sábado, 4 de junho de 2011

A liberdade de expressão e o STF

Leveza do ser", o grande problema
Juliano Basile | De Brasília
03/06/2011

Ministro Ayres Britto: "Hoje, o inimigo da imprensa é um pequeno segmento do Judiciário, mas ele será cada vez mais reduzido"A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a Lei de Imprensa, em 2009, foi um marco histórico a favor do jornalismo, mas não impediu que novos casos de censura a jornais continuassem a surgir no Brasil.

É o que o ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo no STF, chamou de "síndrome da insustentável leveza do ser". Inicialmente, os juízes foram acostumados a aplicar essa lei que, desde 1967, regulou e puniu as atividades jornalísticas. Mas, livres de seu peso, alguns setores do Judiciário ainda não compreenderam como deve ser pleno o exercício da liberdade de imprensa.

Hoje, a maioria expressiva dos ministros do STF não aceita censura prévia em nenhuma hipótese. Com isso, dificilmente o Supremo concede liminares para impedir jornais, sites noticiosos e revistas de publicar reportagens sob a alegação de que estariam prejudicando a imagem das pessoas envolvidas ou expondo a privacidade de alguém. Mas esse tipo de decisão ainda surge nas instâncias inferiores da Justiça. Isso aconteceu no Judiciário de Brasília, que, há dois anos, proibiu o jornal "O Estado de S. Paulo" de publicar fatos sob segredo de Justiça envolvendo Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

"Hoje, o inimigo da imprensa é um pequeno segmento do Judiciário ainda refratário à nossa decisão, mas ele será cada vez mais reduzido", afirmou Ayres Britto ao Valor. Dois anos depois do fim da Lei de Imprensa, Britto avalia que ainda existe resistência à decisão do STF. Segundo ele, há juízes que concedem decisões na contramão do que decidiu a Corte. "São decisões esporádicas, que alguns juízes tomam envergonhadamente."

Tornou-se comum o uso do Código Civil para impedir publicações, mas esse recurso equivale a censura, afirma consultora jurídica
Um dos maiores problemas é que, sem a Lei de Imprensa, tornou-se comum o uso do Código Civil para evitar publicações. Três artigos do Código se tornaram os novos inimigos da imprensa. O de número 17 diz que o nome da pessoa não pode ser utilizado em publicações para expô-la ao "desprezo público". O artigo 20 diz que o uso da imagem da pessoa pode ser proibido, "a seu requerimento", para proteger sua fama, honra e respeitabilidade. Por fim, o artigo 21 diz que a vida privada é "inviolável".

Segundo a advogada Taís Gasparian, consultora da "Folha de S. Paulo", esses artigos não deveriam ser aplicados à imprensa, pois tratam de outros assuntos, como a proteção do nome das pessoas para efeitos de inclusão indevida em listas de más pagadoras, ou contra ataques e humilhações em redes sociais. "Se esses artigos forem aplicados contra a imprensa é censura", ressaltou Taís.

Outro problema, segundo Taís, são as decisões provisórias, nas quais, na dúvida, o juiz impede temporariamente a publicação de uma reportagem. "No Brasil, há um número de liminares que aumenta na época das eleições por causa de políticos que não querem ver reportagens com seu nome em meio a escândalos nesse período." Geralmente, essas decisões são derrubadas, semanas depois, nos tribunais de Justiça. Mas, para o jornalista, o interesse de publicar determinada reportagem é praticamente imediato, quando se trata de divulgar fatos do dia ou da semana, de modo que essas liminares causam um prejuízo irreparável à imprensa. Se o jornal não puder publicar a notícia no dia, ela pode simplesmente perder interesse no futuro.

Para Ayres Britto, a liberdade de imprensa só pode ser compreendida sem meio-termo quanto ao seu conteúdo, dimensão ou tempo. "Ou é completa ou não existe liberdade." O ministro citou Chico Xavier, que dizia que ninguém pode amar ou sonhar mais ou menos, para concluir: "Então, ninguém pode ser livre mais ou menos. Não pode haver lei que trate de restrições à liberdade de imprensa."

Qual a saída para os casos de supostos abusos da imprensa? Ayres Britto responde: "Mais liberdade". O ministro recorda que, quando votou pelo fim da Lei de Imprensa, citou o caso dos tabloides britânicos para mostrar que, quando se excedem, surge um movimento da sociedade clamando por mais responsabilidade. O que não pode haver, afirma, é censura prévia. "Quanto mais liberdade à imprensa, mais responsabilidade ela terá."

Autor da ação que levou o STF a derrubar a Lei de Imprensa, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) criticou o uso dos Códigos Civil e Penal em ações que envolvam os meios de comunicação e também a ideia de aprovar novas leis para regular o jornalismo. Para Miro, ainda há um saudosismo com relação ao texto de 1967, que ele comparou à personagem do escritor tcheco Milan Kundera no livro "A Insustentável Leveza do Ser" - uma mulher que lutou para se separar do marido, que a maltratava, e, quando conseguiu, sentiu uma estranha depressão vinda do fato de que não precisaria mais lutar.

Inicialmente, a comparação com o livro de Kundera foi feita por Ayres Britto ao votar pelo fim da Lei de Imprensa, em 2009. Agora, o ministro espera que aquele julgamento seja cada vez mais compreendido pelos juízes e as liminares contra jornais se tornem raras. "A sociedade vai absorver aos poucos a nossa decisão. As coisas serão adequadas com o tempo e sem a síndrome da insustentável leveza do ser."

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