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Opinião Jurídica: A repercussão geral e a nova advocacia
Cristiane Romano e Bruno Alves Duarte
21/07/2010
O Supremo Tribunal Federal (STF) vem, paulatinamente, assumindo seu papel de Corte constitucional, tendo por foco definir as mais relevantes teses jurídicas postas à apreciação do Poder Judiciário.
Essa transformação do tribunal em uma Corte constitucional à brasileira - já que retém muitas das características que tornam o STF único no direito comparado - tem como um de seus vetores, a chamada "crise do STF", expressão antiga que se traduz na invencível carga de processos, geralmente repetitivos, acumulando-se nos gabinetes.
Após décadas de paliativos jurisprudenciais, principalmente a chamada jurisprudência defensiva, sob a qual se fulminaram incontáveis processos por falhas formais, podemos afirmar que a Corte, atualmente, além de reduzir seu acervo, reforça seu papel institucional não só no compartilhamento com os demais poderes da República, como também em relação à própria sociedade, que na última década passou a sentir na própria pele os efeitos das decisões do tribunal.
O instrumental para essa mudança veio no bojo da primeira parte da reforma do Judiciário, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, formado por um tríptico cuja interrelação se tornará cada vez mais frequente: a repercussão geral no recurso extraordinário, a súmula vinculante e a súmula impeditiva de recursos (CPC artigo 518, parágrafo 1º).
Para que tais inovações tivessem êxito, a presidência do tribunal, sob a batuta do ministro. Gilmar Mendes, implementou profundas modificações, não somente no aparato técnico, com grandes investimentos em TI, mas também em relação à própria forma de enxergar o processo, com a migração dos autos físicos para o eletrônico e, ainda, o novo enfoque do recurso extraordinário - que não pode mais ser visto como um simples recurso interpartes.
Trata-se de verdadeira mudança de cultura pela qual estão passando os ministros, servidores e advogados militantes na Corte.
Dos institutos citados, o mais relevante atualmente, não somente para os advogados, mas também para a sociedade, é o da repercussão geral. Em grossa simplificação, o Supremo julgará somente uma vez cada matéria constitucional que considere possuir especial relevância econômica, política ou social.
Assim, enquanto não julgada a matéria cuja repercussão tenha sido reconhecida, os recursos sobre o mesmo tema ficam suspensos nos tribunais de origem e, uma vez julgada a questão, estes mesmos tribunais darão o destino final aos processos, sem que jamais cheguem ao Supremo.
Após o julgamento pelo Supremo, a tese vencedora estará fixada, sendo seu efeito irradiado para todo o Poder Judiciário. Isso significa que, sejam lá quais forem as qualidades argumentativas dos advogados, o mérito do processo de uma parte será decidido no julgamento de um processo de outrem. Ou, nos dizeres do professor Gilmar Mendes, é o mesmo que ser enforcado com o pescoço alheio.
Está posta, portanto, verdadeira revolução na sistemática jurisdicional brasileira que deve, necessariamente, ser acompanhada por outra revolução: a prática da advocacia, especialmente na área tributária; dos aproximadamente 120 processos com repercussão geral reconhecida e julgamento pendente, em torno de 60 tratam de temas tributários.
Portanto, ao ingressar com uma ação em que a tese discutida seja passível de repercussão geral, o advogado deve atentar se aquele tema está sob análise do Supremo.
Desse modo, torna-se imprescindível para o exercício da advocacia o acompanhamento e a atuação perante o Supremo, mesmo que o caso em discussão não seja de seu patrocínio. Para tanto, o tribunal deve estar aberto a receber os interessados no tema, além de memoriais, e, sobretudo, os advogados devem valer-se da poderosa arma à disposição daqueles dispostos à colaborar com o triunfo de uma tese: a intervenção nos processos sob a forma de amicus curiae, o amigo da Corte (ou da parte, como se referem alguns).
Outro desafio para a advocacia em face do instituto da repercussão geral diz respeito à necessidade de se requerer de todas as instâncias, e não mais apenas do STF, que sejam analisadas as violações constitucionais apontadas, inclusive por meio de suas Cortes Especiais ou plenários, caso declarem inconstitucionalidade de normas ou afastem sua aplicação por este motivo.
Isso porque, na prática, os tribunais sempre foram tímidos em analisar a constitucionalidade de normas, já que o Supremo fatalmente o faria em sede de recurso extraordinário. Ocorre que, na nova sistemática, o STF pode definir que determinado tema não possui repercussão geral.
Nesse caso, corre-se o risco de simplesmente não se ter analisadas as ofensas constitucionais - sem repercussão geral, mas que não deixam de ser ofensas à Constituição -, ao menos que as outras instâncias do Poder Judiciário apreciem tais alegações. Nesse sentido, sem sombra de dúvida, o maior desafio será convencer o Superior Tribunal de Justiça a analisar as violações constitucionais apontadas.
Ou seja, a matéria constitucional tem de fazer parte, também, das alegações dos mais variados recursos. Nessa linha, vale dizer que os demais tribunais darão a última palavra sobre a interpretação constitucional quando a matéria não tiver repercussão geral reconhecida.
Portanto, hoje o advogado diligente deve defender os interesses de seus clientes sempre com um olho no Supremo e o outro também.
Cristiane Romano e Bruno Alves Duarte são, respectivamente, sócia responsável pela unidade de Brasília do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice; e advogado da mesma banca
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
quarta-feira, 21 de julho de 2010
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