sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Reclamação e questões de fato

O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, liminarmente, decisão da 16ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que julgou ilegal a greve dos advogados públicos federais, deflagrada no dia 17 de janeiro deste ano, contra descumprimento de acordo salarial firmado dia 1º de novembro por parte do governo federal. O pedido, negado pelo ministro Ricardo Lewandowski, foi requerido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Reclamação (RCL) 5798.


A decisão levanta uma questão importante sobre o uso da Reclamação, pois até que ponto o STF deve analisar questões de fato inerentes ao pedido?


Segundo a notícia publicada no site do STF, o ministro Lewandowski teria afirmado que no mandado de segurança a prova deve estar pré-constituída, a fim de demonstrar a existência de fatos incontroversos, “que se amoldem com precisão à regra jurídica alegadamente violada”. Ele verificou que, em exame preliminar dos autos, "a inicial embora bem elaborada, não comprova, ictu oculi, ou seja, de forma inequívoca, que os grevistas estariam cumprindo todos os requisitos da Lei 7.783/89, conforme previsto nos Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA”.


O problema é que, no caso, não se tratava de mandado de segurança, mas de Reclamação, cuja função é a preservação da competência do STF e a garantia da autoridade de suas decisões. Ora, salvo em ações originárias, o STF não analisa, por regra, questões de fato. Mesmo nos recursos extraordinários, nos quais a decisão se concentra em um caso concreto, a posição sumulada do Tribunal é que “para simples reexame de prova, não cabe recurso extraordinário” (Súmula 279).


No caso da greve de funcionários públicos, não pode ser objeto da Reclamação o fato do cumprimento – ou não – dos requisitos da Lei 7.783/89. O que pode ser objeto de Reclamação é o fato de o juiz ter – ou não – apreciado a questão levando em conta a referida lei. Resumindo, no caso da greve dos funcionários públicos, os juízes podem assumir pelo menos três posições:


a) entender que funcionários públicos não têm direito à greve por falta de regulamentação do dispositivo constitucional;

b) entender que funcionários públicos têm direito à greve e que não estão sujeitos à Lei 7.783/89;

c) entender que funcionários públicos têm direito à greve, mas que estão sujeitos à Lei 7.783/89 – neste caso, o juiz, analisando o conjunto probatório dos autos, pode concluir pela legalidade ou ilegalidade da greve.


Nos casos (a) e (b), os juízes estariam contrariando a decisão do STF nos Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, e a Reclamação deveria ser julgada procedente para que o a causa fosse reapreciada em primeira instância para verificação do cumprimento dos requisitos legais.


No caso da letra (c), o juiz estaria cumprindo a decisão do STF e, portanto, a Reclamação deveria ser julgada improcedente. Se o juiz entendeu que, no caso concreto, não estavam presentes os requisitos da Lei 7.7893/89, ou que a parte autora não fez prova do cumprimento (ou descumprimento) dos requisitos legais para o exercício de greve, não é cabível Reclamação, pois neste caso o que se pretende é o reexame de prova, incabível na instância extraordinária.


Por exemplo, não cabe ao STF analisar se médicos públicos, em uma greve específica, estão mantendo os serviços emergenciais ou não. Da mesma forma, não cabe ao STF definir, em um caso concreto, quais são os serviços emergenciais compreendidos na interpretação da Lei 7.783/89. Trata-se de interpretação da legislação infraconstitucional que, em última análise, cabe ao STJ.


Concluindo, entendo que a Reclamação só pode ser invocada quando a interpretação da norma constitucional adotada pelo STF for contrariada, o que, no caso da greve de funcionários públicos, ocorre quando o juiz considera irrelevante a Lei 7.783/89, seja para reconhecer a legalidade do movimento paredista, seja para considerar a greve ilegal.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Plenário do STF confirma liminar sobre a Lei de Imprensa

Conforme publicado no site do STF, o Plenário do Supremo referendou a liminar do Min. Carlos Ayres Britto, concedida na ADPF 130, que suspendeu alguns artigos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67).

A decisão do Plenário, contudo, fez algumas modificações na medida tomada pelo Min. Ayres Britto, principalmente quanto à suspensão das ações em andamento. Pela nova decisão, “juízes de todo o Brasil estão autorizados a utilizar, quando cabível, regras dos Códigos Penal e Civil para julgar processos que versem sobre os dispositivos que estão sem eficácia. Em questões envolvendo direito de resposta, regras da própria Constituição Federal devem ser aplicadas. Caso não seja possível utilizar as leis ordinárias para solucionar um determinado litígio, o processo continua paralisado (como o ministro Ayres Britto já havia determinado em sua liminar) e terá seu prazo prescricional suspenso”.

Conforme noticiado, o STF também “determinou que o mérito da ação do PDT será julgado em até seis meses, contados a partir de hoje”, o que é um ponto digno de nota, mostrando a preocupação do Tribunal em diminuir a insegurança jurídica provocada por liminares que se eternizam.

A decisão tem uma grande importância retórica (no bom sentido), pois reafirma o valor democrático, conferindo maior força argumentativa aos princípios ligados à liberdade de expressão, ao direito à informação e à participação popular.

Porém, quanto à matéria objeto de regulação da Lei de Imprensa, é difícil antever grandes mudanças. Como o Min. Menezes afirmou, suspender a eficácia de toda a lei não causará “vácuo nenhum do ponto de vista legislativo porque toda a lei de imprensa está coberta por legislação ordinária”. Apesar de o ministro ter feito essa afirmação como um argumento para a suspensão de toda a Lei de Imprensa – e não para defender que a suspensão seria inócua – o fato é que a retirada desse ato normativo do mundo jurídico pouco influenciará as causas cíveis, por exemplo, onde a proteção à imagem e o direito de resposta encontram amparo diretamente na própria Constituição. Isto, aliás, ficou consignado na própria decisão do Plenário.

Mesmo sem a Lei de Imprensa, os juízes poderão determinar a suspensão cautelar da publicação de matérias ou impor aos meios de comunicação o direito de resposta, isso sem contar a imposição de condenações por dano moral, que, com a suspensão da norma questionada, poder ser aplicadas sem limites. Ou seja, ainda não é possível prever os efeitos práticos imediatos da decisão do STF, salvo, é claro, no que tange à matéria criminal.

Leia a notícia no site do STF

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Publicidade administrativa x segurança do Estado - 2

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello proferiu despacho nos autos do MS 27141 impetrado semana passada pelo Senador Arthur Virgílio (PSDB/AM). Na decisão o ministro assinou o prazo de 10 dias para que o impetrante apresente provas documentais de que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, negou-se a fornecer informações sobre gastos de cartões corporativos da Presidência.

Na primeira parte de sua decisão, o ministro Celso de Mello, ao tratar do princípio constitucional da publicidade, afirma que a Constituição da República impõe transparência às atividades do governo, inclusive do Presidente da República, sendo aquele um dos vetores básicos que regem a gestão republicana do poder.

Segundo o ministro, no Estado Democrático de Direito, não se pode privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo compromete a própria legitimidade material do exercício do poder. A Constituição republicana de 1988 dessacralizou o segredo e expôs todos os agentes públicos a processos de fiscalização social, qualquer que seja o âmbito institucional (Legislativo, Executivo ou Judiciário) em que eles atuem ou tenham atuado. Ninguém está acima da Constituição e das leis da República. Todos, sem exceção, são responsáveis perante a coletividade, notadamente quando se tratar da efetivação de gastos que envolvam e afetem a despesa pública. Esta é uma incontornável exigência de caráter ético-jurídico imposta pelo postulado da moralidade administrativa.

Salienta, ainda, que o modelo de governo instaurado em nosso País, em 1964, mostrou-se fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. JOSEPH COMBLIN, “A Ideologia da Segurança Nacional - O Poder Militar na América Latina”, p. 225, 3ª ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), pois privilegiou e cultivou o sigilo, transformando-o em “praxis” governamental institucionalizada, ofendendo, frontalmente, desse modo, o princípio democrático. Ao assim proceder, esse regime autoritário, que prevaleceu no Brasil durante largo período (1964-1985), apoiou a condução e a direção dos negócios de Estado em concepção teórica – de que resultou a formulação da doutrina de segurança nacional – que deu suporte a um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas. Desprezou-se, desse modo, como convém a regimes autocráticos, a advertência feita por NORBERTO BOBBIO, cuja lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra) assinala – com especial ênfase – não haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

Veja íntegra da decisão

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Democracia e liberdade de imprensa

Conforme amplamente noticiado, o Min. Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF 130, “determinou que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos e os efeitos de decisões judiciais ou de qualquer outra medida que versem sobre alguns dispositivos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67)”.


Trata-se de uma ação muito “rica” em termos de dogmática constitucional, e sua resolução pelo Plenário do STF ajudará a definir o contorno dos direitos fundamentais na Constituição brasileira, tanto em termos de metodologia quanto em relação ao conteúdo propriamente dito de certos princípios constitucionais. Isso sem mencionar aspectos processuais do manejo da ADPF e seus efeitos como instrumento de controle concentrado. Tamanha complexidade não poderia ser abordada completamente nos limites deste post, por isso vamos nos concentrar na questão da supremacia da liberdade de expressão.


A decisão constrói seu argumento a partir da afirmação da democracia como “valor-continente”: A Democracia é o princípio dos princípios da Constituição de 1988. Valor dos valores, ou valor-continente por excelência. Aquele que mais se faz presente na ontologia dos outros valores, repassando para eles a sua própria materialidade [...] Exatamente por se colocar no corpo normativo da Constituição como o princípio de maior densidade axiológica e mais elevada estatura sistêmica é que a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da nossa República Federativa”.


Em seguida, a decisão afirma a inter-relação entre democracia e liberdade de imprensa e a supremacia da liberdade de expressão: Tudo a patentear que imprensa e Democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas [...] Por isso que, em nosso País, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”


A apologia da liberdade de imprensa na decisão é feita com argumentos robustos. Todavia, até que ponto a jurisprudência do STF sustenta essa posição? Podemos realmente afirmar que a Constituição garante que “o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”?


A princípio, a resposta que o STF vem fornecendo a essa questão é negativa. É certo que o STF por mais de uma vez considerou inconstitucionais dispositivos da Lei de Imprensa, e a própria decisão na ADPF 130 cita alguns precedentes. Todavia, quando vamos conferir o que dizem esses precedentes, o que constatamos é que o reconhecimento da inconstitucionalidade daquela lei não foi afirmado para garantir a supremacia da liberdade de expressão, mas ao contrário, para dar prioridade à proteção da imagem.


De um modo geral, os precedentes do STF sobre a constitucionalidade da Lei de Imprensa foram firmados no bojo de ações que visavam à reparação de danos à imagem. Por exemplo, em um dos precedentes citados na ADPF 130, o RE 447584, tratou-se de um recurso do Jornal do Brasil que requeria a redução do valor da condenação, valendo-se para tanto de um dispositivo da Lei de Imprensa que limitava o valor das indenizações. Na ocasião, o STF reconheceu a existência de um limite imanente ao direito de imprensa. Este excerto do voto do Min. Peluso esclarece as razões adotadas pelo Tribunal:


A interpretação unitária das regras constitucionais evidencia, dessarte, que tal limitação é inerente ao recorte da própria esfera normativa da liberdade de imprensa, no sentido de que ela só pode ser exercida em sintonia com a Constituição e, portanto, só existe como direito, quando não ofenda os valores da intimidade e da incolumidade moral. Toda atividade exercida em nome da liberdade de expressão, mas com ofensa à honra e à reputação alheia, não é tolerada pela Constituição da República, porque se põe fora do domínio de proteção normativo-constitucional desse bem jurídico ...”


No mesmo sentido foi o voto do Min. Eros Grau, que, apesar de destacar a relevância da liberdade de imprensa, afirmou que “não tem cabimento nenhum abuso no exercício dessa liberdade. A imprensa não pode se transformar em um quarto poder, imune a qualquer tipo de controle”. Também acompanhando o voto do Min. Peluso, o Min. Gilmar Mendes afirmou em seu voto: “claro que a liberdade de imprensa tem um valor fundamental na democracia e deve ser preservada, todavia não há de se fazer em detrimento de valores centrais como a própria expressão 'da dignidade da pessoa humana'”.


Assim, uma leitura rápida da ementa do RE 447584 pode levar à conclusão que este precedente dá suporte à supremacia da liberdade de expressão defendida na decisão liminar da ADPF 130. Uma leitura dos votos, todavia, revela que naquele julgado o STF, ao reconhecer a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei de Imprensa, estava privilegiando a intimidade e a incolumidade moral sobre a liberdade de imprensa.


Aliás, o STF vem repetidamente aplicando a Lei de Imprensa, como no recente caso da queixa-crime (Inq. 2.390/DF) recebida pelo Plenário em outubro de 2007. O Tribunal, inclusive, ao julgar os Embargos de Declaração no AgRAI 542148/SP, reconheceu expressamente a constitucionalidade de um dos dispositivos atacados na ADPF 130 (no caso,tratou-se do art. 57, § 6º, da Lei de imprensa, que estabelece a necessidade de depósito prévio, no valor da condenação, como pressuposto para apela nas ações indenizatórias fundadas na Lei 5.250/67).


Obviamente, a jurisprudência do STF pode se alterar, e não será uma surpresa caso o Tribunal venha a referendar a decisão liminar na ADPF 130. O que não acredito, porém, é que o STF coloque a liberdade de imprensa em um patamar mais elevado do que os demais valores protegidos na Constituição, mantidas as posições dos atuais membros do Tribunal.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Proteção dos direitos humanos em Martin Kriele

Por unanimidade, o STF confirmou liminar dada em maio de 2007 pelo ministro Gilmar Mendes, relator do habeas corpus n. 91386, e revogou em caráter definitivo ordem de prisão preventiva decretada na operação "navalha" da Polícia Federal contra o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Ulisses César Martins de Sousa, ex-procurador-geral do Maranhão na administração do ex-governador José Reinaldo Tavares.

Assim como o fez no julgamento da Extradição n. 986-9 – República da Bolívia, julgado em 15.08.07, o ministro Gilmar apoiou-se na doutrina de Martín Kriele (Introducción a la Teoría del Estado - Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150) para o deferimento da ordem.

Extrai-se da doutrina do teórico alemão os seguintes ensinamentos:


“Os direitos humanos estabelecem condições e limites àqueles que têm competência de criar e modificar o direito e negam o poder de violar o direito. Certamente, todos os direitos não podem fazer nada contra um poder fático, a potestas desnuda, como tampouco nada pode fazer a moral face ao cinismo. Os direitos somente têm efeito frente a outros direitos, os direitos humanos somente em face a um poder jurídico, isto é, em face a competências cuja origem jurídica e cujo status jurídico seja respeitado pelo titular da competência. Esta é a razão profunda por que os direitos humanos somente podem funcionar em um Estado constitucional. Para a eficácia dos direitos humanos a independência judicial é mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição”.

Informações sobre Martín Kriele

Íntegra do acórdão

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Uma nova identidade institucional para o STF

A postagem a respeito da publicidade dos atos administrativos e suas possíveis limitações por questões de segurança de estado é de suma importância. Merece, dentro de nossos limites teóricos, três perspectivas de reflexão. 1 Traduz-se pela sua natureza politica lembrando o pensamento democrático de Noberto Bobbio que o Pode deve estar guiado pela máxima transparência; 2 É a incapacidade do STF estar orientado por critérios de ponderação de principios ou de normas; por fim 3 não podemos esquecer as lições de Otto Bachof na sua obra clássica dos anos 50 do século passado editado pela Almedinda de Normas constitucionais inconstitucionais? Sabemos que o STF rejeitou essa tese a respeito do julgamento da representatividade politica proporcional pelos estados alegando não caber a ele a competência de ser um poder constituinte originário. Em sintese, não cabe ao STF ser mais arrojado do que se preocupar com temas meramente formais como está na postagem se houve ou não "recepção"?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Publicidade administrativa x segurança do Estado

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu liminar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 129-3/DF pedida pelo Partido Popular Socialista (PPS). O partido pretendia, com a ação, impedir o sigilo sobre movimentação de créditos com despesas confidenciais por parte do governo com os cartões corporativos.
O argumento sustentado na ação é de que o artigo 86 do Decreto-Lei nº 200/67, que instituiu o sigilo, não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por confrontar o previsto no artigo 5º (incisos XXXIII e LX). Neste artigo, a Constituição prevê a publicidade dos atos da administração pública como regra e diz que o sigilo só pode ser decretado quando envolver questão de segurança da sociedade e do Estado.
Ao analisar o caso, o relator ministro Ricardo Lewandowski, observou que os requisitos necessários para a concessão da liminar não estão presentes na ADPF 129. Ele explicou que o princípio da publicidade na administração pública não é absoluto, uma vez que a própria Constituição restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
“Em outras palavras, tanto o dispositivo contestado na presente ação, quanto o art. 5º, XXXIII, da Lei Maior, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública”, frisou o relator.
O ministro Lewandowski entendeu que não se justifica a concessão da liminar “porque o sigilo dos dados e informações da administração pública, ao menos numa primeira análise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna, seja porque ele não é decretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré-estabelecidas”.
No entanto, parece não ser acertada a decisão nos seus fundamentos.
Primeiro, sendo a parte final do art. 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal exceção ao princípio da publicidade administrativa, a interpretação deve ser restritiva e somente se justifica no caso concreto na exata medida em que os motivos para o sigilo guardem uma relação de adequação e necessidade com a finalidade pública da norma jurídica. Isto não ocorre no caso concreto, pois o art. 86 do Decreto-Lei nº 200/67 foi editado sob um regime de exceção em que a velha máxima das “razões de Estado” justificava todos os atos de governo, especialmente os restritivos de direitos individuais. A norma possui, portanto, um vício de finalidade intransponível.
Segundo, o princípio da publicidade ou transparência tem se destacado como o mais relevante na transição da Administração Pública burocrática para gerencial, pois dá efetividade aos princípios da participação popular e o da impessoalidade, permitindo a aplicação do controle social da Administração Pública.
Nesse sentido, ressalta Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que “a experiência tem demonstrado que os controles estatais existentes estão longe de serem suficientes para garantir uma reta administração pública; primeiro porque eles também tendem a se burocratizar, segundo, por se mostrarem pouco eficientes e, terceiro, por se tornarem cada vez mais dispendiosos. Por outro lado, os controles sociais sobre a administração pública, sempre que abertos através de instrumentos participativos, ganham popularidade, passam a ser empenhadamente exercitados, sendo, em geral, bastante eficientes, pois multiplicam o número de fiscais sem ônus para os contribuintes, e têm ponderável efeito pedagógico, no sentido de desenvolver um sadio espírito cívico”. (Mutações do Direito Administrativo)
Ademais, a decisão em comento põem em risco o próprio regime democrático e da representação política, pois a confiança da sociedade no governo e nas instituições (trust) exige a transparência absoluta na atuação e justificação dos motivos enquanto lhes seja exigido ou posto em dúvida. (Eduardo Garcia de Enterría, Democracia, Jueces y Control de la Administracion).
Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio já se manifestaram publicamente contra o sigilo das despesas da Presidência da República com os cartões corporativos e a alegação de segurança. (Ministros do STF são contra sigilo de cartão. Folha de São Paulo, 12.2.08). Espera-se, portanto, que a decisão possa ser revista em plenário.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A ADI da Biossegurança

Conforme publicado no site do STF, "foi agendado o dia 5 de março para o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510, que questiona a Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05, artigo 5º) em relação ao uso de células-tronco de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia".


Trata-se de um julgamento importantíssimo para a definição do Estado de Risco no Brasil, pois veremos como o Supremo irá lidar com as questões de indeterminismo científico. Como ficou explícito nos debates públicos promovidos pelo STF, não há consenso científico sobre o início da vida, ou sobre os riscos que poderiam ser criados com a pesquisa utilizando células-tronco embrionárias.


Será interessante também verificar se o Supremo irá considerar ou não os argumentos científicos. Basta lembrar que na ADI 2396 / MS, em que se discutiu a lei do MS sobre uso do amianto, o Tribunal afirmou que: "não cabe a esta Corte dar a última palavra a respeito das propriedades técnico-científicas do elemento em questão e dos riscos de sua utilização para a saúde da população. Os estudos nesta seara prosseguem e suas conclusões deverão nortear as ações das autoridades sanitárias. Competência do Supremo Tribunal Federal circunscrita à verificação da ocorrência de contraste inadmissível entre a lei em exame e o parâmetro constitucional".


Em suma: o STF continuará mantendo essa distinção entre o jurídico e o científico?

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O Estado de Risco e as decisões do STF

Na pesquisa que venho desenvolvendo na Puc-Rio, tem-se tornado cada vez mais robusta a hipótese de que o Estado de Direito atravessa uma crise paradigmática provocada pela teoria do risco. O Estado de Direito, que já foi centrado na idéia da liberdade e do bem-estar social, cada vez mais passa a ser definido pela distribuição de riscos. O risco passa a ser a medida de uma outra concepção de Estado, a qual, por falta de uma terminologia específica, venho denominando Estado de Risco.

A questão do Estado de Risco vai muito além da simples nomenclatura. Como foi destacado no post anterior do Prof. Ribas, a noção de sociedade de risco impõe uma nova leitura do político e do conceito de poder. O risco, como as pesquisas de Luhmann e Slovic demonstraram, é mais do que uma simples relação probabilística de dano, incorporando uma construção bem mais complexa, fruto da percepção social e psicológica.

Sendo o Direito um dos principais meios utilizados pela sociedade para instrumentalizar relações de poder, seria inevitável que as transformações da sociedade de risco tivessem reflexos sobre os desenvolvimentos legislativos e – especialmente no que toca o objetivo deste blog – sobre as decisões judiciais.

A decisão do STF sobre o caso da Transposição do Rio São Francisco é um bom exemplo desse fenômeno. É importante destacar que a decisão da Transposição não se resumiu ao risco ecológico. O risco é colocado tanto na linguagem dos que defendiam a transposição (o risco de prejudicar o andamento das obras, o risco à população que seria beneficiada pela transposição) quanto na dos que eram contrários a esta (risco inerente à imprevisibilidade das consequências ecológicas). A decisão mostra não só que o risco vem se tornando a medida do Direito, o denominador comum da argumentação jurídica, mas também que a discussão sobre o risco engloba uma subjacente disputa entre valores conflitantes (no caso, desenvolvimento econômico v. meio-ambiente equilibrado).

O relacionamento entre o Estado de Risco e as recentes decisões do STF não se exaure nas causas ambientais, como a da Transposição. O leitor que vai além das ementas e investiga os votos pode perceber que o debate sobre riscos conflitantes está presente, por exemplo, no caso da Aposentadoria dos Inativos, no caso das Células-Tronco, e, principalmente, nas decisões de Suspensão de Segurança, instrumento cada vez mais utilizado na Corte.

O Estado de Risco coloca o paradigma do Estado de Direito em crise. Em primeiro lugar, vêm as questões técnicas. Normalmente as questões classicamente relacionadas ao risco eram atribuídas a um corpo de experts, e as políticas públicas e decisões judiciais tinham como “segura” a questão de fato subjacente. Todavia, a evolução das chamadas “ciências duras” trouxe indeterminação ao invés de determinação. As decisões judiciais e regulatórias se encontram não raramente frente à falta de qualquer consenso científico: há opiniões respeitáveis em todos os sentidos (vide o debate promovido pelo STF no caso das Células-Tronco). Com isso, essas decisões deixam de ser simplesmente jurídicas para cada vez mais assumir um papel político, com um elevado aumento de discricionariedade – e poder – colocado nas mãos de órgãos estatais não eleitos democraticamente.

Outro reflexo importante sobre a justificação do Direito está nas decisões consequencialistas, notadamente nas Suspensões de Segurança. Note-se que nessas decisões uma liminar, antecipação de tutela ou mesmo uma sentença em mandado de segurança perfeita sob o ponto de vista jurídico pode ser suspensa por força de riscos classicamente considerados “extra-jurídicos”. Como afirmou o Tribunal na SS-AgR 3232 / TO, “na suspensão de segurança não se aprecia, em princípio, o mérito do processo principal, mas tão-somente a ocorrência dos aspectos relacionados à potencialidade lesiva do ato decisório em face dos interesses públicos relevantes consagrados em lei, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas”.

Esta discussão certamente extrapola os limites deste post, mas em breve será publicado um artigo com os levantamentos iniciais da pesquisa, para desde já iniciar o peer-review. De qualquer modo, convido os interessados em discutir esse tema específico a conhecer o website da pesquisa: www.estadoderisco.org.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

O caso da transposição do Rio São Francisco

No caso da transposição do Rio São Francisco onde há o destaque do voto do Ministro Ayres de Britto, é necessário, no debate jurídico atual na sociedade brasileira, irmos além da categoria do princípio da precaução. Um novo quadro teórico pode ser esboçado na leitura do texto de Julien Pieret, da Universidade Livre de Bruxelas, "D´una societé du risque vers un droit reflexif? Illustration a partir d´un avant projet de loi relatif a l´aeroport de Zaventen". O autor revê todo o pensamento da sociedade de risco de Ulrich Beck e coteja com o direito reflexivo de Gunther Teubner. É uma discussão a respeito de um projeto de lei disciplinando os corredores aéreos do novo aeroporto na Bélgica. O texto comprova que o técnico e politico não podem funcionar mais de maneira independente. Com base na noção de risco, eles estão, definitivamente, imbricados. Sublinhe-se, também, com lastro em Beck, que "a politica torna-se apolitica e o que era apolitico se transforma em politico. Não estamos mais diante de direito hierarquizado e substantivo. O estudo desse citado projeto de lei mostra que a ordem jurídica é cada vez mais procedimental. Se, tendo em referência, a incorporação de todos subgrupos politicos por meios novos de novos mecanismos institucionais, o jurista belga aponta que a discussão do projeto de lei será "ingerenciável". Uma sociedade complexa como a nossa reclama mais o pluralismo na elaboração das normas. "Há de se lembrar que a sociedade de risco e a de reflexividade implicam na emergência de novos atores sociais coletivos escapando as categorias tradicionais como partidos, sindicatos, etc. Estamos diante de uma regulação jurídica que o emissor da norma se confunde com o receptor. Não se pode estar mais diante de um saber certo ou sob uma ordem estandartizada. É nesse horizonte teórico que, cremos, deva ser pautado o caso da transposição do Rio São Francisco.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Transposição do Rio São Francisco e princípio da precaução

O informativo n. 493 do STF nos dá notícia do julgamento do ACO 876 MC-AgR/BA, rel. Min. Menezes Direito, sobre o projeto de integração do Rio São Francisco. Na dúvida sobre a proteção ao meio ambiente x desenvolvimento econômico-social, o Min. Carlos Britto ressalta o princípio da precaução como parâmetro de controle das políticas públicas e fundamento para paralisação da atividade governamental.

Íntegra do Informativo: http://www.stf.gov.br//arquivo/informativo/documento/informativo493.htm

sábado, 2 de fevereiro de 2008

O incansável, batalhador, professor e doutorando Deilton Ribeiro manda essa importante noticia. Há execelentes textos no endereço indicado pelo referido docente sobre o ativismo judicial não percam. A Bélgica sempre foi conhecida pela Université de Saint Louis, com o Prof François Ost, responsável pela "Revue Interdisciplinaire du Droit". A assinatura era baratissima. Nunca mais tive noticia. Estou recendo graças ao nosso Prof Deilton Ribeiro essa valiosa noitica que enriquece o debate brasileiro sobre o ativismo judicial, Assim, o Prof Deilton fazendo
>uma pesquisa na internet encontrou o site> http://www.ulb.ac.be/droitpublic onde está estruturado um seminário sobre "o juiz> ou o parlamentar, quem governa?" com textos riquíssimos sobre a questão do> ativismo judicial.> Por enquanto,ele está somente fazendo o fichamento dos textos, deverendo> aproveitar o feriado do carnaval para fazer uma leitura mais minuciosa.> O prof Deilton pensa que é um material muito rico para aproveitarmos no Laboratório Jurisuprudendicial e no futuro Observatório da Juistiça Brasileira;Para o e-mail não ficar muito pesado, ele enviará os artigos em duas partes Mas com o site indicado todos têm acesso aos importantes artigos. Valeu prof Deilton Ribeiro