Laura Ignacio | De São Paulo
08/08/2011
Joao Brito/Valor
O advogado Guilherme Cezaroti: fraude pode ser declarada nos casos de benefício fiscal sem autorização do ConfazUm novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em casos que não envolvem questões tributárias poderá influenciar as discussões sobre a guerra fiscal entre Estados. A Corte, em mais de uma ocasião, decidiu julgar leis que haviam sido revogadas pouco antes de entrarem na pauta do tribunal. Alguns Estados adotam a estratégia de revogar leis que poderiam ser consideradas inconstitucionais para evitar um julgamento do Supremo e, em seguida, editam norma com o mesmo conteúdo.
Em razão disso, os ministros do STF têm levantado uma nova questão de ordem. Eles entendem que a medida seria uma tentativa de enganar o Supremo - "uma fraude à jurisdição". Por isso, têm julgado essas ações, o que não faziam antes porque a norma não estaria mais em vigor.
Na prática, com o julgamento, os efeitos da legislação revogada podem ser questionados. E fica, portanto, mais fácil derrubar na Justiça uma nova lei com o mesmo teor daquela declarada inconstitucional.
Os casos julgados até o momento referem-se a benefícios não fiscais. Para tributaristas, como a estratégia é também comum em ações judiciais de Estados contra leis de outros governos que concedem benefício fiscal não autorizados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a fraude à jurisdição pode vir a ser aplicada em ações de guerra fiscal por terem o mesmo fundamento.
A fraude à jurisdição começou a ser levantada porque os ministros começaram a considerar que as leis em discussão já tinham surtido efeitos no passado. No julgamento mais recente, o Pleno do Supremo analisava uma Adin da Procuradoria-Geral da República contra resoluções de 2003 da Câmara Legislativa do Distrito Federal, que alteraram a remuneração de servidores da Casa. Em 2009, a Câmara revogou as resoluções e aprovou uma lei de conteúdo semelhante. O Supremo considerou que a revogação dos atos contestados e a sua substituição por outro parecido sugeriam tentativa de fraude à jurisdição do STF com o objetivo de se prejudicar o julgamento da Adin.
Nessa ação, a questão de ordem foi suscitada pelo ministro relator Gilmar Mendes, que só não foi seguido pelo ministro Marco Aurélio, e as normas questionadas foram declaradas inconstitucionais. Por nota, a procuradoria do Distrito Federal informou que entrou com embargos de declaração e aguarda um posicionamento do STF. Para o tributarista Guilherme Cezaroti, do Campos Mello Advogados, a partir desse novo posicionamento, o Supremo poderá julgar o mérito das Adins contra benefícios de ICMS concedidos sem autorização do Confaz mesmo que a norma tenha sido revogada.
Em um dos casos de guerra fiscal que já chegou ao Supremo, o Estado do Paraná entrou com uma Adin contra uma lei de São Paulo. O regulamento de ICMS do Estado de São Paulo passou a conceder redução da base de cálculo do imposto para produtos da cesta básica de alimentos e de softwares. A Adin foi incluída na pauta de julgamento do STF em dezembro de 2006. Em janeiro de 2007, o governo paulista editou o Decreto nº 51.520 revogando os referidos benefícios, razão pela qual em fevereiro de 2007 o STF entendeu que a ação estaria prejudicada e não a julgou. "Naquele mesmo mês, a Secretaria da Fazenda de São Paulo editou o Comunicado da Administração Tributária nº 4, revigorando os benefícios que haviam sido revogados", diz o advogado Cezaroti.
O subprocurador-geral da Procuradoria-Geral do Estado paulista Eduardo José Fagundes afirma desconhecer que São Paulo adote essa estratégia. "Mas já vi outros Estados usarem", afirma. Para o procurador, se o Estado tem a lei declarada inconstitucional e traz outra regra com idênticos benefícios, a fraude à jurisdição pode ser aplicada. Fagundes, no entanto, afirma que não ocorreu "revigoração" de norma revogada pelo Decreto nº 5.120, de 2007.
Segundo o advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara, Barata e Rocha Advogados, o impacto da aplicação da fraude à jurisdição para os contribuintes seria a impossibilidade de usar tais benefícios fiscais no caso de norma reeditada. Já para quem aproveitou o benefício com base na norma julgada inconstitucional, existiria o risco de ter que se pagar o imposto recolhido a menos. "As empresas poderiam alegar que usaram o benefício de boa-fé, com base em lei, e, assim, não poderiam ser penalizadas", argumenta Bichara. Já o tributarista Júlio de Oliveira, do Machado Associados, defende que a declaração de fraude à jurisdição pode habilitar ações de improbidade administrativa contra os Estados que concedem benefício sem autorização do Confaz. "Até hoje, a situação dos Estados que editam essas normas é muito cômoda. Desprezam a Constituição e nada acontece com eles", diz. "Porém, as empresas não têm escolha porque ou aderem ao benefício fiscal ou saem do mercado."
terça-feira, 9 de agosto de 2011
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