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"Reuniões não podem se tornar os próprios julgamentos", alerta Renault
De São Paulo
07/06/2011Text Resize
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Divulgação
Renault: "A TV é importante, mas também serve de palco para a vaidade de ministros e propósitos não tão nobres"
A seguir, os principais trechos da entrevista do diretor do Instituto Innovare, o advogado Sérgio Renault:
Valor: O presidente do Supremo, Cezar Peluso, defendeu a institucionalização de sessões prévias fechadas. Isso não reduziria a transparência das decisões da Corte?
Sérgio Renault: Se for para tornar o processo mais célere sou favorável. Essa é uma necessidade do Judiciário. Agora, não se pode tomar decisões, principalmente as polêmicas, e evitar que se saiba publicamente, que os interessados não tomem conhecimento dos argumentos. Os processos são públicos, devem ser públicos. Não pode atrapalhar a transparência. Receio que o objetivo não seja esse e aí sou totalmente contrário. Trabalhamos muitos anos para que houvesse mais transparência, por exemplo com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Valor: Nos Estados Unidos, esse tipo de sessão é comum.
Renault: É uma medida positiva, se visar a facilitação, a racionalização dos julgamentos. O que não se pode fazer é utilizá-la como artifício e evitar que a polêmica seja de conhecimento público. Há exigência de transparência.
Valor: É um retrocesso?
Renault: Isoladamente, não. O que não se pode fazer é que as sessões prévias sejam as verdadeiras sessões de julgamento.
Valor: O que está por trás desse movimento?
Renault: Tenho dificuldade de compreender. Se o objetivo é que as polêmicas não sejam de conhecimento público, há risco. Quero acreditar que não seja.
Valor: A decisão favorável à união civil homoafetiva foi unânime, apesar do assunto ser muito polêmico. Isso ocorreria sem a sessão prévia?
"A transparência é recente e é positiva para o cidadão conhecer o calor dos debates; mas a instituição deve ser protegida"
Renault: É incomum um caso tão polêmico ser decidido por unanimidade. Mas acho que o aspecto é revelador do avanço do Supremo. Não acredito que numa questão tão polêmica um ministro venha a mudar de posição em virtude de uma sessão prévia. Mas houve diferença no voto, no qual alguns ministros fizeram ressalvas, por exemplo, de que não deveria se refletir no direito à herança.
Valor: Qual é a desvantagem das discussões públicas no Supremo?
Renault: O que se pretende fazer é facilitar o processo decisório. O que ocorre é que, em alguns casos, num assunto muito importante, o ministro pode tomar conhecimento de uma informação pela primeira vez, durante o julgamento. Ou ele tem um conhecimento ou experiência para tomar a decisão na hora ou vai pedir vista do processo, uma prerrogativa quando ele está em dúvida. Mas o pedido de vista é muito prejudicial, pois o ministro não tem prazo para devolver o processo, e isso leva à demora no julgamento.
Valor: O argumento de que sessões prévias podem agilizar as decisões não é um contrassenso dado que o Supremo está tomando outras medidas para limpar a pauta e ter tempo para as grandes questões?
Renault: O Supremo pode conseguir cada vez mais tempo, mesmo assim está muito assoberbado. Não entendo que possam prejudicar a transparência. Não acho que vai deixar de haver polêmicas.
Valor: O objetivo é preservar a imagem dos magistrados?
Renault: A questão da transparência pública é recente. Tem tornado os ministros mais expostos à opinião pública e à sociedade. É positivo, um termômetro. O cidadão conhece o calor dos debates. Agora, se essa medida visa proteger a imagem pessoal dos ministros, não é necessariamente ruim. A instituição deve ser protegida.
Valor: O Supremo tornou-se um palco de individualidades?
Renault: O televisionamento é importante, mas faz com que sirva de palco para ministros demonstrarem suas vaidades e propósitos não tão nobres. O Supremo tem que aparecer enquanto instituição.
Valor: Mas a proposta de sessões prévias não visa mais à proteção individual dos ministros do que do Supremo como instituição?
Renault: Sim e não. Só se justifica se melhorar.
Valor: Os oito anos de governo Lula mudaram o perfil do STF?
Renault: O Supremo evoluiu com a sociedade. É evidente que se identificam ministros mais ou menos progressistas. Mas não acho que seja partidário. O interessante é que, por vezes, a gente se surpreende com o voto de um determinado ministro. Na medida em que ele fica mais tempo no Supremo, vai se moldando à instituição. Mas isso tudo só aparece com mais transparência. E há questões novas que são colocadas. A união civil homoafetiva, por exemplo, é uma polêmica do nosso tempo.
Valor: O senhor é a favor da transmissão das sessões pela TV?
Renault: Sim, sou a favor, é um ganho. Há maior transparência. Quando as transmissões surgiram, sempre fui a favor, embora o exagero, a vaidade causem preocupações. O saldo é positivo.
Valor: O senhor, como secretário da Reforma do Judiciário, foi um dos responsáveis pela criação do CNJ. No que mais se avançou e o que ainda está atrasado desde então?
Renault: O CNJ é a grande novidade e foi a medida mais importante da reforma. Tem duas atribuições principais. A primeira é de estabelecer o planejamento do Judiciário. Antes não havia um órgão que organizasse o sistema como um todo. A segunda função é investigar os desvios funcionais de juízes e aplicar medidas punitivas. Na primeira atribuição, o CNJ avançou muito, ao criar normas contra o nepotismo, sobre o horário de funcionamento dos tribunais, ao uniformizar o sistema. Na segunda, no papel de disciplinador, aí avançou pouco. É uma questão complicada. Está enfrentando uma cultura antiga, de uma corporação forte e fechada.
Valor: Mesmo no primeiro papel há dificuldades. Um exemplo foi o episódio recente no qual o presidente de um tribunal de justiça disse que o órgão não poderia trabalhar à tarde por causa do calor no horário.
Renault: Mas antes do CNJ nem se sabia que existia horário de funcionamento. Se não está dando certo pouco importa. Cabe ao Supremo. Os resistentes às medidas do CNJ são pessoas que já eram contra a sua criação, porque queriam autonomia.
Valor: O CNJ ainda precisa se consolidar?
Renault: Sim, sua condição não está dada. Há risco de retrocesso, que é permanente. Vai ter sempre um nível de contestação. É uma instituição muito recente e que tem uma atribuição em relação a um poder muito consolidado, de uma corporação.
Valor: Os ministros do STF deveriam ter um mandato?
Renault: O Supremo é historicamente uma instituição que ajudou muito mais do que atrapalhou a consolidação da democracia. Não é verdade que a forma de escolha ou o tempo de exercício seja um problema. Mas a proposta pode ser positiva, é uma necessidade de atualização, de modernização. Talvez um mandato pelo período de oito anos. (CK
terça-feira, 7 de junho de 2011
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