sexta-feira, 28 de maio de 2010

Foro privilegiado e a corrupção

Valor Economico 28 de maio de 2010
Lavagem de dinheiro: Especialistas buscam alternativas para recuperar o dinheiro antes de condenar o réuForo privilegiado trava ações de corrupção

Cristine Prestes, de São Paulo
28/05/2010

A demora em se obter decisões judiciais definitivas que permitam a devolução de recursos desviados não é um problema apenas do Brasil, mas a Justiça brasileira coleciona processos que jamais são concluídos. Uma certa tolerância dos tribunais em relação aos crimes econômicos e a infinidade de recursos existentes na atual lei processual, que permite a elaboração de teses jurídicas cada vez mais complexas, são algumas das explicações para que isso ocorra.

No caso da corrupção - que, segundo especialistas, é o crime que, no Brasil, gera boa parte do dinheiro posteriormente lavado - a ausência de condenações é ainda mais gritante. A principal justificativa é a existência do foro privilegiado, que garante que processos contra autoridades sejam julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para se ter uma ideia, há duas semanas a corte condenou, pela primeira vez desde a Constituição de 1988, um político por crime de corrupção, em um processo contra o deputado federal José Gerardo Oliveira de Arruda (PMDB-CE) ajuizado em 2006.

O exemplo mais emblemático da demora do Supremo em julgar autoridades acusadas de corrupção e que têm direito ao foro privilegiado é o do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), que, segundo informações do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado de São Paulo, teria desviado mais de US$ 250 milhões do município de São Paulo quando ocupou o cargo de prefeito. Parte desse valor, encontrado nos Estados Unidos, Suíça, França, Luxemburgo, Inglaterra e Ilha de Jersey, já está bloqueada, mas não pode retornar ao Brasil porque o ex-prefeito não foi condenado em nenhum dos inúmeros processos penais a que responde.

Todos os processos contra Paulo Maluf migraram para o Supremo em 2005, assim que ele foi eleito para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados e conquistou, com isso, o benefício do foro privilegiado. Mas até hoje nenhum foi julgado. No Supremo, Maluf é parte em 12 ações penais e inquéritos por crimes contra o sistema financeiro nacional e a administração pública, crimes de responsabilidade, de licitação e tributário, corrupção e lavagem de dinheiro - além de uma dezena de outras ações judiciais.

Diante de processos que jamais são encerrados, especialistas em lavagem de dinheiro buscam alternativas para que se consiga recuperar recursos desviados sem que seja necessário o término das ações judiciais. Uma das ideias em debate é um instrumento jurídico denominado "extinção de domínio". O mecanismo permite que o Ministério Público entre com uma segunda ação na Justiça - além do processo penal que busca a condenação do criminoso - especialmente para bloquear e retomar bens e dinheiro que tenham sido desviados. Bastaria, para isso, que fique provado que imóveis, veículos e outros bens ou o dinheiro tenha sido obtido por meios ilícitos. Ainda que seja necessária uma nova ação judicial, em geral ações de cobrança são mais céleres do que ações criminais. A possibilidade de réus em processos penais perderem seus bens antes de serem condenados está em estudo desde 2005 pelo grupo que compõe a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), que elabora um anteprojeto de lei sobre o tema. No entanto, a medida é considerada complexa e de difícil aprovação - embora já exista na Colômbia, Peru, México e Estados Unidos.

Uma outra saída para recuperar recursos desviados vem de fora e está em plena aplicação na Suíça - país que vem, ao longo dos anos, tentando alterar sua imagem de paraíso fiscal com o incremento da cooperação internacional em casos de crimes transnacionais. O governo suíço se contrapôs a uma decisão da Justiça local em um dos mais rumorosos casos de corrupção no mundo e manteve o bloqueio de milhões desviados do Haiti pelo ditador Jean-Claude Duvalier, conhecido como Baby-Doc, durante seu governo, de 1971 a 1986.

O bloqueio do dinheiro foi feito ainda em 1986 a pedido do Haiti, que precisava apenas garantir que havia um processo contra Baby-Doc em andamento na Justiça local - após a decisão definitiva, o dinheiro seria devolvido ao país. Mas o processo foi interrompido por uma nova ditadura no Haiti e, após 12 anos sem uma solução, o governo suíço estendeu o bloqueio politicamente e apresentou ao parlamento um projeto de lei que permite que recursos desviados de Estados falidos sejam devolvidos sem necessidade de que os processos cheguem a fim. O projeto ainda não foi aprovado.

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