sábado, 24 de novembro de 2007
O modelo canadense e a consituição
O jornal O Valor de 22 de novembro de 2007 publica importante artigo sob o título "Decisões recentes da Suprema Corte" da Presidente da Suprema Corte do Canadá. Além de delimitar pontos comuns institucionais entre o Canadá e o Brasil, como é o caso de nossos dois países ter adotado o sistema federativo, a leitura do citado texto é bastante valiosa como subsídio informativo para o nosso atual debate a respeito da judicialização da politica. Pois, estamos testemunhando, nessa atual quadra histórica política brasileira, um fortalecimento imenusurado do Supremo Tribunal Federal. A autora do referido artigo relata duas experiências resultantes de decisões da Suprema Corte do Canadá. Uma é a respeito do caso Charkoui no qual foi considerado inconstitucional o sistema canadense de certificados de segurança. Tal fato decorreria porque fere direito à liberdade e à garantia de segurança do individuo protegidas pela Carta Canadense de Direitos e Liberdades. Foi decidido que o parlamento canadense tem o prazo de uma ano para reformar a citada lei. O artigo reportado por nós acentua: "Embora a Suprema Corte tenha decidido que a lei era inconstitucional, é uma prerrogativa do Parlamento , formado por representantes eleitos, ajustar a legislação para fazê-la obedece à Constituição". O outro caso destacado é "Chaou/li v Quebec". Trata-se de decisão em virtude da frequente morosidade na autorização de procedimentos cirúrgicos por parte do serviço de saúde pública canadense. A Corte em exame decidiu ser inconstitucional as legislações provinciais que proibia o cidadão ter seguro privado de saúde para serviços cobertos pelo sistema financiado pelo poder público. Apesar das críticas e incompreensões a respeito do julgado por estar, supostamente, favorecendo a privatização do serviço de saúde. Na verdade , a Suprema Corte Canadá garantiu foi uma flexibilização do serviço de saúde pública para torna-lo mais adequado no atendimento de casos médico-cirúrgico onde há mais demora na sua solução. Dessa forma, o legislativo da Provincia de Quebec aprovou legislação indicando em que procedimentos cirúgicos poderia haver atuação de serviço privado. Com esses casos relatados, a Presidente da Suprema Corte do Canadá Beverley McLachlin elogia essas articulações politicas e institucionais com os poderes do Estado no Canadá. Vale observar, ainda, que esse denominado modelo canadense de constrole de constitucionalidade nos remete para o famoso debate travado entre Mark Tushnet, Lawrence Tribe e Jeremy Waldron editado na revista eletrônica Dissent do verão e primavera de 2005 (www.dissentmagazine.org). Tushnet abre o debate de forma radical propondo uma emenda constitucional nos Estados Unidos vedando qualquer juiz norte-americano pronunciar-se a respeito de matéria de constitucionalidade. Esse constitucionalista americano defende que tal missão institucional caberia ao Legislativo. Relata, mas não está de acordo, com a experiência canadense de "weak judicial review" no qual, como demonstra o texto publicado pelo jornal O Valor, há uma cooperação entre o Judiciário e o Legislativo. Jeremy Waldron responde que a proposta de Tushnet de acabar com o judicial review é tentadora. Ele está realmente seduzida por ela. Contudo, ele opta pela experiência britânica em que um juiz diante de uma matéria inconstitucional pode apenas apresentar uma "declaração de incompatibilidade". Cabe, assim, a Câmara dos Lordes a tarefa final do questionamento de inconstitucionalidade. Tushnet rebate esse argumento lembrando que tanto no Canadá como na Austrália o denominado "weak judicial review" não funcionam de forma adequada. Diante de todo esse contexto argumentativo, haveria um procedimento de inconstitucionalidade rigorosamente perfeito e democráticamente de forma institucional? Ou a solução não seria de modo incessante buscar um aperfeiçoamento no qual, por exemplo em relação ao Brasil, mantivesse não só o sistema difuso como também em termos de Supremo Tribunal Federal alargar mais as experiências de "amicus curiae" decorrente do artigo 7º,§ 2º da Lei n º 9868/99?
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2 comentários:
Creio ser interessante esta proposta apresentada pelo governo canadense, fundada em uma certa articulação entre Legislativo e Judiciário uma vez que, em um regime representativo, é a instituição do Congresso que encarna de modo mais contundente os princípios democráticos. Comenta-se muito que a razão para o crescente ativismo judicial, percebido nas práticas do STF, seria justamente uma espécie de reação a uma suposta inércia por parte do legislador na busca da efetivação das garantias constitucionais. Talvez a adoção de um modelo canadense venha a exigir, como pressuposto, um revigoramento das câmaras alta e baixa, pois é inegável a imagem negativa que os últimos casos de corrupção têm constituido em torno deste poder. De qualquer forma, penso que as transformações por que tende a passar nossa jurisdição constitucional constitucional têm de abranger (ainda que por enquanto mostre-se algo incipiente)maior publicidade e abertura para órgãos sociais (ex: recente caso da definição de "vida").
Sou levado a crer que a proposta de Tushnet deve ser avaliada com base nas seguintes premissas. Em primeiro lugar, ele está focado no sistema norte-americano, cuja constituição é extremamente aberta e tem um procedimento de emenda muito difícil.Comparando com o sistema brasileiro, temos uma realidade completamente diferente. A CF de 88 é um texto detalhado, e boa parte da jurisdição constitucional é exercida basicamente através dos clássicos métodos de interpretação de Savigny. Daí porque nosso controle de constitucionalidade, na maioria dos casos, equivale a um controle de legalidade em termos de metódica.
Por outro lado, nossa CF tem um processo de emenda que na prática se revelou bastante fácil, e vem permitindo um certo tipo de diálogo do legislativo com o judiciário. Vou colocar dois exemplos: a taxta de iluminação pública e a taxação dos inativos. Em ambos os casos, a declaração de inconstitucionalidade foi seguida por emendas à CF, as quais, por fim , provocaram a mudança de entendimento do STF.
A segunda premissa que deve orientar a leitura de Tushnet é o seu posicionamento contrário à constitucionalização dos chamados ESC rights. Isso é explicitamente apresentado no artigo "Social welfare rights and the forms of judicial review", publicado na Texas Law Review, vol. 82, nº 7. Da mesma forma. Parece-me que o mesmo caminho foi tomado no seu livro publicado em 2007: "Weak Courts, Strong Rights: Judicial Review and Social Welfare Rights in Comparative Constitutional Law".
Outra questão que devemos prestar atenção é quanto ao funcionamento do "controle fraco" no Brasil, principalmente nas questões sobre omissões legislativas. Não podemos esquecer que esta foi a opção do STF na década de 90, em que se limitou a declarar a mora do legislativo nos casos de mandado de injunção. O "controle forte" a que assistimos neste ano de 2007 nada mais é do que uma reação (aliás, reclamada por boa parte da sociedade) à absoluta falta de disposição do legislativo em dialogar com a Corte sobre essas questões.
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