Uma ação inciada na Corte Federal do Havaí nos faz lembrar de uma antiga série de TV, The Twilight Zone, que aqui no Brasil foi chamada “Além da imaginação”. Segundo o New York Times, O Sr. Wager – que vive no Havaí e tem doutorado em Direito pela University of Northern California – e o Sr. Sancho – que vive na Espanha e se auto descreve como autor e pesquisador na teoria do tempo – questionam no judiciário federal norte-americano a entrada em operação de um gigantesco acelerador de partículas que está sendo instalado na Suíça pelo European Center for Nuclear Research, ou CERN. Alegam os autores que o acelerador de partículas poderá provocar um buraco negro que causaria o fim do planeta Terra e, talvez, de todo o universo.
O que salta aos olhos à primeira vista são problemas bem conhecidos do Direito, tais como os provenientes da questionável jurisdição de uma Corte americana sobre um organismo científico internacional localizado na Europa. O caso também seria um interessante exemplo para a tese de Sociedade de Risco Global de Beck, pois estamos diante de um nítido caso de risco criado pela tecnologia, que tem efeitos transfronteiriços (segundo os autores, os efeitos poderiam ser interplanetários).
Entretanto, o ponto que gostaríamos de destacar – e que também não passou despercebido pelo autor do artigo no NYT – é que o caso de Wagner e Sancho, embora um pouco esdrúxulo, toca em duas relevantes questões que enfrentamos na análise do Estado de Risco. Em primeiro lugar, como estimar riscos produzidos por novas tecnologia? Em segundo lugar, e não menos importante, a quem cabe decidir sobre a continuidade ou não de tais projetos?
O judiciário vem sendo chamado, com crescente frequência, para decidir a respeito de questões ligadas ao Estado de Risco, nas quais não existe um consenso na política ou mesmo na sociedade. Vide neste blog, por exemplo, o debate no STF sobre a ADI da Biossegurança ou sobre a transposição do Rio São Francisco.
A explicação para tal fenômeno ainda carece de maiores estudos, mas podemos nos arriscar a apresentar pelo uma possível causa: diferentemente do fórum político ou do debate social, a jurisdição é obrigada constitucionalmente a apresentar uma resposta (certa ou errada), e além disso, essa resposta deve ser apresentada em um prazo razoável.
Como costumava dizer pra meus alunos, não decidir equivale a decidir pelo não, ou, em uma proposição menos radical, significa decidir pela manutenção das coisas no estado atual. Por exemplo, enquanto o Congresso não decide sobre a legalização das uniões homoafetivas, ele está mantendo essas uniões à margem do reconhecimento de determinados direitos. Com os tribunais a questão é diferente. Mesmo quando o julgamento é postergado (vide o caso do pedido de vista em relação ao julgamento da constitucionalidade da pesquisa com embriões), existem normas processuais que forçam os tribunais a chegar a uma conclusão em prazo razoável.
Então, o que devem fazer os tribunais? Decidir sobre as questões controvertidas relativas ao risco (com possível supressão de várias instâncias de debate na sociedade) ou afirmar que essas questões devem ser resolvidas por órgãos com representação democrática (indiretamente negando a prestação jurisdicional)? Nenhum desses extremos nos parece razoável.
Clique aqui para ler a reportagem no NYT (Asking a Judge to Save the World, and Maybe a Whole Lot More).