segunda-feira, 3 de março de 2008

Fábio Konder Comparato: o Raimundo Faoro de 2008

No início dos anos 80, Raimundo Faoro publicou uma obra Assembléia Constituinte revisitada pela Editora Brasiliense. Esta obra mereceu uma reedição recente dentro de um cojunto de textos do nosso famoso autor de Os Donos do Poder (que completa cinquenta anos de publicação em 2008). Na obra em referência destacada inicilamente por nós, Faoro denunciava que a sociedade brasileira careceu sempre de um poder constituinte legitimo. No jornal A Folha de São Paulo, da data de 3 de março de 2008, Fábio Konder Comparato retoma o mesmo raciocínio com o artigo sob o título "E agora, Brasil". Há em destaque pelo referido autor que "A Constituição de 1988 carece de legitimidade, não foi feita por uma Assembléia criada para esse fim, mas pelo Congresso Nacional. É importante não que o regime militar de 1964 impôs pela espúria Emenda Constitucional nº 26 tal formato de congresso constituinte fora o do procedimento da aprovação da citada mdança constitucional ao sistema da Carta de 1969 foi, totalmente, ilegitimo. Comparato tem a altivez de denunciar com firmeza: "Em 5 de outubro próximo, a Constituição Federal completará 20 anos de vigência. É mais do que tempo de se reconhecer o que, até hoje, poucos têm tido a coragem de declarar: ela carece de legitimidade democrática. E completa o seu raciocínio, ai lembremos, mais uma vez, de Faoro, o fato da Constituição de 1988 não foi elaborada por uma Assembléia com esse fim especifico. Denuncia, ainda, de que desse poder espúrio saiu uma estrutura de mudança constitucional que já nos deu 62 emendas constitucionais. Completa Comparato sempre em novo do povo, "um soberano de opereta". O jurista paulista explica a nossa trajetória histórica em que o poder político esteve sempre nas mãos de uma minoria conservadora. Mas, grave está pontuado no texto resenhado por nós de que "a única novidade é que os atuais oligarcas passaram a desenvolver uma guerra de conquista sistemática do espaço público (reservais florestas, canais de TV, apropriação de quase todos os serviços públicos". Comparato propõe como única saída institucional possível é introduzir na constituição uma emenda autorizando uma revisão geral. A mencionada autorizaçaõ seria precidida de um plebiscito e os poderes seriam atribuídos a uma Assembléia com esse fim evitando os erros do Congresso Constituinte de 1987 e 1988. Nós acrescentariamos que o problema não é estarmos diante apenas de novos poderosos oligarcas, é de refletirmos o papel institucional assumido pelo STF nesses quase vinte anos. Indagamos a nossa Corte Maior está sendo apta para abrir caminho para uma sociedade democrática mesmo diante dos impasses politicos lembrados por Comparato?

2 comentários:

Lucas Vieira disse...

Parabéns pelo blog.

Continuem sempre postando.

Virei agora sempre que puder.

Abraços.

Alceu Mauricio, Jr. disse...

Embora concorde com os argumentos históricos (a CF de 1988 foi criada através de uma Emenda Constitucional imposta pelo regime anterior) discordo completamente das conclusões de Comparato.

Por sorte (e por azar) sou velho o suficiente para poder dizer que vivi aquele período na virada da minha maioridade civil (na época, aos 21 anos) e ao mesmo tempo em que colava grau em meu primeiro curso superior. Porém, mais do que o argumento da história vivida, é na substância da CF de 1988 que retiro as razões para discordar do artigo.

Embora na gênese a CF de 1988 não tenha sido legitimada completamente pelo voto popular (refiro-me à EC que determinou sua instalação), é certo que o Povo teve a oportunidade de eleger os constituintes. E, mais do que isso, o resultado final do texto constitucional representou uma verdadeira vitória democrática, com o fim da censura, a reafirmação dos direitos fundamentais, e, principalmente, os mecanismos institucionais para que essas afirmações não ficassem apenas no plano das declarações, como ocorreu com Constituições anteriores.

Ainda há muito o que ser aperfeiçoado em nosso regime constitucional, mas, se pelo menos no plano formal a democracia brasileira é um sucesso, muito se deve ao texto aprovado em 1988. A CF de 1988 também trouxe os instrumentos necessários para o alcance de uma democracia material, com a redução da desigualdade, o que vem acontecendo, apesar do ritmo ainda insuficiente. Se a desigualdade social ainda é grande no Brasil, com certeza não é por conta do texto constitucional.

O argumento de Comparato é tudo menos novo. Tem no mínimo a idade da própria CF de 1988. Mas se levarmos a questão para o plano internacional, veremos, por exemplo, que o mesmo argumento foi usado contra a Lei Fundamental alemã. De acordo com Daubler-Gmelin, a Lei Fundamental foi instituída sob a égide dos aliados. Seu texto foi elaborado pelo Conselho Parlamentar, escolhidos pelas assembléias estaduais, “e não por uma população em geral”. O consenso básico do Conselho Parlamentar resumiu-se nos seguintes termos: “a razão de ser do novo Estado deveria ser o homem”, e não o contrário. Esse também foi o consenso que cimentou as bases da CF de 1988: democracia e dignidade humana.

Por mais que respeite o Prof. Comparato, sempre desconfio de quem ataca a CF de 1988. Não por uma “religião constitucional”, mas porque acho que o problema não está na Constituição, mas nos governos. É certo que a CF tem muitos defeitos, mas, como produto do engenho humano, não poderia ser diferente. Contudo, o que não se pode dizer da CF de 1988 é que ela não é democrática.