quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sentença estrangeira e a fundamentação

Valor 25 de novembro de 2010
A fundamentação da sentença estrangeira
Cristina Saiz Jabardo e Gustavo Santos Kulesz

Com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tornou-se competente para apreciar as sentenças (arbitrais e judiciais) estrangeiras que se pretende homologar no país. O tribunal tem sido chamado a se posicionar sobre importantes questões relativas à arbitragem internacional.

Exemplo disso é o "Caso Kanematsu" , como ficou conhecido, que recentemente levou à Corte a oportunidade de se pronunciar sobre a necessidade, ou não, de fundamentação da sentença arbitral homologanda.

A empresa brasileira ATS - Advanced Telecommunications Systems do Brasil contestou o pedido de reconhecimento de sentença arbitral estrangeira formulado pela norte-americana Kanematsu Usa Inc. Entre outros argumentos, alegou que a decisão do árbitro não havia sido fundamentada, o que afrontaria o princípio da motivação, consagrado pela Constituição Federal (artigo 93, inciso IX).

A sentença arbitral estrangeira foi proferida sob a égide da American Arbitration Association (AAA), importante instituição arbitral americana. Nela, a ATS foi condenada ao pagamento de mais de US$ 1 milhão por descumprimento de contrato internacional de compra e venda de equipamentos e produtos de telecomunicações, que teria sido celebrado com a Kanematsu.

O STJ não se manifestou sobre a falta de motivação e a incerteza continua
Em resposta ao argumento de que a sentença arbitral não fora motivada, a Kanematsu alegou que as partes se submeteram ao Regulamento de Arbitragem da AAA, cujo artigo R-42 (b) dispensa o árbitro de fundamentar sua decisão.

Nos Estados Unidos, é comum a emissão de sentenças arbitrais, sobretudo nacionais, sem fundamentação. Entende-se que os árbitros não estão obrigados a expressar os motivos pelos quais tomaram sua decisão, salvo pedido expresso das partes.

Aliás, importantes regulamentos de arbitragem no mundo, como, por exemplo, os da London Court of International Arbitration (LCIA), China International Economic and Trade Arbitration Commission (Cietac) e o da United Nations Commission on International Trade Law (Uncitral), permitem que a sentença arbitral seja prolatada sem fundamentação.

A questão é sensível na ótica do direito brasileiro. O artigo 26, inciso II da nossa Lei de Arbitragem exige expressamente a motivação do laudo. A homologação, no Brasil, de sentenças estrangeiras não pode contrariar normas de ordem pública. A necessidade de fundamentação do laudo arbitral guarda relação com o princípio, constitucionalmente reconhecido, da motivação das decisões. Questiona-se, assim, se o reconhecimento de sentença arbitral estrangeira não fundamentada seria uma ofensa à ordem pública.

Em um caso de 2005, a questão da necessidade de motivação de laudos arbitrais estrangeiros havia sido levantada para o STJ. A sentença fora proferida sob a égide da Liverpool Cotton Association (LCA), cuja Norma 346, parágrafo 2º de seu regulamento permite ao árbitro não motivar sua decisão.

Na ocasião, a empresa brasileira requerida, Têxtil União S.A., alegou, entre outros, que o laudo não poderia ser homologado porque afrontava o princípio constitucional da fundamentação das decisões. Porém, segundo o STJ, a própria Têxtil União S.A. trouxe aos autos evidência de que a sentença havia sido motivada. Assim, a questão da necessidade ou não de fundamentação da sentença arbitral acabou não sendo diretamente tratada pela Corte.

No Caso Kanematsu, a situação era diferente. A sentença reconhecidamente não tinha fundamentação. O tribunal arbitral prolatou sua decisão, mas não expôs suas razões. Portanto, havia expectativa de que o STJ enfrentasse a questão.

Negou-se o pedido de homologação, porém, por outros motivos. O STJ entendeu que não havia prova inequívoca da existência de convenção de arbitragem, baseando sua decisão no artigo 37, inciso II da Lei de Arbitragem. Aliás, o posicionamento do STJ quanto à necessidade de prova escrita da convenção de arbitragem já havia sido registrado em julgados anteriores. A Corte não se manifestou sobre a questão da falta de motivação da decisão. A incerteza, assim, continua pairando sobre o tema.

Nesse contexto, é recomendável cautela. Como dissemos, diversos regulamentos adotados no comércio internacional permitem que os árbitros deixem de motivar suas sentenças. Diante dessa permissão, recomenda-se que as partes exijam expressamente, na convenção ou no termo de arbitragem, que o laudo seja fundamentado. Afinal, é a possibilidade de execução da sentença no Brasil que pode estar em jogo.

Cristina Saiz Jabardo e Gustavo Santos Kulesza são advogados do L.O. Baptista Advogados

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