Em defesa do Congresso Valor 30 de abril de 2013
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Por Fernando Limongi | De São Paulo
A confusão está armada. Supremo e Congresso entraram em rota de colisão. Gilmar Mendes, em curta declaração, apontou o culpado: o Poder Executivo. O Supremo se exime de culpa e responsabiliza os demais Poderes. Suas repetidas intervenções teriam um único motivo: pôr ordem no coreto. A omissão do Congresso, sua incapacidade de promover reformas institucionais teria forçado as repetidas investidas do Judiciário na seara alheia.
Rápida revisão das decisões recentes permite concluir o contrário. Da imposição da verticalização das coligações à intervenção do ministro Gilmar Mendes na semana passada, o Supremo tem contribuído mais para confundir do que para esclarecer, para lembrar o refrão do saudoso Chacrinha. As decisões emanadas do Poder Judiciário têm sido tão ou mais "casuísticas" do que as do Congresso Nacional; todas, sem exceção, prenhes de efeitos imediatos para a disputa político- partidária. Não há isenção possível neste tipo de questão. Tampouco é possível argumentar em nome do fortalecimento da democracia ou coisa do gênero. Qualquer decisão tomada favorecerá alguns partidos e prejudicará outros.
Segundo o noticiário da imprensa, o ministro Gilmar Mendes teria identificado vícios formais na tramitação da proposta apresentada pelo deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). O Congresso teria agido de forma rápida demais. Não deixa de ser irônico. O Congresso é sempre atacado por sua omissão ou morosidade. Quando é ágil, levanta suspeição. Tamanha celeridade só se justificaria por razões escusas.
O fato é que o Congresso pode agir rapidamente e o faz com frequência. O ritmo da tramitação das matérias é ditado pela maioria, respeitada as normas regimentais. A intervenção do ministro se justificaria se estas normas e ritos tivessem sido violados. Foram? Se sim, quais? A opinião pública não foi informada dos vícios formais identificados pelo ministro Gilmar Mendes. Pelo que se depreende do que publicado na imprensa, a celeridade em si foi questionada. A suspeição motivou a intervenção.
Muitos analistas comungam da desconfiança que motivou a medida cautelar. O Congresso só se moveria com esta presteza para defender interesses particulares e imediatos. Por isto, mesmo, a medida foi comparada ao Pacote de Abril. O governo estaria alterando a legislação em causa própria. No entanto, é preciso ter claro que o Congresso estava apenas restaurando o status quo vigente antes da surpreendente intervenção do Supremo, concedendo tempo de TV ao partido criado por Kassab. Note-se: a emenda mais polêmica foi proposta pelo DEM e não por um partido da coalizão que apoia a presidente Dilma.
O tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HPGE) conferido a cada partido é proporcional à sua bancada na Câmara dos Deputados. Partidos ganhavam tempo na TV na medida em que conseguiam aumentar suas bancadas. O Congresso Nacional, tempos atrás, barrou esse incentivo à migração partidária, impondo como referência a bancada eleita, isto é, a vontade do eleitor expressa nas urnas nas últimas eleições. Com esta decisão, um dos principais estímulos à migração partidária foi neutralizado. Foi esta decisão do Congresso Nacional - e não a imposição da fidelidade partidária pelo STF - a maior responsável pela diminuição das dança das cadeiras. Aliciar parlamentares para ganhar tempo na TV deixou de figurar entre as estratégias dos pré-candidatos à Presidência.
O STF, ao decidir que o PSD tinha direito a tempo na TV proporcional à sua bancada, reintroduziu, pela porta dos fundos, a motivação para a migração partidária. A estratégia teve que ser devidamente adaptada. Em lugar de atrair deputados, cria-se um novo partido. As restrições impostas pelo CN podem, agora, ser contornadas. A oportunidade foi prontamente percebida e alguns partidos, não necessariamente os mais fisiológicos, logo viram como tirar proveito das novas oportunidades.
Repentinamente, após anos de convivência, PPS e PMN descobriram suas afinidades ideológicas. Note-se o que está em jogo. Não se trata apenas de somar os tempos de TV que PPS e PMN têm direito em função da bancada que elegeram em 2010. Se fosse isto, a fusão teria o mesmo efeito que uma coligação. A fusão soma tempo de TV desde que seja capaz de atrair novos parlamentares, por exemplo, do DEM e do PMDB. Estes, ao se juntarem ao novo partido, carregam consigo seu tempo de TV. E é assim por força da decisão tomada pelo Supremo quando da criação do PSD.
A contradição entre esta decisão do Supremo e a que impôs a fidelidade partidária é patente. Afinal, a quem pertence o mandato parlamentar? Na realidade, ao assegurar tempo na TV ao PSD, o Supremo contradisse decisão tomada pouco antes, quando a bancada do PSD teve negada sua participação na distribuição de cargos no interior do Poder Legislativo. Depois desta decisão, ninguém mais, nem mesmo o PSD e seus aliados esperavam que o partido ganhasse tempo na TV.
Nestes termos, a proposta do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) e a emenda do DEM são reações a um "casuísmo". O Supremo alterou as regras do jogo. Difícil sustentar que a intervenção do Judiciário tenha contribuído para fortalecer os partidos e aperfeiçoar a democracia. Basicamente, a proposta, que o ministro Gilmar barrou antes que sua tramitação chegasse a termo, simplesmente restaurava o status quo.
As intervenções do Supremo no terreno da legislação eleitoral e partidária - é tempo de afirmá-lo com todas as letras - carecem de coerência. O Supremo, por paradoxal que possa parecer, tem sido fonte de instabilidade. Ao pretender legislar no campo eleitoral, não tem como evitar atrelar suas decisões à disputa político-partidária. Perde assim a isenção para reclamar a capacidade de arbitrar uma luta em que se envolve.
Fernando Limongi é professor-titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP)
Conflito entre Poderes nunca foi tão preocupante
O ministro Gilmar Mendes disse que os deputados responsáveis pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 33/2011, que submete as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) ao Congresso, "rasgaram a Constituição". O ministro Marco Aurélio Mello considerou "sintomático" o fato de dois deputados condenados no julgamento do mensalão terem votado a favor da PEC - os deputados João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP). Para ele, está havendo retaliação do Congresso à Corte. "Nada surge sem uma causa", avaliou.
Mas, o conflito entre o STF e o Parlamento ainda não chegou ao auge. O tribunal conta com uma lista de casos em que deve entrar em novas polêmicas com o Congresso. Decisões do tribunal contra a "guerra fiscal" e a imposição de novos critérios para a divisão de verbas do Fundo de Participação dos Estados (FPE) ainda não foram regulamentadas pelos parlamentares. De outro lado, a legislação dos royalties não passou pelo crivo final do STF.
Os quatro deputados federais condenados no mensalão - Valdemar Costa Neto (PP-SP), Pedro Henry (PP-PE), Cunha e Genoino - continuam em seus mandatos a despeito de o tribunal ter declarado que eles deveriam ter deixado o Parlamento. A emenda que aprovou a criação de quatro Tribunais Regionais Federais (TRFs) no país sofre a oposição direta do presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, e por isso, sequer foi promulgada pelo Congresso. E o Parlamento tem um passivo de casos em que o STF cobrou a aprovação de leis e não obteve resposta. A Lei de greve do funcionalismo, por exemplo, ainda não existe a despeito de o STF ter pedido sua criação em 2007.
"Eu creio que os Poderes da República estão funcionando normalmente", disse, ontem, o presidente em exercício do STF, ministro Ricardo Lewandowski, numa tentativa de evitar que os ânimos se elevem ainda mais. Mas o fato é que o clima entre ambos os Poderes nunca esteve tão tenso.
"É sintomático que, na Comissão, tenhamos dois réus da Ação Penal nº 470", afirmou Marco Aurélio, referindo-se a João Paulo Cunha e José Genoino, que fazem parte da CCJ que votaram a favor da PEC que limita os poderes do STF. Cunha foi condenado a nove anos e quatro meses de prisão em regime fechado. Genoino pegou pena de seis anos e onze meses em regime semiaberto e, se continuar na Câmara, poderá trabalhar de dia no Parlamento, mas terá que dormir na prisão.
A votação pela CCJ foi, segundo Mendes, grave e constrangedora. "O que ficou entendido nesse episódio é o fato de matéria dessa gravidade ter sido aprovada por aclamação, por votação simbólica, sem manifestação em sentido contrário", disse Mendes. "É constrangedor, ainda mais vindo de uma comissão que se chama de Constituição e Justiça", perguntou.
As declarações de Mendes foram dadas menos de 24 horas depois de ele tomar medida drástica para os padrões do STF: suspender a tramitação de um projeto de lei na Câmara. Trata-se do projeto que retira dos novos partidos a possibilidade de amplo acesso ao fundo partidário - cotas de dinheiro destinadas às legendas - e de tempo de propaganda no rádio e na televisão. A liminar foi concedida, na noite dessa quarta-feira, em atendimento a pedido do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), após o projeto ter sido aprovado na Câmara. "Vocês acham que foi uma tramitação tranquila, e não casuística?", questionou um desafiador Mendes, quando foi perguntado sobre a liminar.
Lewandowski disse não se lembrar de outro caso em que o tribunal adotou medida parecida, derrubando algo que o Congresso ainda não aprovou, mas o presidente em exercício do STF não apenas evitou entrar em polêmicas com Mendes como ainda defendeu-o. "Eu não me lembro de cabeça, mas, em tese, é possível a interrupção da tramitação de projeto de lei ou emenda constitucional tendente a vulnerar uma cláusula pétrea ", afirmou Lewandowski.
Marco Aurélio fez uma advertência ao Parlamento ao declarar que confia que o plenário da Câmara vá rever a posição da CCJ no PEC que reduz os poderes do STF. "Acima dos integrantes da Comissão está o colegiado", afirmou, referindo-se ao plenário da Câmara. Mas, para ele, a PEC "ressoa como retaliação" a decisões recentes do STF, como o mensalão. "Uma retaliação estaria sendo promovida."
Até as associações de magistrados, que, nas últimas semanas, entraram em várias polêmicas com o presidente do STF, como, por exemplo, a criação de TRFs, partiram em defesa da Corte na disputa com o Parlamento. "A aprovação da PEC nº 33, ao condicionar a produção de efeitos de decisões do Judiciário a um juízo do Legislativo, de natureza eminentemente política, e ao dificultar a prolação dessas decisões, por intermédio da elevação de quóruns, significará um retrocesso institucional extremamente perigoso", disseram as associações dos Juízes Federais (Ajufe), dos Magistrados Brasileiros (AMB) e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) em nota conjunta.
A PEC foi aprovada com a justificativa de que seria preciso conter o "ativismo judicial" do STF - o fato de o tribunal se antecipar ao Congresso em temas que deveriam ser resolvidos pelos parlamentares. Mas, na Corte, o que vigora é o entendimento contrário - de que cabe interferir em questões urgentes nas quais o Parlamento não está tomando as devidas providências. Foi esse entendimento que prevaleceu em vários julgamentos recentes, como a aprovação da união homoafetiva e a de cotas para negros nas universidades. Essa última decisão foi tomada há exatamente um ano, ocasião em que o decano da Corte, ministro Celso de Mello, afirmou que, "se não fosse o ativismo judicial, muitas decisões revolucionárias da Suprema Corte dos Estados Unidos sequer teriam surgido". Como exemplo, Celso citou o famoso caso "Brown versus Board of Education", no qual a Suprema Corte garantiu o direito a uma estudante negra a se matricular numa escola composta totalmente por alunos brancos. Foi uma decisão histórica, como outras que, agora, opõem o Congresso ao Supremo no Brasil.