sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A judicialização da política de medicamentos e o STF

O jornal Folha de São Paulo de 09 de janeiro de 2009 publica a seguinte matéria:

Triplicam as ações judiciais para obter medicamentos
Levantamento do Ministério da Saúde revela que em 2008 foram gastos R$ 52 milhões

Segundo o governo, 60% dos pacientes que entram com processos poderiam ser tratados com remédios similares existentes no SUS



Ações judiciais para a aquisição de medicamentos consumiram R$ 52 milhões do Ministério da Saúde em 2008, o triplo do valor gasto em 2007, revela levantamento do governo federal. Em três anos, o aumento dos custos com a judicialização foi de quase 2.000%.
Nesses valores não estão incluídos os gastos dos Estados. Em 2007, São Paulo despendeu cerca de R$ 25 milhões por mês para cumprir ordens judiciais determinando a distribuição de remédios que não constam na lista do SUS. No Rio Grande do Sul, foram outros R$ 6,5 milhões mensais e, em Minas Gerais, quase R$ 40 milhões gastos no ano com essas ações.
Segundo o ministério, 60% dos pacientes que ingressam com ações poderiam ser tratados com remédios similares, disponíveis no SUS. Os outros 40% pedem drogas de última geração, algumas das quais não estão aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
É o caso, por exemplo, do Naglazyme, uma terapia de reposição enzimática para tratar uma doença congênita grave (mucopolossacaridose). O custo mensal do tratamento, por pessoa, é de R$ 133.980. Em 2008, houve 47 ações judiciais pedindo a medicação.
Na avaliação da pasta, muitos dos medicamentos requeridos por meio de ações judiciais agregam baixo ganho terapêutico em relação aos oferecidos pelo SUS. Para ONGs de pacientes, no entanto, algumas dessas drogas representam a última alternativa para manter vivo um doente.
"Vemos hoje pessoas [que tinham sido desenganadas pelos médicos] vivendo há cinco, seis anos, graças a medicamentos que conseguiram via ações judiciais. Nem todo mundo responde da mesma maneira, mas para muitas pessoas essas drogas são cruciais", diz Marília Casseb, superintendente da Associação Brasileira do Câncer.
Para conter o avanço das ações judiciais, o governo federal aposta na aprovação de um projeto de lei (PL 219/2007) que tramita no Senado, de autoria do senador Tião Vianna (PT-AC), que estabelece que a oferta de medicamentos pelo SUS aconteça somente com base em prescrições amparadas em protocolos clínicos aprovados pelo Ministério da Saúde.
As ONGs entendem que, se aprovado dessa forma, o projeto poderá impedir que as pessoas recorram à Justiça para ter acesso a medicamentos de alta complexidade ainda sem registro na Anvisa. "Defendemos que os protocolos clínicos sejam frequentemente atualizados e que, uma vez por ano, a lista de novos medicamentos seja revista pelo ministério", explica Marília Casseb.
A polêmica sobre a distribuição de remédios excepcionais também chegou ao Supremo Tribunal Federal, que deve julgar até o final do ano um recurso definindo como deve ser a oferta de medicamentos não-incluídos na lista de drogas fornecidas pelo ministério.
Segundo o Ministério da Saúde, o assunto ganhou urgência também pela descoberta de fraudes em ações judiciais para beneficiar laboratórios. Em 2007, nove pessoas foram presas em Marília (interior de São Paulo) sob a acusação de forjar receitas médicas para obrigar, por meio de ações judiciais, a Secretaria de Estado da Saúde a comprar remédios para 15 pessoas com psoríase (doença inflamatória da pele). Em um ano foram gastos em torno de R$ 900 mil.

Inglaterra
O alto custo das medicações, especialmente as drogas oncológicas, tem gerado discussão em todo o mundo. A França, por exemplo, decide se concede ou não uma nova droga após uma comissão avaliar o perfil do paciente e a eficácia da terapia. Já a Alemanha define, de antemão, os tratamentos e remédios que são reembolsáveis.
No Reino Unido, é o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (Nice) que aprova os medicamentos aos quais os pacientes terão acesso. Em 2007, porém, uma decisão do órgão -que foi revogada- causou grande polêmica. Ela estabelecia um limite de pagamento de US$ 22.750 por uma droga oncológica que oferecia uma sobrevida de seis meses.
Segundo Andreas Seiter, especialista em saúde do Banco Mundial, durante vários anos a Inglaterra foi praticamente o único país a adotar a relação custo e efetividade para decidir quanto pagar por determinada droga. "Agora, o modelo tem influenciado políticas de saúde de países como Áustria, Brasil, Colômbia e Tailândia", diz ele.
O secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, afirma que o governo brasileiro tem se espelhado na forma como o sistema de saúde britânico incorpora novas tecnologias, baseado em evidências científicas. "Essa ideia de que os sistemas de saúde têm que ter uma regra sobre o que pagar e o que não pagar é uma tendência mundial, embora muito polêmica porque passa pela questão de quanto vale uma vida."
No caso do Brasil, avalia Guimarães, a discussão esbarra na lei que criou o SUS, que estabelece que o sistema deve oferecer cuidado integral, mas não define o conceito de integralidade. "Esperamos que o projeto de lei regulamente isso."
Guimarães acredita que, mesmo com o projeto aprovado, as ações judiciais vão continuar, já que são um direito constitucional do cidadão. "Queremos é acabar com a epidemia da judicialização."

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