O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, liminarmente, decisão da 16ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que julgou ilegal a greve dos advogados públicos federais, deflagrada no dia 17 de janeiro deste ano, contra descumprimento de acordo salarial firmado dia 1º de novembro por parte do governo federal. O pedido, negado pelo ministro Ricardo Lewandowski, foi requerido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Reclamação (RCL) 5798.
A decisão levanta uma questão importante sobre o uso da Reclamação, pois até que ponto o STF deve analisar questões de fato inerentes ao pedido?
Segundo a notícia publicada no site do STF, o ministro Lewandowski teria afirmado que no mandado de segurança a prova deve estar pré-constituída, a fim de demonstrar a existência de fatos incontroversos, “que se amoldem com precisão à regra jurídica alegadamente violada”. Ele verificou que, em exame preliminar dos autos, "a inicial embora bem elaborada, não comprova, ictu oculi, ou seja, de forma inequívoca, que os grevistas estariam cumprindo todos os requisitos da Lei 7.783/89, conforme previsto nos Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA”.
O problema é que, no caso, não se tratava de mandado de segurança, mas de Reclamação, cuja função é a preservação da competência do STF e a garantia da autoridade de suas decisões. Ora, salvo em ações originárias, o STF não analisa, por regra, questões de fato. Mesmo nos recursos extraordinários, nos quais a decisão se concentra em um caso concreto, a posição sumulada do Tribunal é que “para simples reexame de prova, não cabe recurso extraordinário” (Súmula 279).
No caso da greve de funcionários públicos, não pode ser objeto da Reclamação o fato do cumprimento – ou não – dos requisitos da Lei 7.783/89. O que pode ser objeto de Reclamação é o fato de o juiz ter – ou não – apreciado a questão levando em conta a referida lei. Resumindo, no caso da greve dos funcionários públicos, os juízes podem assumir pelo menos três posições:
a) entender que funcionários públicos não têm direito à greve por falta de regulamentação do dispositivo constitucional;
b) entender que funcionários públicos têm direito à greve e que não estão sujeitos à Lei 7.783/89;
c) entender que funcionários públicos têm direito à greve, mas que estão sujeitos à Lei 7.783/89 – neste caso, o juiz, analisando o conjunto probatório dos autos, pode concluir pela legalidade ou ilegalidade da greve.
Nos casos (a) e (b), os juízes estariam contrariando a decisão do STF nos Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, e a Reclamação deveria ser julgada procedente para que o a causa fosse reapreciada em primeira instância para verificação do cumprimento dos requisitos legais.
No caso da letra (c), o juiz estaria cumprindo a decisão do STF e, portanto, a Reclamação deveria ser julgada improcedente. Se o juiz entendeu que, no caso concreto, não estavam presentes os requisitos da Lei 7.7893/89, ou que a parte autora não fez prova do cumprimento (ou descumprimento) dos requisitos legais para o exercício de greve, não é cabível Reclamação, pois neste caso o que se pretende é o reexame de prova, incabível na instância extraordinária.
Por exemplo, não cabe ao STF analisar se médicos públicos, em uma greve específica, estão mantendo os serviços emergenciais ou não. Da mesma forma, não cabe ao STF definir, em um caso concreto, quais são os serviços emergenciais compreendidos na interpretação da Lei 7.783/89. Trata-se de interpretação da legislação infraconstitucional que, em última análise, cabe ao STJ.
Concluindo, entendo que a Reclamação só pode ser invocada quando a interpretação da norma constitucional adotada pelo STF for contrariada, o que, no caso da greve de funcionários públicos, ocorre quando o juiz considera irrelevante a Lei 7.783/89, seja para reconhecer a legalidade do movimento paredista, seja para considerar a greve ilegal.