sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O paradigma de Denninger na jurisprudência do STF

Erhard Denninger (Diritti Dell´uomo e Legge Fondamentale, Torino: Giappichelli) evoca a insurgência de uma nova visão constitucional baseada na segurança, diversidade e solidariedade, em substituição à tríade tradicional da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Segundo Denninger esse novo paradigma surge como sendo a idéia central e a força propulsora por trás de muitos debates recentes sobre reforma constitucional nos Länder alemães.

A passagem da igualdade para diversidade ocorre em função de um novo ideal constitucional que deixa de ser direcionado à síntese de um todo universal para a coexistência de uma pluralidade de identidades étnicas, culturais e lingüísticas visando a proteção de minorias e dispositivos sustentando interesses minoritários, frequentemente incompatíveis.

Esse desejo por diversidade é compensado no principio da solidariedade, que “não é usado apenas para decorar preâmbulos”, mas que ganhou expressão em dispositivos constitucionais suplementares e protetivos. Inobstante reconhecer Denninger que a substancia jurídica e ética da solidariedade permanece indeterminada, a seu ver, solidariedade significa uma vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que nos compele a oferecer ajuda, enquanto se apóia na similitude de certos interesses e objetivos de forma a, não obstante, manter a diferença entre os parceiros na solidariedade. Significa também, em termos jurídicos, uma rejeição do caráter vinculante de sistemas de valor universais, e a renúncia da exigência de ser igual ao outro tanto em posse quanto em consciência. Segundo Denninger, “o caráter vinculante geral de uma postura solidária repousa no conhecimento da subjetividade relativa de toda experiência de valor e na renúncia ao desejo de forçar os outros a serem felizes”. Antes e acima de tudo, a solidariedade também exige uma constante transcendência dos próprios pequenos preconceitos nascidos de um etnocentrismo primitivo.

Já a segurança não possui mais o mesmo significado que lhe emprestou a Revolução Francesa e o Estado de Direito formal, ou seja, de uma segurança garantida pelo direito, de viver pacificamente, sem armas, sem violência, e no sentido jurídico do termo, a ação limitada e calculável da ação do Estado e a certeza do direito fundada na sua clara e inequívoca cognição. Segurança significa agora o prospecto da atividade ilimitada e infindável patrocinada pelo Estado em favor da proteção dos cidadãos contra perigos sociais, técnicos e ambientais. Isto deve ser reconhecido como a face do “estado preventivo” (sobre essa noção, consulte-se por todos, Dieter Grimm, Constitucionalismo y derechos fundamentales, Madrid: Trotta, 2006). O estado de prevenção de Denninger é inspirado pela máxima segurança, de cuja evolução decorre duas conseqüências: o direito fundamental como dever positivo de proteção do estado; o direito fundamental à segurança.

Esse novo paradigma de Denninger, ainda que passível de crítica no contexto de outros sistemas jurídicos constitucionais (consulte-se Michel Rosenfeld, O Constitucionalismo americano confronta o novo paradigma constitucional de Denninger, Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 88, dez/2003) tem encontrado na jurisprudência do STF um reconhecimento implícito, como por exemplo, no HC 83.554-6/PR, em que o Relator Min. Gilmar Mendes refere o problema da sociedade de risco nos atos lesivos ao meio ambiente, bem como na discussão sobre o caráter solidário e contributivo do regime de previdência dos servidores públicos (ADI 3105/DF e ADI 3128/DF).

2 comentários:

Guilherme Costa disse...

Pois é exatamente este tema que tem sido discutido em sala de aula: a sociedade de risco e a necessidade, até certo ponto paradoxal, de um Estado forte. É realmente complicado buscar alternativas para esse moderno paradigma que se estrutura. Creio que, no caso específico da América Latina, urge um reforço dos valores democráticos em todo o campo social, de modo a criar uma espécie de anteparo evitando o alatramento do fenômeno autoritário venezuelano (vale lembrar que temos uma certa tradição de recebermos direitos sociais como "presentes" do Estado) . Em terreno fértil, o discurso em favor da segurança coletiva e da diversidade pode facilmente fazer germinar um regime de demagogia.

Daniel Ferreira disse...

Os paradigmas de Denninger são desdobramentos da tríade, ainda não plenamente realizada, da Revolução francesa. No seu texto demonstra uma teoria utópica baseada na alemanha, onde o Estado deve ser o provedor primário do bem-estar social, algo até possível para os países de ponta mas não para nós da chamada "periferia". No entanto, o texto é muito válido para reflexão.