domingo, 1 de maio de 2011

Definindo amicus curiae - Informativo 623 do STF

Tribunal de Justiça (CF, art. 125, § 2º) - Controle Abstrato - Recurso Extraordinário - “Amicus Curiae” - Possibilidade (Transcrições)

RE 597165/DF*


RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DESSA CORTE JUDICIÁRIA PARA PROCESSAR E JULGAR “REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE” (CF, ART. 125, § 2º). POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO, PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM TAL HIPÓTESE, DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO, ATENDIDOS OS RESPECTIVOS PRESSUPOSTOS (Rcl 425-AgR/RJ, REL. MIN. NÉRI DA SILVEIRA – RE 190.985/SC, REL. MIN. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.). LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO DO “AMICUS CURIAE” NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE INSTAURADO PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL (RE 595.964/GO, REL. MIN. CÁRMEN LÚCIA). A FIGURA DO “AMICUS CURIAE”: FINALIDADE E PODERES PROCESSUAIS. A INTERVENÇÃO DO “AMICUS CURIAE” COMO FATOR DE PLURALIZAÇÃO E DE LEGITIMAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL. ABERTURA PROCEDIMENTAL, QUE SE TEM POR NECESSÁRIA, DESTINADA A SUPERAR A GRAVE QUESTÃO PERTINENTE À LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DAS DECISÕES EMANADAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (E DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA LOCAIS) PROFERIDAS EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. DOUTRINA. PRECEDENTES (ADI 2.321-MC/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJU 10/06/2005, v.g.). O “AMICUS CURIAE” E A QUESTÃO DA “REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA”. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE, DE SITUAÇÕES INDIVIDUAIS E CONCRETAS. ADMISSÃO, APENAS, DE ALGUMAS ENTIDADES E INSTITUIÇÕES QUE PREENCHEM A EXIGÊNCIA PERTINENTE À “ADEQUACY OF REPRESENTATION”.

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão, que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça local, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 239):

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – COMPETÊNCIA – POSTOS DE COMBUSTÍVEIS – LIVRE INICIATIVA.
1 – A Lei 9.868/99, ao dispor sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, alterou o art. 8º da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal, permitindo a aplicação das mesmas normas do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta perante o Supremo Tribunal Federal.
2 - A livre iniciativa não é absoluta. Sofre restrições impostas pelo interesse maior da coletividade. Não se pode instalar determinados ramos de negócio em todo e qualquer local, sob pena de causar danos à coletividade.
3 – Preliminar de incompetência rejeitada. Pedido julgado improcedente. Decisão por maioria.”
(ADI 2004.00.2.007874-3, Red. p/ o acórdão Des. HAYDEVALDA SAMPAIO - grifei)

Tratando-se, como na espécie, de processo de controle normativo abstrato instaurado, com fundamento no art. 125, § 2º, da Constituição da República, perante Tribunal de Justiça de Estado-membro ou do Distrito Federal e Territórios, esta Corte Suprema tem reconhecido a admissibilidade de recurso extraordinário contra o acórdão local, desde que satisfeitos determinados requisitos, consoante proclama a jurisprudência deste Tribunal (RE 190.985/SC, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, Pleno):

“(...) Da decisão de Tribunal de Justiça, em representação de inconstitucionalidade, com base no art. 125, § 2º, da Constituição Federal, poderá caber recurso extraordinário, a teor do art. 102, III, da Lei Maior da República. Nada impede que, nessa ação do art. 125, § 2º, da Lei Magna, se impugne, como inconstitucional, perante a Constituição Federal, a interpretação dada ao preceito de reprodução existente na Constituição do Estado, por ser essa exegese violadora da norma federal reproduzida, que não pode ser desrespeitada, na Federação, pelos diversos níveis de Governo (Reclamação n. 383-3-SP). Desprezada a impugnação, em princípio, poderá caber recurso extraordinário, submetendo-se, assim, ao STF, o debate da matéria, onde se assentará o exato entendimento da regra constitucional federal reproduzida. A natureza da norma da Constituição estadual, tida como vulnerada, há de ser objeto da decisão de mérito da representação, pelo Tribunal de Justiça. A eficácia ‘erga omnes’ da decisão da Corte local, na representação de inconstitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pressupõe o trânsito em julgado do aresto, limitando-se ao âmbito da Constituição estadual. Se a matéria constitui ‘quaestio juris’ federal, invocável diante da Constituição Federal, di-lo-á o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o recurso extraordinário. (...).”
(Rcl 425-AgR/RJ, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, Pleno - grifei)

Foram deduzidos, nestes autos, pedidos de intervenção processual, nos quais se postula o ingresso, na condição de “amici curiae”, das seguintes entidades: i) Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (fls. 362/373); ii) União Federal (fls. 462/465); iii) Companhia Brasileira de Distribuição (fls. 480/482); e iv) Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS (fls. 485/486).
Cabe observar, preliminarmente, que esta Suprema Corte tem admitido o ingresso, na relação processual, do “amicus curiae”, mesmo que se trate, como ocorre na espécie, de recurso extraordinário interposto contra acórdão que consubstancie julgamento emanado de Tribunal local, proferido em processo de controle normativo abstrato (RE 595.964/GO, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.).
É certo que a intervenção assistencial de terceiros não se mostra cabível, ordinariamente, nos processos de controle normativo abstrato (RDA 155/155 - RDA 157/266 – RTJ 176/991, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
É por isso que a Lei nº 9.868/99, ao regular o processo de controle abstrato de constitucionalidade, observando essa diretriz jurisprudencial e refletindo o magistério da doutrina (OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade”, p. 248, item n. 9.9.35, 2ª ed., 2001, RT; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 81/82, item n. 99, 3ª ed./2ª tir., 2003, Del Rey; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 755, item n. 10.8, 24ª ed., 2009, Atlas, v.g.), prescreve que “Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade” (art. 7º, “caput”).
Não obstante tais razões, cabe ter presente a regra inovadora constante do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, que, em caráter excepcional, abrandou o sentido absoluto da vedação pertinente à intervenção assistencial, passando, agora, a permitir o ingresso de entidade dotada de representatividade adequada no processo de controle abstrato de constitucionalidade.
A norma legal em questão, ao excepcionalmente admitir a possibilidade de ingresso formal de terceiros no processo de controle normativo abstrato, assim dispõe:

“O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.” (grifei)

No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, aplicável ao caso ora em exame, processualizou-se, na regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do “amicus curiae”, permitindo, em conseqüência, que terceiros, desde que investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional.
Sabemos, tal como assinalei em decisões anteriores (ADI 2.130-MC/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2001), que a intervenção do “amicus curiae”, para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional.
Impõe-se destacar, neste ponto, por necessário, a idéia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do “amicus curiae” no processo de fiscalização normativa abstrata, como o de que ora se cuida, pois o acórdão recorrido foi proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios no exercício de competência fundada no art. 125, § 2º, da Constituição, que trata do processo de controle concentrado de constitucionalidade no plano local.
Não se pode perder de perspectiva que a regra inscrita no art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868/99 - que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do “amicus curiae” - tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Corte (GUSTAVO BINENBOJM, “A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira”, 2ª ed., 2004, Renovar; ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Tribunal e Jurisdição Constitucional”, p. 71/94, 1998, Celso Bastos Editor; ALEXANDRE DE MORAES, “Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais”, p. 64/81, 2000, Atlas; DAMARES MEDINA, “Amicus Curiae: Amigo da Corte ou Amigo da Parte?”, 2010, Saraiva, v.g.), quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade.
Tenho presente, neste ponto, o magistério do eminente Ministro GILMAR MENDES (“Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade”, p. 503/504, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor), expendido em passagem na qual põe em destaque o entendimento de PETER HÄBERLE, para quem o Tribunal “há de desempenhar um papel de intermediário ou de mediador entre as diferentes forças com legitimação no processo constitucional” (p. 498), em ordem a pluralizar, em abordagem que deriva da abertura material da Constituição, o próprio debate em torno da controvérsia constitucional, conferindo-se, desse modo, expressão real e efetiva ao princípio democrático, sob pena de se instaurar, no âmbito do controle normativo abstrato, um indesejável “deficit” de legitimidade das decisões que o Supremo Tribunal Federal venha a pronunciar no exercício, “in abstracto”, dos poderes inerentes à jurisdição constitucional.
Daí, segundo entendo, a necessidade de assegurar, ao “amicus curiae”, mais do que o simples ingresso formal no processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, a possibilidade de exercer a prerrogativa da sustentação oral perante esta Suprema Corte.
Cumpre rememorar, nesta passagem, a irrepreensível observação do eminente Ministro GILMAR MENDES, no fragmento doutrinário já referido, constante de sua valiosíssima produção acadêmica, em que expõe considerações de irrecusável pertinência em tema de intervenção processual do “amicus curiae” (op. loc. cit.):

“Vê-se, assim, que, enquanto órgão de composição de conflitos políticos, passa a Corte Constitucional a constituir-se em elemento fundamental de uma sociedade pluralista, atuando como fator de estabilização indispensável ao próprio sistema democrático.
É claro que a Corte Constitucional não pode olvidar a sua ambivalência democrática. Ainda que se deva reconhecer a legitimação democrática dos juízes, decorrente do complexo processo de escolha e de nomeação, e que a sua independência constitui requisito indispensável para o exercício de seu mister, não se pode deixar de enfatizar que aqui também reside aquilo que Grimm denominou de ‘risco democrático’ (...).
É que as decisões da Corte Constitucional estão inevitavelmente imunes a qualquer controle democrático. Essas decisões podem anular, sob a invocação de um direito superior que, em parte, apenas é explicitado no processo decisório, a produção de um órgão direta e democraticamente legitimado. Embora não se negue que também as Cortes ordinárias são dotadas de um poder de conformação bastante amplo, é certo que elas podem ter a sua atuação reprogramada a partir de uma simples decisão do legislador ordinário. Ao revés, eventual correção da jurisprudência de uma Corte Constitucional somente há de se fazer, quando possível, mediante emenda.
Essas singularidades demonstram que a Corte Constitucional não está livre do perigo de converter uma vantagem democrática num eventual risco para a democracia.
Assim como a atuação da jurisdição constitucional pode contribuir para reforçar a legitimidade do sistema, permitindo a renovação do processo político com o reconhecimento dos direitos de novos ou pequenos grupos e com a inauguração de reformas sociais, pode ela também bloquear o desenvolvimento constitucional do País.
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O equilíbrio instável que se verifica e que parece constituir o autêntico problema da jurisdição constitucional na democracia afigura-se necessário e inevitável. Todo o esforço que se há de fazer é, pois, no sentido de preservar o equilíbrio e evitar disfunções.
Em plena compatibilidade com essa orientação, Häberle não só defende a existência de instrumentos de defesa da minoria, como também propõe uma abertura hermenêutica que possibilite a esta minoria o oferecimento de ‘alternativas’ para a interpretação constitucional. Häberle esforça-se por demonstrar que a interpretação constitucional não é – nem deve ser – um evento exclusivamente estatal. Tanto o cidadão que interpõe um recurso constitucional, quanto o partido político que impugna uma decisão legislativa são intérpretes da Constituição. Por outro lado, é a inserção da Corte no espaço pluralista – ressalta Häberle – que evita distorções que poderiam advir da independência do juiz e de sua estrita vinculação à lei.” (grifei)

Na verdade, consoante ressalta PAOLO BIANCHI, em estudo sobre o tema (“Un’Amicizia Interessata: L’amicus curiae Davanti Alla Corte Suprema Degli Stati Uniti”, “in” “Giurisprudenza Costituzionale”, Fasc. 6, nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffré), a admissão do terceiro, na condição de “amicus curiae”, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões do Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que, nele, se realize a possibilidade de participação de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Essa percepção do tema foi lucidamente exposta pelo eminente Professor INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO (“As Idéias de Peter Häberle e a Abertura da Interpretação Constitucional no Direito Brasileiro”, “in” RDA 211/125-134, 133):

“Admitida, pela forma indicada, a presença do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, não apenas se reitera a impessoalidade da questão constitucional, como também se evidencia que o deslinde desse tipo de controvérsia interessa objetivamente a todos os indivíduos e grupos sociais, até porque ao esclarecer o sentido da Carta Política, as cortes constitucionais, de certa maneira, acabam reescrevendo as constituições.” (grifei)

É por tais razões que entendo que a atuação processual do “amicus curiae” não deve limitar-se à mera apresentação de memoriais ou à prestação eventual de informações que lhe venham a ser solicitadas.
Essa visão do problema – que restringisse a extensão dos poderes processuais do “colaborador do Tribunal” - culminaria por fazer prevalecer, na matéria, uma incompreensível perspectiva reducionista, que não pode (nem deve) ser aceita por esta Corte, sob pena de total frustração dos altos objetivos políticos, sociais e jurídicos visados pelo legislador na positivação da cláusula que, agora, admite o formal ingresso do “amicus curiae” no processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.
Cumpre permitir, desse modo, ao “amicus curiae”, em extensão maior, o exercício de determinados poderes processuais, como aquele consistente no direito de proceder à sustentação oral das razões que justificaram a sua admissão formal na causa.
Esse entendimento é perfilhado por autorizado magistério doutrinário, cujas lições acentuam a essencialidade da participação legitimadora do “amicus curiae” nos processos de fiscalização abstrata de constitucionalidade (GUSTAVO BINENBOJM, “A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira”, p. 157/164, 2ª ed., 2004, Renovar; GUILHERME PEÑA DE MORAES, “Direito Constitucional/Teoria da Constituição”, p. 207/208, item n. 4.10.2.3, 4ª ed., 2007, Lumen Juris, v.g.), reconhecendo-lhe o direito de promover, perante esta Corte Suprema, a pertinente sustentação oral (FREDIE DIDIER JR., “Possibilidade de Sustentação Oral do Amicus Curiae”, in “Revista Dialética de Direito Processual”, vol. 8/33-38, 2003; NELSON NERY JR./ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, p. 1388, 7ª ed., 2003, RT; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “Amicus Curiae: a democratização do debate nos processos de controle de constitucionalidade”, in “Direito Federal”, vol. 70/127-138, AJUFE, v.g.).
Cabe observar que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiências que o “amicus curiae” poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em um processo - como o de controle abstrato de constitucionalidade - cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância, de indiscutível magnitude e de inquestionável significação para a vida do País e a de seus cidadãos.
Sendo assim, e pelas razões expostas, admito, na condição de “amici curiae”, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (fls. 362/373), a União Federal (fls. 462/465) e a Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS (fls. 485/486), eis que se acham atendidas, na espécie, quanto a tais entidades, as condições fixadas no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. Proceda-se, em conseqüência, às anotações pertinentes.
2. Deixo de admitir, no entanto, na qualidade de “amicus curiae”, a Companhia Brasileira de Distribuição, pois, embora qualificando-se como entidade privada, não preenche a exigência concernente à representatividade adequada.
O que se revela essencial, no tema, considerada a fórmula da “adequacy of representation”, é a questão concernente ao que a doutrina, notadamente nos processos tendentes a sentenças coletivas, denomina “representatividade adequada”, que constitui - consoante observa ADA PELLEGRINI GRINOVER (“Novas Tendências do Direito Processual”, p. 152, 1990, Forense Universitária), com fundamento no magistério de MAURO CAPPELLETTI (“Appunti sulla tutela giurisdizionale di interessi collettivi o diffusi”, in “Le azioni a tutela di interessi collettivi”, p. 200 e segs., 1976, Padova, Cedam) e de VICENZO VIGORITI (“Interessi collettivi e processo”, p. 245, 1979, Milano) - “importantíssimo dado para a escolha dos legitimados às ações coletivas” (grifei).
O fato processualmente relevante, na espécie, é que a interessada em questão não satisfaz a exigência jurisprudencial e doutrinária da representatividade adequada, o que impede que se lhe reconheça qualidade para ingressar na presente relação processual.
Nem se diga que a Companhia Brasileira de Distribuição, pelo fato de haver sido parte em processo de índole subjetiva, no qual se instaurou idêntica controvérsia (APC 2004.01.1.032966-7, TJDF/T), poderia, só por isso, ser admitida, na presente causa, na condição de “amicus curiae”.
É que, tratando-se de controle normativo abstrato, como sucede na espécie, o concernente processo reveste-se de perfil objetivo (RTJ 113/22 - RTJ 131/1001 - RTJ 136/467- RTJ 164/506-507, v.g.), em cujo âmbito não se discutem interesses individuais nem situações concretas, como reiteradamente tem enfatizado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“(...) CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO - IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DE SITUAÇÕES INDIVIDUAIS E CONCRETAS.
- O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade.
A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3º). (...).”
(RTJ 164/506-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Por tais razões, indefiro o pedido formulado pela Companhia Brasileira de Distribuição (fls. 480/482).
Publique-se.
Brasília, 04 de abril de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

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