sexta-feira, 31 de julho de 2009

A AGU e as agências reguladoras

Valor Economico de 30 de julho de 2009
Ampliação do papel da AGU pode trazer conflitos, dizem especialistas

Procuradores, ex-conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e especialistas em Direito alertaram ontem para os riscos de politização e de perda de independência das agências reguladoras, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em seminário promovido ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre regulação e Justiça, demonstraram preocupação com a publicação recente de portaria que transfere aos procuradores da Advocacia Geral da União (AGU) a função de defender as causas judiciais dos órgãos de regulação.

Com autonomia em relação ao executivo, tais instituições são representadas por procuradores próprios quando os processos administrativos vão para a Justiça. Na avaliação do presidente do Cade, Arthur Badin, a portaria pode criar conflitos de interesse com o governo, além de enfraquecer o papel desses órgãos, uma vez que a AGU é representante direta do Executivo e da Presidência da República.

Segundo Badin, a portaria pode afetar o resultado dos processos administrativos que acabam na Justiça. No caso do Cade, 82% dos casos param na Justiça. "Às vezes, o Cade terá uma decisão contrária à do governo. É por isso que os membros do Cade têm mandato e que as suas decisões não podem ser revistas pelo poder Executivo porque muitas decisões são impopulares no curto prazo, mas importantes para a sociedade no longo prazo", argumentou Badin, para quem a judicialização das decisões administrativa é "inevitável".

Ele não descarta entrar na Justiça para reverter a portaria, mas disse ser "muito ruim" que a Justiça tenha que decidir sobre as atribuições de defesa desses órgãos. "Confio que isso é uma questão de tempo e no bom senso do ministro [José Antonio Dias Toffoli, da AGU] e que isso vai ser equalizado", afirmou Badin. Ele sugere que os procuradores das agências, do Cade e da CVM sejam vinculados à AGU, mas que a sua atuação seja preservada devido aos conhecimentos técnicos específicos que cada procuradoria tem, como defesa da concorrência, legislação ambiental ou telecomunicações.

Os procuradores do Cade, por exemplo, acompanham o julgamento dos processos administrativos desde o início. Quando a questão vai para a Justiça, os procuradores podem preparar uma defesa técnica em 24 horas com base na orientação da autarquia. "Quando você joga isso para um órgão centralizado sem especialidade é a mesma coisa que operar e optar não por um médico especialista na doença e sim por um clínico geral. E hoje, cada vez mais a advocacia é exercida por especialistas", disse.

Para o professor de Direito administrativo da Uerj e procurador do Estado do Rio Alexandre Aragão, a medida da AGU fere a independência das autarquias. "A autonomia jurídica é pressuposto essencial à autonomia decisória", disse. Na visão do professor da USP e PUC-SP e ex-conselheiro do Cade Celso Campilongo, a portaria pode contaminar politicamente as agências, o Cade e a CVM. "O Cade, por exemplo, não tem a competência de ser órgão de governo e tem garantias que lhe protegem de intromissões do Executivo", afirmou Campilongo.

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