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"O Supremo atua coletivamente. Não é órgão de individualismos", diz Falcão
De São Paulo
07/06/2011
Ruy Baron/Valor - 2/2/2007
Joaquim Falcão, da FGV: "A decisão será pública, mas a troca de ideias é que se pode fazer de modo mais privado"
A seguir, os principais trechos da entrevista do diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e ex-integrante do Conselho Nacional de Justiça, Joaquim Falcão:
Valor: O presidente do Supremo, Cezar Peluso, defendeu a institucionalização de sessões prévias fechadas. Isso não reduziria a transparência das decisões da Corte?
Joaquim Falcão: As sessões do Banco Central são públicas ou fechadas? São fechadas. Tem algum momento em que o interesse público deve ser preservado. Depois se faz a ata e se descrevem os argumentos para a decisão. No Supremo dos Estados Unidos também é assim. Eles não debatem em público. O Brasil criou um avanço, uma transparência, uma publicidade imensa. O que o Peluso está propondo, e aí há uma distinção, não são reuniões decisórias fechadas. A decisão será pública, mas a troca de ideias é que se pode fazer de modo mais privado.
Valor: Em países da Europa também é assim?
Falcão: Na imensa maioria dos países, são fechadas. Eu não conheço caso como o Brasil. A transparência continua. Se não me convencer, vou a plenário e digo: sou contra. Não tem nada de controlar o pluralismo ou a discordância. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte publica a decisão majoritária e depois as dissensões, os votos contrários. O dilema no Brasil é: ou se dá publicidade total ou volta-se para modelos de outros países.
Valor: Qual é a desvantagem das discussões públicas no Supremo?
Falcão: Vejo várias. Os julgamentos se prolongam, os ministros são humanos, envolvem-se num debate como qualquer cidadão e há aqueles que ficam apostando que tal ministro pensa sempre assim em todos os casos. O ministro pode ter dúvidas e se tiver mais tempo para refletir, melhor.
"Na imensa maioria dos países as sessões são fechadas; não conheço caso como o do Brasil"
Valor: As discussões públicas tornam o clima emocional e fazem com que o Supremo decida mal?
Falcão: Há um lado humano, mas pela Constituição, não. O Supremo sempre decide bem.
Valor: O objetivo é preservar a imagem dos magistrados?
Falcão: O Brasil já se acostumou a este espírito das sessões transmitidas, do bom debate e das divergências. Mas é um processo coletivo. Às vezes, os argumentos surgem na hora e se pede vista do processo. É importante que o ministro saiba os argumentos dos próprios colegas para ele fazer o seu. Participei do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e acho indispensável discussão prévia, que deve ser coletiva e individual. Não precisa ter os 11 ministros para discutir.
Valor: Mas isso já não é feito de modo informal?
Falcão: Depende do estilo de cada ministro, mas pelo regimento atual só discutem na sessão do julgamento.
Valor: Em 2007, no primeiro dia de julgamento do caso do mensalão, um fotógrafo captou uma troca de e-mails na qual ministros conversavam sobre seus votos - o que causou constrangimento. Episódios como esse servem de justificativa para que o Supremo faça sessões prévias fechadas?
Falcão: Qual é o cerne da questão? O Supremo atua coletivamente. Não é um órgão de individualismos. É um órgão coletivo, que precisa da troca de ideias, do convencimento, dos argumentos.
Valor: O senhor é a favor da transmissão das sessões pela TV?
Falcão: As discussões prévias não decisivas devemos experimentar. Acho difícil, pela cultura que se implantou, suprimir esse televisionamento. Mas a gente está num mundo de extremos. O Supremo tem uma transparência total e os tribunais de justiça estaduais não têm exibição de suas sessões pela televisão, o que seria muito mais interessante. A melhor solução seria estarmos nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Poderia se pensar o televisionamento dos tribunais de justiça.
Valor: Mas o exemplo não deve vir de cima, do Supremo?
Falcão: O Brasil fez experimentos de transparência das sessões, isso se incorporou à cultura política e jurídica e está se fazendo um ajuste no processo público de decisão, como se daria em qualquer empresa.
Valor: É possível comparar o Supremo a empresas privadas e ao Banco Central, onde a discussão aberta da taxa de juros poderia levar à especulação?
Falcão: Existem interesses públicos cuja exposição podem levar a problemas. As discussões jurídicas também têm implicações no mercado.
Valor: Nos Estados Unidos, a Suprema Corte reflete a clivagem da sociedade, com a indicação de ministros conservadores e progressistas. Os debates ocorridos recentemente no STF deixaram mais clara a inclinação político-ideológica dos ministros?
Falcão: Nos Estados Unidos, há uma clivagem política entre dois partidos e tem uma questão que se tornou clássica, se o ministro é ou não favorável ao aborto, que define se ele está num campo mais conservador ou progressista. É uma sociedade na qual as posições políticas estão mais marcadas e definidas. No Brasil, não temos um presidente democrata ou republicano. Há o presidente de uma coalizão. Os membros do Supremo refletem esse pluralismo político. Temos mais alternativas. Nos Estados Unidos, um presidente republicano indica quem está mais alinhado com suas ideias. A novidade é que pesquisas mostram que essa fidelidade não é absoluta nem permanente. Um exemplo é a Sandra O'Connor [primeira mulher a ser indicada para a Corte Suprema americana, em 1981, pelo então presidente republicano Ronald Reagan]. Ela passou a ter um comportamento mais progressista do que se previa. O alinhamento não é automático.
Valor: A chegada do ex-presidente Lula ao poder é tida como uma inflexão, que mudou o perfil dos ocupantes do aparato estatal. Até que ponto as polêmicas expostas ao vivo pelo Supremo - como o bate-boca ocorrido em 2009 entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa - refletem também uma alteração na composição da Casa, a partir das indicações de Lula?
Falcão: Não se mudou o perfil. Lula indicou Carlos Alberto Direito, que era um católico praticante. Do mesmo modo, não posso dizer que ministro tal é do PT ou do PSDB. Agora, é natural que o presidente indique os ministros que defendam suas ideias. O Supremo é um órgão político e tem que ser. Mas não reflete a correlação de forças. Não é para apoiar a administração de qualquer partido. Reflete visões mais amplas do Brasil. Você não consegue traçar, por um estudo estatístico, a associação entre as preferências de um presidente e as decisões tomadas por um ministro indicado por ele. O presidente sai e o Supremo fica.
Valor: Os ministros também deveriam ter um mandato, com tempo determinado, em vez do exercício quase vitalício?
Falcão: Sim, acho que deveria haver um mandato de 15 anos. Porque aí se renovam as ideias. Há um projeto do [ex-deputado federal] Flávio Dino (PCdoB), que propõe mandatos de 12 anos. Também poderia ser um caminho. (CK)
terça-feira, 7 de junho de 2011
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