domingo, 28 de outubro de 2007

Judicialização da política na teoria constitucional alemã: o pensamento de Klaus Schlaich

O ativismo jurisdicional do STF que se manifesta em suas mais recentes decisões, reflexo de uma maior aproximação entre constituição e política, guarda estreita relação com o momento que passou o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha na segunda metade do século passado, na afirmação de sua competência e legitimidade de suas decisões perante os outros poderes do Estado.

De um modo geral, a crítica ao ativismo jurisdicional é conduzida quase sempre em relação à distribuição de competências entre legislador democrático e os efeitos do controle de constitucionalidade por omissão, o que em última análise põe em evidencia o princípio da separação de poderes.

Em obra coletiva publicada em 1982, Cours Constitutionnelles Europeennes et Droits Fondamentaux, e organizada por Louis Favoreu, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Bonn, Klaus Schlaich, afirma que um Tribunal Constitucional que tenha uma ampla competência quanto ao controle de normas não poderá escapar da crítica de que invade o campo da legislação. Para Schlaich duas questões parecem centrais nesse tema: a) um Tribunal Constitucional que se ocupa permanentemente do controle do legislador corre o risco de não se contentar com o controle da lei como resultado do procedimento legislativo, e incluir cada vez mais em seu exame o processo pelo qual o Parlamento prepara a decisão; b) cada vez em maior medida, a relação do Tribunal com o legislador é valorada em relação com a idéia de “compensação”.

Sobre a primeira questão, Schlaich pondera que o princípio deve ser que, por ocasião do controle de normas, o objeto do controle é essencialmente a lei enquanto resultado do procedimento parlamentar, e não a argumentação ou qualquer outro procedimento ou comportamento do legislador, ou segundo a situação dos participantes individuais no procedimento legislativo. Sobre esse fato, argumenta que é difícil para o Tribunal Constitucional constatar se o legislador se expressou de forma correta e não se pode extrair da Lei Fundamental de Bonn um dever geral em favor de uma metodologia ótima do legislador. Segundo Schlaich o titular de um mandato eletivo não é um funcionário; a legislação não é a administração. O controle de normas pelo Tribunal Constitucional não deve limitar o legislador até o ponto que reduza completamente as características próprias da atividade parlamentar. O procedimento parlamentar corresponde uma discussão aberta, e nesse caso, contraditória; corresponde uma abertura ao público, que às vezes implica revelações; corresponde ao contato com a opinião publica que pode degenerar em simples dependência.

Quanto ao segundo aspecto a ser considerado, Schlaich afirma que não se pode contestar o fato de que a transformação da lei, de regra geral e abstrata, expressão de uma idéia de justiça, em meio de organizar a sociedade segundo objetivos políticos; a grande necessidade de uma regulação jurídica nas sociedades industriais modernas cuja complexidade exige regulamentações amplas no campo econômico e social; as deficiências que oferece o procedimento parlamentar, além de outros fatores, fazem necessária uma compensação, uma substituição, uma correção, um alargamento, um contrapeso pelo direito pretoriano. Assim, a posição do Tribunal Constitucional em assumir a direção do Estado, contribui certamente para compensar a profunda falta de tradições democráticas e parlamentares na Alemanha. Sem embargo, por respeito à ordem constitucional de competências, o Tribunal não deve se contentar com a idéia de compensação. A compensação não cria a competência; cria uma competência de urgência cujo primeiro e permanente dever é fazê-la supérflua. Desse modo, um Tribunal Constitucional, inclinado a decidir os rumos políticos do Estado, pode precipitar ainda mais a fuga do legislador de suas responsabilidades. A compensação de funções parlamentares pode impedir a formação das capacidades parlamentares necessárias. Se uma decisão do Tribunal Constitucional praticamente retira do debate político as possibilidades de modificação dos grandes projetos legislativos, apreensíveis também de maneira plebiscitárias através das eleições, o resultado em grande medida é a perda de seu caráter decisivo. A oposição pode esperar fazer fracassar uma lei com a ajuda do Tribunal Constitucional, logrando com isso compensar sua posição minoritária no Parlamento, sem que esse nível de influência venha avaliado por um pronunciamento do eleitorado para constituí-la em maioria. A maioria eleita, por sua parte, com a declaração de inconstitucionalidade se vê liberada da responsabilidade das justificativas de suas leis, sem tornar-se intolerável para o eleitor.

Por fim, Schlaich faz a advertência que sua opinião não deve ser interpretada como uma recomendação ao Tribunal Constitucional para que adote uma “posição mais cautelosa” na constatação de inconstitucionalidade de uma lei, já que se trata no final das contas de uma interpretação da Constituição que incumbe ao Tribunal. Mas que o Tribunal mais amiúde ao decidir pela cassação das leis, faça o reenvio da lei ao legislador, e não utilize tão frequentemente das formas intermédias de decisão. Deste modo, o legislador seria mais claramente responsável de seus projetos de lei e o Tribunal se subtrairia o menos possível ao debate político.

A advertência final que Schlaich dirige ao Tribunal Constitucional alemão de adotar um "termo médio" nessa questão pode muito bem ser dirigida ao Supremo Tribunal Federal: “a idéia de compensar as deficiências do procedimento parlamentar mediante intervenções do Tribunal Constitucional pode ter como efeito que as deficiências sejam aceitas rapidamente como inevitáveis, e que cada dia se reforce mais. Isso é algo que o Tribunal deve evitar. Sem embargo, ao mesmo tempo não pode esquecer sua missão de dotar de plena eficácia a Constituição.”

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