Interpretação das normas do Mercosul noticia de O Estado de São Paulo de 08 de janeiro de 2009 enviada pelo monitor de Teorias do Estado da Univ. Federal Fluminense (UFF)
João Grandino Rodas
O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a regulamentar a tramitação da solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR). Como as Cortes Supremas da Argentina, do Paraguai e do Uruguai já o haviam feito, tudo está preparado para o aumento dos pedidos de tais opiniões. O que isso significa em termos práticos?
Dois dos pressupostos iniciais básicos do Mercosul ainda vigoram, após 18 anos de seu estabelecimento:
A intergovernamentalidade (no seio de seus órgãos políticos, para se chegar a uma decisão são necessários os votos de todos os seus membros, equivalendo a negativa de um deles ao veto);
e a parcimônia de estrutura orgânica (o bloco econômico prefere ir criando órgãos ou os tornando mais complexos à medida das necessidades).
As normas jurídicas que regulamentam o Mercosul, criadas internacionalmente no seio do bloco, incorporaram-se ao ordenamento jurídico dos países membros, não automaticamente, mas seguindo regras idênticas a qualquer tratado internacional. No caso do Brasil, a validade interna das regras do Mercosul depende de aprovação pelo Legislativo e de promulgação pelo Executivo. As normas do Mercosul, inobstante sua origem internacional, são aplicadas pelos diversos executores do Direito, inclusive pelos juízes e árbitros, quer internacionalmente, no seio dos órgãos do próprio Mercosul, quer nacionalmente, no âmbito dos Estados membros. Assim, cada juiz de tais países interpreta a norma Mercosul e a aplica para solucionar o caso concreto. Para a aplicação correta e isonômica da regra do bloco deve haver a possibilidade de unificação de interpretação por órgão internacional. Daí a importância da opinião consultiva exarada pelo TPR.
O Tratado de Assunção (1991), origem do Mercosul, estabeleceu, provisoriamente, que as controvérsias entre os Estados partes seriam dirimidas por negociações diretas ou mediante recomendações de órgãos superiores da própria organização. Meses após, o Protocolo de Brasília desenhou modalidade de solver litígios por meio de tribunais arbitrais ad hoc, uma vez esgotada a tentativa de solução política no âmbito dos órgãos do Mercosul. Essa solução provisória durou até 2004 e contabilizou nove laudos arbitrais sobre questões de índoles diversas. Nesse ano entrou em vigor um novo sistema de solução de controvérsias, criado pelo Protocolo de Olivos (2002), que, mantendo como primeira instância os tribunais arbitrais ad hoc, criou como segunda instância o TPR, com competência para rever os laudos exarados pela primeira instância, para dirimir em única instância controvérsia concreta entre Estados partes e para emitir opiniões consultivas. Esse tribunal tem natureza jurídica mista: é tribunal arbitral, enquanto reexamina laudo arbitral de primeira instância ou quando soluciona única e definitivamente caso contencioso entre Estados, e é tribunal de justiça, quando emite opiniões consultivas.
Sem sombra de dúvida, ao criar o TPR, o Protocolo de Olivos não somente lançou as bases para que o Mercosul pudesse ter, a seu tempo, um tribunal de justiça pleno, como propiciou um período de aprendizagem aos juízes nacionais dos países membros sobre o relacionamento entre jurisdições nacionais e jurisdições internacionais do organismo econômico regional, no que tange à interpretação das normas desse bloco. Nestes mais de quatro anos, o TPR, além de ter atuado nas várias vertentes de sua competência, vem contribuindo para lançar as bases do aperfeiçoamento institucional da solução de controvérsias no Cone Sul.
Opinião consultiva é a resposta fundamentada do TPR, não obrigatória nem vinculante, sobre questão jurídica acerca de interpretação e aplicação de normas do Mercosul em caso concreto, com o fito de possibilitar sua aplicação uniforme no território dos Estados partes.
Podem solicitar opinião consultiva os Estados partes, os órgãos decisórios e o Parlamento do Mercosul, além dos juízes dos Estados partes, por intermédio dos Supremos Tribunais desses Estados. Referentemente ao alcance, as opiniões podem versar sobre as normas originárias, como o Tratado de Assunção, ou normas derivadas dos órgãos decisórios do Mercosul - obviamente, vedada qualquer intromissão no direito interno dos Estados partes.
A opinião prejudicial, vigente no Mercado Comum Europeu/União Europeia, coerentemente com sua característica supranacional, é vinculante e obrigatória.
Recentemente, por ocasião do VI Fórum de Cortes Supremas dos Estados membros do Mercosul, realizado na sede do STF, em Brasília, foi propugnada a "criação" imediata de um tribunal de justiça pleno (alguns acrescentariam supranacional) para o bloco. Logo a seguir, tal pleito ecoou no Parlamento do Mercosul. Esse afã me parece açodado, por várias razões:
Contraria as premissas básicas de intergovernamentalidade e parcimônia de estrutura orgânica, vigentes no bloco;
deixa de utilizar as potencialidades do TPR, em razão de preferência por estrutura mais avançada; não leva em conta que há questões prévias a serem decididas, antes que uma Corte de Justiça plena tenha condições de funcionar;
imagina que possa ser reproduzido aqui o ocorrido nos albores da Mercado Comum Europeu, quando seus juízes tiveram papel primordial na corporificação do conceito de supranacionalidade e na sua implementação, sem lembrar que as circunstâncias eram outras.
No caminho preparatório para a transformação do TPR em tribunal pleno de justiça, certamente a generalização do instituto da opinião consultiva seria um grande passo.
João Grandino Rodas, presidente do TPR, desembargador federal aposentado do TRF da 3.ª Região, diretor da Faculdade
de Direito da USP, master of Laws pela Harvard Law School, foi chefe da Consultoria Jurídica do Itamaraty (1993-1998).
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
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