terça-feira, 2 de abril de 2013

Joaquim Barbosa e a África


02/04/2013 Valor Economico

Joaquim Barbosa viaja à África para conhecer funcionamento de tribunais.Por Juliano Basile
De BrasíliaJoaquim Barbosa: viagem não tem por objetivo a exportação do pensamento jurídico brasileiro, mas a compreensão do direito em nações africanas.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, vai à África, em viagem com conotações históricas para a Corte. Será a primeira vez que um presidente do Supremo faz uma viagem específica para conhecer o funcionamento de tribunais africanos.



Barbosa deve ir para Gana, Angola e África do Sul. A viagem está sendo programada para acontecer em maio ou junho. O objetivo não é apenas o de contar como o STF decide as grandes questões nacionais, mas, sobretudo, o de obter informações a respeito de como os tribunais daqueles países tomam decisões e verificar se as soluções africanas podem ajudar o Judiciário brasileiro de alguma maneira. Dessa forma, a visita de Barbosa não tem o caráter de ensinar aos africanos como se deve promover o direito a partir da experiência brasileira, mas o de compreender como funciona a Justiça no continente.



Um dos aspectos que mais chamam a atenção dos assessores da presidência do STF que estão organizando a viagem é o de que o direito africano possui uma característica peculiar. Vários países têm a tradição de decidir oralmente, por meio de órgãos de mediação e de acordo com costumes que estão consolidados nacionalmente.



Nos últimos anos, outros ministros do STF já estiveram na África, mas para conferências internacionais, em países como Egito e África do Sul, e não com o objetivo específico de conhecer o funcionamento de tribunais e compreender o direito local.



A visita de Barbosa pode romper com um paradigma. Tradicionalmente, os ministros do STF citam decisões americanas, italianas, alemãs, francesas, espanholas e portuguesas. A Corte é mais voltada ao direito comparado no chamado "primeiro mundo ocidental". Entre os campeões de citações estão o português José Joaquim Gomes Canotilho, o austríaco Hans Kelsen e filósofos, como o espanhol Ortega y Gasset.



Já decisões e doutrinadores africanos quase nunca são citados. Muitos deles sequer são conhecidos não apenas na Corte, mas nas faculdades de direito do Brasil.



Ao viajar para a África, Barbosa deve dar o primeiro passo para modificar essa ótica. A visita certamente será permeada de simbolismos perante o público, pois Barbosa é o primeiro negro a presidir o STF. Mas, segundo assessores do ministro, mais do que o simbolismo, o objetivo é o de conhecer outras formas de trabalhar e de compreender o direito local para trazer essas experiências ao Brasil. Segundo eles, essa não é uma viagem de exportação do pensamento jurídico brasileiro, mas de compreensão do direito em nações africanas e de estabelecimento de um diálogo com autoridades das Supremas Cortes daqueles países. O tom é o de intercâmbio, o que significa não somente falar sobre a atuação do STF brasileiro, mas conhecer o pensamento jurídico africano.



As visitas de chefes de Estados e de presidentes de Supremas Cortes africanos não são raras no STF. Muitos deles estiveram no lado jurídico da Praça dos Três Poderes, após encontros formais no Congresso e no Palácio do Planalto. Mas, normalmente, os líderes africanos vêm para aprender com os brasileiros e não para trazer informações sobre como eles decidem os seus conflitos nacionais.



"O nosso Judiciário ainda é um bebê", afirmou o presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba, ao visitar o STF, em 2009, e pedir a colaboração com as instituições daquele país.



No ano seguinte, o Supremo recebeu o presidente do Mali, Amadou Toumani Touré, que reconheceu que a Justiça é um dos "pontos fracos" de seu país. "As lições aprendidas no Brasil nessa visita serão de grande importância", afirmou Touré.



Ainda em 2010, o presidente da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanha, demonstrou curiosidade com a urna eletrônica da Justiça Eleitoral e perguntou como um analfabeto se comporta diante da "máquina de votar". Cezar Peluso, então, presidente do STF, explicou que o eleitor pode levar uma "cola" com o número de seus candidatos, o que impressionou o colega africano. Em 2005, atendendo a um pedido da Organização das Nações Unidas, o então presidente do STF, Nelson Jobim, aceitou colaborar com a reformulação do Judiciário de países africanos.





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