Valor 26 de abril de 2013
Conflito entre Poderes nunca foi tão preocupante
O ministro Gilmar Mendes disse que os deputados responsáveis pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 33/2011, que submete as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ao Congresso, "rasgaram a Constituição". O ministro Marco Aurélio Mello considerou "sintomático" o fato de dois deputados condenados no julgamento do mensalão terem votado a favor da PEC - os deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP). Para ele, está havendo retaliação do Congresso à Corte. "Nada surge sem uma causa", avaliou.
Mas, o conflito entre o STF e o Parlamento ainda não chegou ao auge. O tribunal conta com uma lista de casos em que deve entrar em novas polêmicas com o Congresso. Decisões do tribunal contra a "guerra fiscal" e a imposição de novos critérios para a divisão de verbas do Fundo de Participação dos Estados (FPE) ainda não foram regulamentadas pelos parlamentares. De outro lado, a legislação dos royalties não passou pelo crivo final do STF.
Os quatro deputados federais condenados no mensalão - Valdemar Costa Neto (PP-SP), Pedro Henry (PP-PE), Cunha e Genoino - continuam em seus mandatos a despeito de o tribunal ter declarado que eles deveriam ter deixado o Parlamento. A emenda que aprovou a criação de quatro Tribunais Regionais Federais (TRFs) no país sofre a oposição direta do presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, e por isso, sequer foi promulgada pelo Congresso. E o Parlamento tem um passivo de casos em que o STF cobrou a aprovação de leis e não obteve resposta. A Lei de greve do funcionalismo, por exemplo, ainda não existe a despeito de o STF ter pedido sua criação em 2007.
"Eu creio que os Poderes da República estão funcionando normalmente", disse, ontem, o presidente em exercício do STF, ministro Ricardo Lewandowski, numa tentativa de evitar que os ânimos se elevem ainda mais. Mas o fato é que o clima entre ambos os Poderes nunca esteve tão tenso.
"É sintomático que, na Comissão, tenhamos dois réus da Ação Penal nº 470", afirmou Marco Aurélio, referindo-se a João Paulo Cunha e José Genoino, que fazem parte da CCJ que votaram a favor da PEC que limita os poderes do STF. Cunha foi condenado a nove anos e quatro meses de prisão em regime fechado. Genoino pegou pena de seis anos e onze meses em regime semiaberto e, se continuar na Câmara, poderá trabalhar de dia no Parlamento, mas terá que dormir na prisão.
A votação pela CCJ foi, segundo Mendes, grave e constrangedora. "O que ficou entendido nesse episódio é o fato de matéria dessa gravidade ter sido aprovada por aclamação, por votação simbólica, sem manifestação em sentido contrário", disse Mendes. "É constrangedor, ainda mais vindo de uma comissão que se chama de Constituição e Justiça", perguntou.
As declarações de Mendes foram dadas menos de 24 horas depois de ele tomar medida drástica para os padrões do STF: suspender a tramitação de um projeto de lei na Câmara. Trata-se do projeto que retira dos novos partidos a possibilidade de amplo acesso ao fundo partidário - cotas de dinheiro destinadas às legendas - e de tempo de propaganda no rádio e na televisão. A liminar foi concedida, na noite dessa quarta-feira, em atendimento a pedido do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), após o projeto ter sido aprovado na Câmara. "Vocês acham que foi uma tramitação tranquila, e não casuística?", questionou um desafiador Mendes, quando foi perguntado sobre a liminar.
Lewandowski disse não se lembrar de outro caso em que o tribunal adotou medida parecida, derrubando algo que o Congresso ainda não aprovou, mas o presidente em exercício do STF não apenas evitou entrar em polêmicas com Mendes como ainda defendeu-o. "Eu não me lembro de cabeça, mas, em tese, é possível a interrupção da tramitação de projeto de lei ou emenda constitucional tendente a vulnerar uma cláusula pétrea ", afirmou Lewandowski.
Marco Aurélio fez uma advertência ao Parlamento ao declarar que confia que o plenário da Câmara vá rever a posição da CCJ no PEC que reduz os poderes do STF. "Acima dos integrantes da Comissão está o colegiado", afirmou, referindo-se ao plenário da Câmara. Mas, para ele, a PEC "ressoa como retaliação" a decisões recentes do STF, como o mensalão. "Uma retaliação estaria sendo promovida."
Até as associações de magistrados, que, nas últimas semanas, entraram em várias polêmicas com o presidente do STF, como, por exemplo, a criação de TRFs, partiram em defesa da Corte na disputa com o Parlamento. "A aprovação da PEC nº 33, ao condicionar a produção de efeitos de decisões do Judiciário a um juízo do Legislativo, de natureza eminentemente política, e ao dificultar a prolação dessas decisões, por intermédio da elevação de quóruns, significará um retrocesso institucional extremamente perigoso", disseram as associações dos Juízes Federais (Ajufe), dos Magistrados Brasileiros (AMB) e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) em nota conjunta.
A PEC foi aprovada com a justificativa de que seria preciso conter o "ativismo judicial" do STF - o fato de o tribunal se antecipar ao Congresso em temas que deveriam ser resolvidos pelos parlamentares. Mas, na Corte, o que vigora é o entendimento contrário - de que cabe interferir em questões urgentes nas quais o Parlamento não está tomando as devidas providências. Foi esse entendimento que prevaleceu em vários julgamentos recentes, como a aprovação da união homoafetiva e a de cotas para negros nas universidades. Essa última decisão foi tomada há exatamente um ano, ocasião em que o decano da Corte, ministro Celso de Mello, afirmou que, "se não fosse o ativismo judicial, muitas decisões revolucionárias da Suprema Corte dos Estados Unidos sequer teriam surgido". Como exemplo, Celso citou o famoso caso "Brown versus Board of Education", no qual a Suprema Corte garantiu o direito a uma estudante negra a se matricular numa escola composta totalmente por alunos brancos. Foi uma decisão histórica, como outras que, agora, opõem o Congresso ao Supremo no Brasil.
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