Valor
Por Juliano Basile | De Brasília
Uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos abre precedente para que os condenados no julgamento do mensalão possam ingressar com novos recursos para forçar mais uma revisão de suas penas. Seis dos sete juízes da Corte, localizada em San José, capital da Costa Rica, concluíram que os países que se submetem à sua jurisdição, como o Brasil, devem dar a oportunidade de recursos a réus julgados no sistema de foro privilegiado de modo a permitir que eles possam contestar todos os pontos de suas sentenças.
No caso do mensalão, os recursos julgados para impugnar a totalidade das condenações foram os embargos infringentes. Eles foram propostos por apenas 11 dos 24 condenados e levaram à derrubada de várias penas, como, por exemplo, as condenações por formação de quadrilha contra José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Os outros embargos analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os de declaração, foram propostos somente para discutir eventuais obscuridades, omissões ou contradições na decisão do STF e, portanto, não permitiram a revisão geral sobre o julgado que, agora, é preconizada pela Corte Interamericana.
A Corte sacramentou o entendimento de que é necessário um recurso que permita a rediscussão de todos os fatos que levaram a punições. No STF, os embargos infringentes dão essa possibilidade, mas os declaratórios não. O problema é que os infringentes não foram admitidos contra todas as condenações. O STF aceitou esse recurso para os réus que conseguiram o mínimo de quatro votos pela absolvição. Com isso, na maioria das condenações não houve possibilidade de rediscutir os fatos.
A sentença da Corte Interamericana foi divulgada, na segunda-feira, por meio de um comunicado da instituição, em San José. Ela foi tomada no julgamento de um caso envolvendo um pequeno país, o Suriname. Trata-se de um recurso de um ex-ministro das Finanças daquele país, Liakat Ali Errol Alibux, contra pena por falsificação de documentos. Como era ministro e tinha direito a foro privilegiado, Alibux foi julgado apenas uma vez pela Alta Corte de Justiça do Suriname. Condenado, não teve como recorrer a outra instância em seu país. Seus advogados ingressaram, então, com representação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, que concluiu que o caso deveria ser julgado pela Corte em San José.
Na Corte, o processo foi relatado por Roberto Caldas, o único juiz brasileiro entre os sete integrantes. No julgamento, a maioria firmou o entendimento de que deve ser dada a garantia a toda pessoa condenada para recorrer de uma sentença penal. A sentença diz ainda que esse recurso deve ser garantido de maneira a ser efetivo, adequado, rápido e de fácil utilização pelos condenados.
"Deve se entender que, independentemente do regime ou do sistema recursivo que adotem os Estados membros e da denominação que deem ao meio de impugnação da sentença condenatória, para que essa seja eficaz deve se constituir um meio adequado para buscar a correção de uma condenação", diz a sentença. "Consequentemente, as causas de procedência do recurso devem possibilitar um controle amplo dos aspectos impugnados da sentença condenatória."
Na sentença, a Corte deu nova interpretação ao artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos que diz que toda pessoa terá o direito a recorrer de sentença a juiz ou a tribunal superior. Os juízes concluíram que esse recurso deve ser amplo e passível de anular a totalidade da condenação. O único vencido foi o juiz Eduardo Vio Grossi, mas não por desacordo com a sentença e sim porque entendeu que o caso não deveria ser admitido para análise. O julgamento foi presidido pelo colombiano Humberto Sierra Porto que, desde janeiro, substitui o peruano Diego García-Sayán no comando da Corte. No ano passado, García-Sayán declarou ao Valor que a Corte não era o local para condenados buscarem a redução de suas penas e, em seguida, se aproximou do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, com a realização de audiências da Corte em Brasília.
Agora, o julgamento do caso Alibux abre uma nova janela aos condenados no caso do mensalão em dois aspectos. O primeiro é que os embargos admitidos pelo STF não permitem a revisão ampla preconizada pela Corte de San José. Os declaratórios são utilizados apenas para tirar dúvidas ou imprecisões das sentenças. E os infringentes, apesar de permitirem a revisão, só podem ser utilizados nos casos em que os réus conseguiram ao menos quatro votos pela absolvição. Ou seja, nem todos os condenados tiveram admitidos os infringentes. Eles foram aceitos para menos da metade dos condenados.
O segundo aspecto é que o Brasil é signatário da Convenção Americana e, portanto, deve seguir as orientações da Corte. Neste ponto, os juízes de San José podem determinar ao Supremo que analise novamente as condenações em que não foram admitidos infringentes e até mesmo requerer que o tribunal mude o seu regimento interno para retirar a exigência de que só julga esse tipo de recurso com o mínimo de quatro votos pela absolvição.
Na prática, a decisão da Corte abre precedente para que Dirceu, Genoino e Delúbio possam contestar as penas por corrupção, já que não houve julgamento de infringentes contra essas penas. Essas foram as únicas punições que restaram aos três no julgamento e fazem com que eles estejam cumprindo pena. O caminho para esse recurso é longo. Primeiro, eles teriam que ingressar com representação na Comissão Interamericana, em Washington. Caso a Comissão entenda que eles não tiveram a chance de ter rediscutidos os fatos que os levaram à prisão, ela remete o caso para San José, onde será julgado.
A expectativa é a de que esse julgamento demore pelo menos dois anos para ser realizado. Nesse tempo, os condenados já terão cumprido boa parte de suas penas. Alguns, como Dirceu e Genoino, poderão estar no regime aberto, caso consigam a progressão. Mas o recurso à Corte poderia constranger o STF, pois faria com que os juízes discutissem em San José sobre a necessidade de o Supremo permitir um novo julgamento a réus julgados no sistema de foro privilegiado. Esse debate beneficiaria todos os 24 condenados no mensalão.
O ex-deputado João Paulo Cunha, por exemplo, conseguiu derrubar a pena por lavagem de dinheiro com embargos infringentes, mas não teve a oportunidade de usar esse recurso para a rediscussão das penas por corrupção e peculato. A partir de um novo entendimento da Corte Interamericana, poderia fazê-lo. O publicitário Marcos Valério, seus ex-sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach e os integrantes do núcleo do Banco Rural - Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane - também teriam a chance de reduzir suas penas, caso a Corte conclua pela possibilidade de admissão de novos infringentes.
O julgamento do mensalão foi o mais longo e de maior visibilidade da história do STF. Agora, pode ser revisto por uma Corte Internacional.
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