentos dos estudos sobre a segurança do milho transgênico, foi considerada uma vitória pra os defensores do meio-ambiente.

Leia o comunicado de imprensa do Conseil d’État (em francês): (Communiqué de presse du 19 mars 2008)

Também publicado em: O Estado de Risco

terça-feira, 18 de março de 2008

Empresa pública prestadora de serviço público: natureza jurídica e extensão da imunidade tributária

De acordo com a Constituição Federal de 1988, a atuação do Estado na economia se dá: mediante a exploração estatal de atividade econômica (arts. 173 e 177), que será necessária, quando o exigir a segurança nacional ou o interesse coletivo relevante, tanto um quanto outro definido em lei. Os instrumentos de participação do Estado na economia serão: as empresas públicas; as sociedades de economia mista; outras entidades estatais ou paraestatais, vale dizer, as subsidiárias (art. 37, XIX, XX e art. 173 §§ 1º, 2º e 3º). Ocorrerá, ainda, a atuação estatal na economia: com monopólio (art. 177), incidindo, basicamente, em três áreas: petróleo, gás natural e minério ou minerais nucleares.

Já a intervenção do Estado no domínio econômico dar-se-á: figurando o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, fiscalizando, incentivando e planejando. Os instrumentos dessa intervenção são as autarquias especiais (agências reguladoras).

Segundo o disposto no art. 173 § 1º, inciso II, da Constituição Federal, a empresa pública e a sociedade de economia mista que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

No último dia 17.03, no julgamento das Ações Cíveis Originárias 1095 e 959, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, garantiu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública federal prestadora de serviço público, os benefícios da imunidade recíproca, previstos no artigo 150, VI, "a", da Constituição Federal. Na primeira ação (ACO 1095), o STF manteve liminar concedido pelo ministro Carlos Ayres Britto que suspendeu a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre transporte de encomendas realizado pela Empresa para o estado de Goiás. Na segunda ação (ACO 959), ficou decidido que a ECT não precisa pagar IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) sobre seus veículos para o estado do Rio Grande do Norte.

Com essas decisões, o plenário do STF reafirma os precedentes do RE 407099 e 230072, no sentido de que deve ser dado um tratamento jurídico diferenciado para as empresas públicas que explorem atividade econômica e aquelas prestadoras de serviços públicos. As primeiras se sujeitam ao regime próprio das empresas privadas, enquanto as empresas públicas prestadoras de serviços públicos possuem natureza jurídica de autarquia, às quais não tem aplicação o art. 173 § 1º da Constituição Federal.

Dessa forma, sendo a ECT empresa prestadora de serviço público, obrigatório e exclusivo da União (art. 21, X), ela encontra-se abrangida pela imunidade tributária garantida pela Constituição Federal (art. 150, VI, alínea ‘a’).

Fonte: Notícias STF

sábado, 15 de março de 2008

Contribuição Dialética para o Constitucionalismo

Lançamento de livro jurídico:

Em Contribuição Dialética para o Constitucionalismo, Editora: Millennium, Sérgio Resende de Barros, Professor de direito constitucional (Fadusp), sintetiza o processo do constitucionalismo com alternativas de mudanças e persistências. A contribuição prometida no título é bem desenvolvida em três partes severamente concatenadas, compreendendo, em conjunto, Estado, sociedade civil, ideologia e constitucionalismo. Enuncia na conclusão seu "contributo para a análise do constitucionalismo", que vê "integrado ao processo social que o produz", no qual é base material mais profunda o conjunto das relações econômicas. A constituição é o direito principal, para compor o Estado Democrático de Direito, síntese histórica do Estado liberal com o Estado social do direito.

Fonte: FSP, 15.03.08

A internacionalização do Supremo Tribunal Federal

Seguindo tendência bastante conflitante na Corte Suprema americana, como consta de postagens em nosso blog, e dos tribunais constitucionais em geral no sentido do problema internacionalização das suas decisões, merece a maior atenção nossa o importante voto relator do Ministro Celso de Mello no HC 87.585-8 a respeito da prisão civil por divida. Após discorrer severas críticas contra a prisão cívil por divida como "meio" medieval de punição e de lastrear-se no campo dos Direitos Fundamentais, o referido ministro tece uma das argumentações. É no contexto do fato do nosso Poder Constituinte originário de 1987/88 ao ter estabelecido no conjunto do artigo 5º as exceções sobre prisão civil no caso alimentício e do deposítário infiel, segundo o Ministro Celso de Mello, tais dispositivos pelo seu carater de"excepcionalidade" não criam uma obrigatoriedade para o legislador ordinário. Pois, o regramento da nosssa CF de 88 é por vedar a prisão cível por dívida. Um outro ponto de seu voto é aceitar a interpretação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes para o disposto do artigo 5º, parágrafo 2º ao entende-lo dentro de uma natureza jurídica de "supralegalidade". Prosseguindo no seu voto, o mencionado relator aceita a tese de que a norma instituída pela Emenda Constitucional nº 45/04 ou seja o artigo 5º, parágrafo 3º, acompanhando, aliás, as liçoes de Celso Lafer e Flávia Piovesan, apresenta uma fundamentação, meramente, interpretaiva em relação ao parágrafo anterior (artigo 5º, parágrafo 2º). Cabe ressalatar que o voto relator caminha, por fim, para dar uma solução a respeito dos tratados e convenções incorporados pela ordem jurídica brasileira sem seguir o regramento de emenda constitucional de acordo com a citada norma interpretativa. Dessa forma, o Pacto São José estaria, por exemplo, integrado ao nosso sistema jurídico por ter sido materializado na forma de legislação ordinária?. O relator afirma que, além da supralegalidade, o artigo 5, parágrafo 2º, deve ser compreendido dentro da concepção constitucional francesa de bloco constitucional. Assim, os Direitos Fundamentais na Constituição Federal vigente estão pautados pelas constituição material e formal. O Pacto de São José estaria mais na linha de incorporar-se numa constituição material. Por consequência, o seu disciplinamento tem sim valor de norma constitucional. E a prisão cívil por dívida no Brasil pela proteção dada pelo referido pacto é inconstitucional.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Ação rescisória e Súmula 343 STF

A coisa julgada não é um valor absoluto. Admite-se rescisão quando a sentença transitada em julgado tenha violado interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo que a interpretação seja posterior ao julgado. Com este entendimento, unânime, os ministros do Supremo rejeitaram embargos declaratórios opostos no Recurso Extraordinário (RE) 328812.

Os embargos foram opostos por Maria Auxiliadora contra acórdão do STF que afastou a aplicação da súmula 343/STF e proveu um agravo regimental do INSS -Instituto Nacional do Seguro Social. A decisão do Supremo determinou que o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (TRT-11) deveria apreciar uma ação rescisória ajuizada pelo instituto contra uma decisão transitada emjulgado daquela corte trabalhista, discutindo suposta violação ao direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal), referente a reajustes decorrentes dos planos Bresser e Verão.

O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, reafirmou sua posição de que realmente não se aplica, neste caso, o enunciado da súmula 343 do STF (“não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”). Isso porque, disse o ministro, segundo o autor da ação rescisória, existe na matéria controvérsia sobre interpretação constitucional do Supremo em discussão, o artigo 5º, XXXVI – princípio do direito adquirido. “Se ao STF cabe guardar a Constituição, sua interpretação da Constituição Federal deve ser acompanhada pelos demais tribunais”, frisou Gilmar Mendes.

Nas hipóteses em que o STF fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, ajustando seu texto à ordem constitucional, o ministro disse acreditar que cabe ação rescisória sempre que uma decisão, mesmo que definitiva e irrecorrível, contrariar essa interpretação do Supremo, ainda que a interpretação da Corte seja definida em momento posterior à sentença transitada em julgado. Gilmar Mendes ressaltou, contudo, que devem continuar sendo observado o prazo - que é de dois anos, a partir da decisão defintiva - para a interposição da ação rescisória, como forma de garantir asegurança jurídica.

O ministro ressaltou que essa posição não se confunde com a solução dedivergência relativa à interpretação de normas infraconstitucionais. “Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável delei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária àquela fixada pelo STF em questão constitucional”.

Gilmar Mendes enfatizou não considerar admissível que a manutenção de decisões divergentes da interpretação constitucional do STF diminua a eficácia das decisões da mais alta Corte do país.

“Considera-se a melhor interpretação, para efeitos institucionais, a que provém do Supremo, guardião da Constituição, razão pela qual sujeitam-se à ação rescisória, independentemente da existência de controvérsia sobre a matéria nos tribunais, as sentenças contrárias a precedentes do STF, sejam eles [precedentes] anteriores ou posteriores ao julgado rescindendo”, concluiu o ministro.

Todos os ministros presentes à sessão acompanharam o voto do relator. O ministro Carlos Alberto Menezes Direito disse entender que, se em determinado tema houver evolução da jurisprudência constitucional do STF, nada é mais certo do que admitir a ação rescisória.

Já o decano da corte, ministro Celso de Mello, também acompanhando o relator, ressaltou que o voto do ministro Gilmar Mendes fortalece o papel do Supremo, “e confere meio instrumental expressivo destinado a implementar a autoridade de suas próprias decisões e tornar efetivos e reais o primado e aforça normativa da Constituição”.

O ministro Cezar Peluso salientou que, em seu entender, a súmula 343, que não permite a admissão de ação rescisória em situações de interpretação controvertida de leis infraconstitucionais, poderia até mesmo ser cancelada.“Não pode existir na sociedade interpretações disformes da mesma norma”, explicou.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Repercussão Geral pela Procuradora de Justiça e Professora Nadia Araújo

2ª. Notícia sobre Repercussão Geral :
STF analisa novos casos sobre repercussão geral
Assessoria de Recursos Constitucionais
Procuradora de Justiça Nadia de Araújo
PGJ/MPRJ
Depois dos primeiros casos sobre repercussão geral, publicados no início de fevereiro,
nota-se que o STF vem avançando a discussão com prudência na determinação das
matérias que não serão mais discutidas pelo Tribunal.
Da nova leva, há o acréscimo de apenas mais um caso de ausência de repercussão geral.
No RE 565.138, com voto do M. Carlos Alberto Direito, foi negada a repercussão geral
em um caso de dano material e moral. A hipótese atingirá muitos processos, já que diz
respeito aos REs provenientes dos juizados especiais, em que há discussão sobre a
violação de garantia constitucional na aplicação do Código de Defesa do Consumidor,
onde há grande quantidade de recursos. No seu voto, o M. Direito diz que a situação não
extrapola os limites da lide, pois diz respeito a fatos particulares de um determinado
cidadão em situação específica, não havendo, portanto, repercussão geral. Restou vencido
o M. Marco Aurélio.
Já os casos em que se afirmou haver repercussão geral são mais numerosos (oito) e
cuidam de hipóteses com diversas matérias. Há quatro que interessam à justiça estadual.
O 1º. diz respeito ao fornecimento de medicamentos na rede pública. No RE 566.471,
cuja ementa é “SAÚDE – ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO –
FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o
Poder Público fornecer medicamento de alto custo”, o M. Marco Aurélio, em seu voto,
diz existir repercussão geral no caso concreto, já que a hipótese cuida do respeito à saúde
como um todo, questão de inegável apelo coletivo.
Há três casos que cuidam de questões relativas ao direito de funcionários públicos e sua
nomeação. No Re 570.392, a ementa diz “Natureza jurídica de regra legislativa municipal
cujo objetivo é impedir a prática do nepotismo no âmbito da Administração Pública local.
Competência para iniciar o processo legislativo. Relevância e transcendência
caracterizadas. Repercussão geral reconhecida”. Para a M. Carmen Lucia, a discussão
tem repercussão geral porque transcende o mero interesse das partes envolvidas.
Ainda a M. Carmen Lucia, no RE 570.908, entendeu não haver repercussão geral na
discussão sobre direito de servidor público comissionado a perceber férias não usufruídas
acrescidas de um terço. No entanto, o M. Marco Aurélio posicionou-se em sentido
contrário. Para ele, essa questão discutia o alcance da norma asseguradora do acréscimo
ao salário do funcionário, havendo necessidade do STF estabelecer o alcance da garantia
constitucional. Assim, pela 1ª. vez, por ausência do quorum para a negativa da matéria,
houve repercussão geral.
Também sobre servidor público, o RE 561.836, do M. Eros Grau, com a seguinte ementa:
“SERVIDOR PÚBLICO. VENCIMENTOS. CONVERSÃO EM URV.
INOBSERVÂNCIA DA LEI FEDERAL N. 8.880/94. SISTEMA MONETÁRIO.
COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL. Neste caso, o
Relator entendeu que a questão ultrapassava os interesses das partes, por dizer respeito a
um questionamento constitucional que atingia a todos os servidores públicos. Ficaram
vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Cesar Peluzo.
Por fim, no RE 561.574, o M. Marco Aurélio votou pela repercussão geral de hipótese de
relação consumerista. A ementa do caso diz o seguinte: “ TELECOMUNICAÇÕES –
COBRANÇA DE PULSOS – DISCRIMINAÇÃO. Surge com repercussão maior definir
a possibilidade de cobrança de ligações telefônicas sem a especificação dos pulsos a
excederem o valor cobrado a título de franquia”. O Ministro entendeu que a hipótese
interessa a todos os usuários do sistema, havendo repercussão geral. Ficaram vencidos os
Ministros Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia e César Peluzo.
Da análise dos casos publicados, nota-se a posição em prol da repercussão do Ministro
Marco Aurélio, que ficou vencido em alguns casos e conduziu outros, mas sempre se
manifestando nas hipóteses julgadas. Ainda se nota que poucos Ministros já votaram
casos de repercussão geral.
Notícia sobre Repercussão Geral
Assessoria de Recursos Constitucionais
Procuradora de Justiça Nadia de Araújo
PGJ/MPRJ
STF começa a analisar a existência de Repercussão Geral em alguns casos
A partir de maio de 2007, iniciou-se a cobrança da obrigatoriedade do requisito formal da
repercussão geral para a admissibilidade de todos os recursos extraordinários. No entanto,
somente agora o STF começa a definir as matérias que atendem ou não ao requisito,
dando aos operadores jurídicos algumas balizas de sua atuação.
Ressalte-se que no site do STF, na seção de pesquisa de jurisprudência, foi criado um
item próprio apenas para os casos de repercussão geral, dividido em duas listas --
matérias com repercussão geral e matérias sem repercussão geral. Pode-se, ainda,
visualizar o assunto e a íntegra da decisão.
Da análise das primeiras questões decididas, nota-se que a maior parte dos temas é afeto à
justiça federal. No entanto, alguns pontos são importantes para a atuação do Ministério
Público estadual, como, por exemplo, a questão relativa ao fornecimento de
medicamento. Neste tema, ficou decidido que a matéria tem repercussão geral, o que
significa dizer que recursos extraordinários desta matéria continuaram a ser julgados pelo
STF.
Uma questão tormentosa é a definição da argumentação a ser usada para a comprovação
da repercussão geral, já que a lei é muito ampla. Da análise das decisões já tomadas, cuja
lista segue abaixo, constata-se que o STF ainda não esclareceu muito bem o que está
procurando na demonstração de que o requisito foi atendido. As decisões são sucintas e
quase sem fundamentação. Poucos Ministros já se manifestaram, somente três, e dizem,
sucintamente, que uma determinada questão apresenta ou não relevância, sem análises
mais aprofundadas, que nos indiquem suas razões e os caminhos que estão sendo
seguidos. Confiram-se as de n. 565-506, 556.385.
Nos casos em que a repercussão é admitida, tampouco são mais pormenorizadas as razões
apresentadas. Por exemplo, na 561.908, o Ministro Marco Aurélio entende que há
repercussão geral em questão relativa à inconstitucionalidade de um artigo de
determinada lei, aduzindo “na minha ótica, nem se mostraria necessário a veiculação da
matéria em inúmeros conflitos de interesse... suficiente seria o fato da corte de origem ter
declarado a inconstitucionalidade de lei federal...” Uma interpretação deste
posicionamento nos indica que todo desafio à constitucionalidade de determinada lei,
tem, de per se, repercussão geral.
Em um outro caso, também do Ministro Marco Aurélio, em que se discute a repercussão
geral de questão tributária sobre taxa de incêndio, RE n. 561.158, a decisão foi pela
existência de repercussão geral uma vez que “a relevância decorre do fato de serem
interessados os cidadãos, os destinatários da cobrança da taxa instituída, que diz respeito
à atuação do Estado...”.
Por fim, no re 559.943, a Ministra Carmen Lúcia atesta a existência da repercussão geral,
“ultrapassando os interesses subjetivos da causa, por sua repercussão econômica e social,
evidenciada pela pletora de processos que vieram ao tribunal relacionadas ao mesmo
tema...” Usando um segundo argumento, a Ministra atesta a repercussão do ponto de vista
jurídico, “tanto que se evidencia quando uma lei tem a sua presunção de
constitucionalidade questionada, fundamentadamente, em juízo, e principalmente,
quando se tem a acolhida da alegação de contrariedade ao texto da Constituição da
República por algum ou alguns órgãos do Poder Judiciário”. Seria a existência de um
grande número de casos, ou seja, o fator numérico, determinante para a repercussão
econômica de determinado caso? Isso parece indicar que nos cabe procurar comprovar,
por ocasião da demonstração do requisito formal, com dados concretos, se o caso em
questão possui suficiente repetição para atestar a repercussão geral.
Da sucinta análise acima, algumas constatações já aparecem: o número de casos com
repercussão geral (9) ultrapassou em 50% o dos que não tem repercussão (6). O Ministro
Marco Aurélio é o campeão da repercussão geral, tendo encontrado-a em oito casos e não
tendo se manifestado por sua inexistência em nenhum caso. O outro caso de repercussão
geral foi da Ministra Carmen Lúcia, que também se manifestou por outras três vezes,
entendendo que não houve repercussão. Os demais casos de ausência de repercussão
geral (2) foram decididos pelo Ministro Carlos Alberto Direito.


Matérias Com Repercussão
Assunto Classe Número
PRESCRIÇÃO/EXECUÇÃO FISCAL/CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA RE 559943
PREVENÇÃO DE INCÊNDIO/TAXA/PREVENÇÃO DE INCÊNDIO RE 561158
FATURA - DISCRIMINAÇÃO DE PULSOS/TELECOMUNICAÇÕES/SERVIÇO DE TELEFONIA RE 561574
REPETIÇÃO DE INDÉBITO /IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA - IR/REPETIÇÃO DE
INDÉBITO RE 561908
LUCRO DE EXPORTAÇÃO/CONTRIBUIÇÃO SOCIAL/INCIDÊNCIA RE 564413
SERVIDOR PÚBLICO - REVISÃO GERAL ANUAL - AUSÊNCIA/RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO/INDENIZAÇÃO
RE 565089
COBRANÇA/CONTRIBUIÇÃO SOCIAL/COBRANÇA RE 565160
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO/ORDEM SOCIAL/SAÚDE RE 566471
RESPONSABILIDADE - REDIRECIONAMENTO - SÓCIO DE EMPRESA/EXECUÇÃO
FISCAL/CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
RE 567932

Matérias Sem Repercussão
Assunto Classe Número
MULTA DIÁRIA/PROCESSO CIVIL/LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA RE 556385
DANO MORAL/RESPONSABILIDADE CIVIL/INDENIZAÇÃO RE 565138
CABIMENTO/AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE/CABIMENTO RE 565506
PRECATÓRIO - PARCELAMENTO - ADCT-78 CF/88/DESAPROPRIAÇÃO/INDENIZAÇÃO RE 565653
DECRETO - NULIDADE/DESAPROPRIAÇÃO/UTILIDADE PÚBLICA RE 566198
COBRANÇA ADMINISTRATIVA PRÉVIA - EXIGÊNCIA/EXECUÇÃO FISCAL/COBRANÇA DE
DÍVIDA ATIVA

terça-feira, 11 de março de 2008

O papel das súmulas vinculantes e do Conselho Nacional de Justiça

Em entrevista a revista Veja de 12.03.2008 (Fé na Justiça), a ministra Ellen Gracie Northfleet comenta o julgamento da Lei de Biossegurança e apresenta a justificativa para o seu voto na ADI 3510-DF, bem como analisa o papel do STF e do Conselho Nacional de Justiça no período de dois anos como presidente de ambos os órgãos.

Destaco da entrevista o comentário sobre o papel das súmulas vinculantes e do Conselho Nacional de Justiça.
Indagada sobre a aparente timidez do STF na edição das súmulas vinculantes (só foram editadas três até o momento), a ministra respondeu que não se trata de timidez e sim “cautela”. Dos oito temas analisados em 2007 só em três deles o “consenso era maduro o bastante para ser traduzido em súmula vinculante”. Adverte que apesar de ser um instrumento poderoso para a segurança jurídica, “o enunciado tem que ser muito claro e preciso para que os resultados sejam os melhores”. Denota-se, portanto, uma preocupação da ministra com o acesso à justiça, na medida em que as súmulas vinculantes se propõem a fechar as portas do Judiciário.
Sobre o papel do Conselho Nacional de Justiça, que teria se tornado uma espécie de “arena para brigas administrativas”, a ministra ressalta que a “idéia de um conselho no Brasil foi uma tentativa de copiar o que já existia em muitos países da América Latina, bem como na Espanha e em Portugal. Ocorre que nesses lugares o Judiciário não é considerado um poder de estado. Ele é altamente vinculado ao Executivo ou ao Legislativo. Nesse contexto, um conselho tem o papel de aliviar a pressão dos outros poderes sobre a magistratura. No Brasil, o Judiciário é um poder autônomo”. Por essa razão, ainda que o Conselho Nacional de Justiça tenha se tornado, num primeiro momento, “uma espécie de segunda instância administrativa”, atualmente está vocacionado a ser “uma instância de reflexão e planejamento para o Judiciário”.

sexta-feira, 7 de março de 2008

A questão dos embriões ADI 3510/DF

Graças ao Farlei tive acesso ao voto da Ministra Ellen Gracie... Acredito ser correto seu voto no sentido de permitir a pesquisa com as células tronco. Ressalta a Ministra que a expectativa da sociedade de que o STF desse vitória a essa ou aquela corrente científica é um equívoco. Isto porque se nem o constituinte originário abordou o assunto não pode a corte constitucional extrapolar a sua competência. Além disso, diz a ministra que permitir a pesquisa com embriões que serão jogados fora por serem inviáveis ou não quererem mais sua utilização respeita o princípio utilitarista. Para que jogar fora se podem contribuir para a ciência e para sociedade. No entanto, a Ministra afirma que a lei não permite a fecundação dos embriões para as pesquisas. Portanto, por não serem esses embriões restantes da fertilização in vitro considerados vida, não considera atentado ao direito a vida. Considera o art. 5 da lei de biossegurança constitucional pois são utilizados pré-embriões inviáveis. Indeferimento, portanto, e ao meu ver corretamente a ADI 3510/DF.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Natureza jurídica da Reclamação

No julgamento da Rcl 5470/PA, noticiado no Informativo STF 496/2008, o relator ministro Gilmar Mendes destaca a natureza jurídica e processual da Reclamação, sumariando sua origem e evolução jurisprudencial.

Tendo em conta o seu conteúdo didático, cabe a transcrição da referida decisão:

“A reclamação, tal como prevista no art. 102, I, “l”, da Constituição, e regulada nos artigos 13 a 18 da Lei n° 8.038/90, e nos artigos 156 a 162 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, constitui ação de rito essencialmente célere, cuja estrutura procedimental, bastante singela, coincide com o processo do mandado de segurança e de outras ações constitucionais de rito abreviado.

A adoção de uma forma de procedimento sumário especial para a reclamação tem como razão a própria natureza desse tipo de ação constitucional, destinada à salvaguarda da competência e da autoridade das decisões do Tribunal, assim como da ordem constitucional como um todo.

Desde o seu advento, fruto de criação jurisprudencial, a reclamação tem-se firmado como importante mecanismo de tutela da ordem constitucional.

Como é sabido, a reclamação, para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal ou garantir a autoridade de suas decisões, é fruto de criação pretoriana. Afirmava-se que ela decorreria da idéia dos implied powers deferidos ao Tribunal. O Supremo Tribunal Federal passou a adotar essa doutrina para a solução de problemas operacionais diversos. A falta de contornos definidos sobre o instituto da reclamação fez, portanto, com que a sua constituição inicial repousasse sobre a teoria dos poderes implícitos.

Em 1957, aprovou-se a incorporação da Reclamação no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Federal de 1967, que autorizou o STF a estabelecer a disciplina processual dos feitos sob sua competência, conferindo força de lei federal às disposições do Regimento Interno sobre seus processos, acabou por legitimar definitivamente o instituto da reclamação, agora fundamentada em dispositivo constitucional.

Com o advento da Carta de 1988, o instituto adquiriu, finalmente, status de competência constitucional (art. 102, I, “l”). A Constituição consignou, ainda, o cabimento da reclamação perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “f”), igualmente destinada à preservação da competência da Corte e à garantia da autoridade das decisões por ela exaradas.

Com o desenvolvimento dos processos de índole objetiva em sede de controle de constitucionalidade no plano federal e estadual (inicialmente representação de inconstitucionalidade e, posteriormente, ADI, ADIO, ADC e ADPF), a reclamação, na qualidade de ação especial, acabou por adquirir contornos diferenciados na garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal ou na preservação de sua competência.

Ressalte-se, ainda, que a EC n° 45/2004 consagrou a súmula vinculante, no âmbito da competência do Supremo Tribunal, e previu que a sua observância seria assegurada pela reclamação (art. 103-A, § 3º – “Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso”).

A tendência hodierna, portanto, é de que a reclamação assuma cada vez mais o papel de ação constitucional voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. Os vários óbices à aceitação da reclamação, em sede de controle concentrado, já foram superados, estando agora o Supremo Tribunal Federal em condições de ampliar o uso desse importante e singular instrumento da jurisdição constitucional brasileira.

Destarte, a ordem constitucional necessita de proteção por mecanismos processuais céleres e eficazes. Esse é o mandamento constitucional, que fica bastante claro quando se observa o elenco de ações constitucionais voltadas a esse mister, como o habeas corpus, o mandado de segurança, a ação popular, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

A reclamação constitucional – sua própria evolução o demonstra – não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade de decisões específicas e bem delimitadas do Supremo Tribunal Federal, mas também constitui-se como ação voltada à proteção da ordem constitucional como um todo. A tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes da decisão no controle abstrato de constitucionalidade, já adotada pelo Tribunal, confirma esse papel renovado da reclamação como ação destinada a resguardar não apenas a autoridade de uma dada decisão, com seus contornos específicos (objeto e parâmetro de controle), mas a própria interpretação da Constituição levada a efeito pela Corte. Esse entendimento é reforçado quando se vislumbra a possibilidade de declaração incidental da inconstitucionalidade de norma de teor idêntico a outra que já foi objeto de controle abstrato de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal.”

terça-feira, 4 de março de 2008

A união homoafetiva e o STF

Enquanto o Congresso Nacional tenta se equilibrar entre CPIs e Medidas Provisórias, o STF é novamente chamado a decidir um importante tema na sociedade brasileira: o reconhecimento jurídico das uniões homossexuais ou homoafetivas.


Segundo notícia publicada no site do STF, “o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) aplique o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do estado”.


Já estava mais do que na hora dessa questão receber um tratamento que desse maior segurança jurídica tanto aos administradores públicos quanto aos que mantêm relações homoafetivas. Estas, como é notório, são uma realidade, e vários casos têm chegado aos tribunais em razão da recusa da Administração em reconhecer as relações homoafetivas para fins previdenciários.


Embora as questões de interesse da comunidade, por força do princípio democrático, devessem ser tratadas no fórum político, o caso das uniões homoafetivas parece ser um daqueles que só encontram espaço nos tribunais. Uma rara exceção foi a do governo do Rio de Janeiro, e, diga-se, o Brasil não é um caso isolado. Nos países em que a religião ainda ocupa um espaço relevante na sociedade (EUA, por exemplo), a questão da legalização das relações homoafetivas é geralmente evitada nas assembléias de representantes eleitos pelo voto popular.


Por esse motivo, talvez os tribunais sejam o fórum mais adequado para tratar desse tópico, pois o que está em jogo não é a expressão da vontade da maioria, mas a garantia da dignidade humana de uma minoria claramente sub-representada no Parlamento.


Leia aqui a íntegra da notícia no STF

segunda-feira, 3 de março de 2008

Fábio Konder Comparato: o Raimundo Faoro de 2008

No início dos anos 80, Raimundo Faoro publicou uma obra Assembléia Constituinte revisitada pela Editora Brasiliense. Esta obra mereceu uma reedição recente dentro de um cojunto de textos do nosso famoso autor de Os Donos do Poder (que completa cinquenta anos de publicação em 2008). Na obra em referência destacada inicilamente por nós, Faoro denunciava que a sociedade brasileira careceu sempre de um poder constituinte legitimo. No jornal A Folha de São Paulo, da data de 3 de março de 2008, Fábio Konder Comparato retoma o mesmo raciocínio com o artigo sob o título "E agora, Brasil". Há em destaque pelo referido autor que "A Constituição de 1988 carece de legitimidade, não foi feita por uma Assembléia criada para esse fim, mas pelo Congresso Nacional. É importante não que o regime militar de 1964 impôs pela espúria Emenda Constitucional nº 26 tal formato de congresso constituinte fora o do procedimento da aprovação da citada mdança constitucional ao sistema da Carta de 1969 foi, totalmente, ilegitimo. Comparato tem a altivez de denunciar com firmeza: "Em 5 de outubro próximo, a Constituição Federal completará 20 anos de vigência. É mais do que tempo de se reconhecer o que, até hoje, poucos têm tido a coragem de declarar: ela carece de legitimidade democrática. E completa o seu raciocínio, ai lembremos, mais uma vez, de Faoro, o fato da Constituição de 1988 não foi elaborada por uma Assembléia com esse fim especifico. Denuncia, ainda, de que desse poder espúrio saiu uma estrutura de mudança constitucional que já nos deu 62 emendas constitucionais. Completa Comparato sempre em novo do povo, "um soberano de opereta". O jurista paulista explica a nossa trajetória histórica em que o poder político esteve sempre nas mãos de uma minoria conservadora. Mas, grave está pontuado no texto resenhado por nós de que "a única novidade é que os atuais oligarcas passaram a desenvolver uma guerra de conquista sistemática do espaço público (reservais florestas, canais de TV, apropriação de quase todos os serviços públicos". Comparato propõe como única saída institucional possível é introduzir na constituição uma emenda autorizando uma revisão geral. A mencionada autorizaçaõ seria precidida de um plebiscito e os poderes seriam atribuídos a uma Assembléia com esse fim evitando os erros do Congresso Constituinte de 1987 e 1988. Nós acrescentariamos que o problema não é estarmos diante apenas de novos poderosos oligarcas, é de refletirmos o papel institucional assumido pelo STF nesses quase vinte anos. Indagamos a nossa Corte Maior está sendo apta para abrir caminho para uma sociedade democrática mesmo diante dos impasses politicos lembrados por Comparato?